domingo, 21 de fevereiro de 2010

ALÉM DA FRASE

Embora já tenham passado alguns dias desde que li a frase, da autoria de José Eduardo Moniz, que o PUBLICO escolheu para destaque da sua edição do passado dia 17:

«A teia conspirativa envolvendo políticos, empresários e gestores, alguns deles transportando como única habilitações a capacidade de bem servir o líder, é monstruosa e denunciadora da falta de respeito e da indiferença pelos cidadãos e pela democracia. Chavez na Venuzuela não faria melhor»

o seu conteúdo e o momento continuam a justificar que se volte ao tema.

Mesmo depois de no mesmo dia ter ouvido Pacheco Pereira afirmar num debate durante o Jornal Nacional da TVI[1] que não existe censura em Portugal (em contradição com o que as principais figuras do seu partido vêem declarando), nem por isso se pode deixar passar sem comentário a afirmação que José Eduardo Moniz fez nas páginas do ECONÓMICO, tanto mais que o mesmo alude ao incompreensível e generalizado fenómeno da promoção de “inqualificados” como se este fosse um exclusivo da esfera política, esquecendo (ou talvez tentando que nenhum dos seus leitores se recorde do papel que desempenhou enquanto director de programas de um canal de televisão privado que foi um dos grandes responsáveis pela generalização das telenovelas e dos concursos de duvidosa ou nula qualidade) que essa tem sido a tendência no conjunto da sociedade portuguesa.

Embora seja inquestionável a enorme responsabilidade que José Eduardo Moniz teve na degradação dos valores basilares de uma sociedade moderna, ao generalizar junto da população espectadora de televisão e em especial entre os mais jovens uma cultura de facilitismo, a observação que fez é pertinente, mas deve ser devidamente enquadrada no conjunto da sociedade portuguesa.

Que a democracia possa não passar do menos mau dos sistemas de governo ou que o poder corrompe, são noções que há muito passaram a ser entendidas como correntes mas que nunca foram verdadeiramente entendidas e a ainda menos compreendidas.

Que agora venham alguns quadrantes políticos clamar contra um clima de censura (há uns meses a expressão dilecta era a da asfixia democrática, mas talvez por ser demasiado erudita tenha passado desapercebida à generalidade das massas habituadas a pouco mais conhecer e comentar programas como os disponibilizados pelo canal de televisão que José Eduardo Moniz dirigiu) como se tal se tratasse de situação inédita e nunca vista após o 25 de Abril, está para além do aceitável mesmo num processo de luta política e apenas se justifica porque o combate político deixou de se fazer em torno de ideias e de princípios.

Este processo foi tão natural quanto se generalizou a ideia da obsolescência das teorias e, pior, o postulado do fim da história[2], dando lugar à ideia da inevitabilidade da hegemonia de uma corrente de pensamento e à substituição do debate de ideias pela discussão de temas “socialmente fracturantes” e imbecializantes como os da proibição do fumo e do casamento homossexual.

Desprovidos de ideais ou de grandes valores, pretendem assumir-se agora como condutores de um colectivo que não entendem (as bases de formação são fracas ou nulas), nem querem entender (a aquisição de conhecimentos implica trabalho e esforço, mas o que lhes foi incutido forma noções de “esperteza” e de “desenrascanço”) enquanto tal lhes proporcionar os ganhos fáceis a que se julgam com direito natural; dividem entre si os lugares-chave (que proporcionam poder e riqueza) e digladiam-se com o mero fito de os alcançarem para proveito próprio ou da súcia que os rodeia e manterão este tipo de comportamento profundamente lesivo do colectivo enquanto nos mantivermos imóveis e silenciosos, isolados entre quatro paredes a assistirmos aos programas televisivos com que pretendem preencher a nossa existência.
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[1] O conteúdo das declarações de Pacheco Pereira, proferidas durante um frente-a-frente com Augusto Santos Silva, pode ser lido aqui.
[2] Alusão ao postulado defendido por Francis Fukuyama (filósofo político e ideólogo norte-americano do neoliberalismo) segundo o qual como o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim o desenvolvimento do processo histórico baseado nos conflitos ideológicos aproxima-se do fim, dando lugar a uma fase de hegemonia das teses neoliberais.

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