domingo, 2 de abril de 2006

QUANDO A DÚVIDA SE INSTALA...

A notícia do dia poderia ser a visita surpresa a Bagdad dos responsáveis pelas relações externas da administração americana e do governo de sua majestade britânica, ainda mais se o que estivesse neste momento em causa fosse o processo de reconstrução da economia do Iraque, a realidade porém é bem diversa e o que os dois dignitários terão encontrado foi um país em processo acelerado de desagregação, dilacerado pela rivalidade religiosa e étnica, que apenas encontra paralelo na rejeição à ocupação das tropas americanas e inglesas.

Tropas que conhecem constantes dificuldades no terreno e um clima internacional de crescentes dúvidas sobre a necessidade e as vantagens da invasão. Parece, aliás, ter sido isso que aconteceu com dois soldados britânicos a propósito da participação na Guerra no Iraque.

Segundo notícia do DAILY TELEGRAPH encontra-se a decorrer o julgamento do Tenente Aviador Médico da RAF Malcolm Kendall-Smith por se ter recusado a cumprir um terceiro turno de serviço em Bassorá. Alegando a ilegalidade da guerra em curso e o desrespeito pelas normas internacionais, enfrenta agora o julgamento após a sua suspensão em Junho de 2005.
O mesmo periódico
noticia também a idêntica atitude do soldado do SAS, Ben Griffin, que após 3 meses de serviço no Iraque se recusou a continuar a lutar ao lado das forças americanas, que acusa da prática sistemática de ilegalidades e de tratamento desumano dos civis iraquianos.

Talvez devido à diferença de patentes (um oficial e um soldado), Ben Griffin, que se encontrava há oito anos no exército, onde tinha servido no Regimento de Pára-quedistas e experiência de participação em operações na Irlanda do Norte, na Macedónia e no Afeganistão, foi simplesmente dispensado do serviço.

As dúvidas de natureza moral e ética não têm apenas sido levantadas por soldados directamente envolvidos em acções bélicas. Outros elementos presentes no Iraque, como membros de empresas de segurança, também têm questionado a forma de agir da generalidade das forças americanas e há mesmo referências a desabafos de oficiais ingleses que afirmaram preferir lutar ao lado dos russos que dos americanos.

Este crescente clima de desconforto e mal-estar já fora reflectido no livro “Highway To Hell”, publicado por um ex-membro do SAS, que assina John Geddes, que relata muitas outras situações e nomeadamente o facto de muitos dos soldados americanos se julgarem cruzados em luta contra o Islão, algo que pouco os distingue dos “jihadistas”, e nenhuns revelarem grande interesse pela cultura e hábitos locais. Para agravar ainda mais esta situação o autor refere ainda a inexistência de um claro objectivo para a invasão, traduzido no facto de poucos dos soldados americanos afirmarem pretender democratizar o Iraque contra os muitos que julgam participar na guerra para defender os interesses americanos.

É precisamente nesta linha de pensamento que Bem Griffin afirma não se ter alistado no exército inglês para conduzir a política externa americana.

Enquanto no Reino Unido se começam a reportar este tipo de “incidentes”, dos EUA chegam em cada vez maior número notícias sobre os desertores americanos que têm procurado asilo no vizinho Canadá para evitarem as penas de prisão que os aguardam. Na generalidade quando interrogados pelas autoridades canadianas referem o facto de terem presenciado múltiplas situações de atropelos aos direitos humanos e ao tratamento desumano de prisioneiros e população iraquiana em geral.

De uma forma ou outra este tipo de situações e de comportamentos perante as populações não se distingue particularmente da que vimos ser praticada pelo exército americano durante a Guerra do Vietname, cujos resultados são conhecidos, nem me parece que se possam classificar como comportamentos anormais, como procurou fazer crer a administração americana quando rebentou o escândalo na prisão de Abu Ghraib.

Perante um cenário de generalização dos confrontos de natureza religiosa e étnica, como o que se vive actualmente no Iraque, agravado pela insensibilidade da esmagadora maioria das tropas ocupantes, não será de estranhar que reacções como as de Ben Griffin, Malcolm Kendall-Smith e muitos outros continuem a ocorrer em paralelo com a deterioração das condições de relacionamento no terreno, inter corpos militares de diferentes nacionalidades e com as populações iraquianas.

Volvidos cerca de trinta anos após a derrota no Vietname, quem sabe se outra geração americana não se preparará para reavivar velhos fantasmas…

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