O governo de José Sócrates apresentou na semana que terminou um programa de intervenção para resolver a situação de crise da Segurança Social. Segundo o governo e grande número de especialistas, a segurança social vive o risco de insolvência a prazo mais ou menos curto, derivado do facto de haver um número cada vez maior de aposentados e pensionistas e um número cada vez menor de trabalhadores activos (fenómeno agora ainda mais agravado pelo aumento do desemprego), situação que se deverá ao envelhecimento da população nacional (fenómeno traduzido na chamada inversão da pirâmide etária) e é fruto do decréscimo no número de nascimentos.
Não dispondo dos números indispensáveis à confirmação ou rectificação dos cálculos em que governo e especialistas se terão baseado, admito que os respectivos cálculos possam estar correctos, facto que nem por isso resolve uma parte significativa das minhas dúvidas. Senão vejamos: quando o governo afirma que num futuro muito próximo os valores recebidos pela Segurança Social se revelarão insuficientes para fazer face aos encargos assumidos está a raciocinar segundo o princípio de que as pensões de reforma são suportados pelos trabalhadores no activo, o qual contraria a lógica segundo a qual cada trabalhador (e respectiva entidade patronal) realiza entregas regulares à Segurança Social com as quais esta deverá constituir aplicações para no final da vida activa de cada trabalhador lhe entregar a quota-parte descontada devidamente capitalizada. Se assim foi procedido, o que correu mal?
Terão sido os contribuintes da Segurança Social que não cumpriram esta regra? Ou foi esta que falhou na sua função de capitalização dos fundos recebidos?
Para quem queira recordar o nosso passado recente, sempre vou lembrando duas realidades. Após o 25 de Abril governos houve que decidiram que todos os cidadãos deste país tinham direito a receber uma reforma no final da sua vida activa; tratou-se de uma decisão de carácter político mas de evidente relevância social, uma vez que durante o período de vigência do Estado Novo (aquele pelo seu carácter corporativista era suposto conciliar os interesses divergentes de patrões e trabalhadores) não era obrigatória a prática de descontos para a Segurança Social, facto habilmente aproveitado pela classe patronal para evitar o pagamento da sua parte para aquele organismo, sob a alegação de que eram os próprios trabalhadores que não queriam realizar tais descontos. Pior ainda, após o início da Guerra Colonial tornou-se prática corrente o recurso aos fundos daquele organismo para financiamento do esforço de guerra. Da conjugação destas realidades facilmente se entende que a Segurança Social nunca terá disposto dos meios financeiros indispensáveis ao correcto cumprimento da sua função – receber comparticipações, executar as respectivas aplicações com vista à capitalização das receitas e pagamento futuro dos encargos assumidos – a menos que o Estado, após a decisão de generalizar o direito a receber aposentação a todos os trabalhadores, tenha dotado financeiramente aquele organismo dos meios para tal indispensáveis.
Se assim aconteceu, como se justifica a falência que agora se anuncia?
Além da hipótese (mais que óbvia) de o Estado se ter revelado relapso no cumprimento da sua obrigação, existe ainda uma outra – a Segurança Social revelou-se incapaz de assegurar a aplicação correcta dos fundos disponíveis. Tal pode ter acontecido por incapacidade técnica (ausência de especialistas em aplicações financeiras), por ausência de rigorosos critérios de risco que tenham conduzido a que as aplicações realizadas não tenham resultado da forma esperada (aplicações financeiras em mercados com elevado risco e cujo incumprimento tenha prejudicado o objectivo final), ou por pura e simples gestão dolosa do património da Segurança Social.
Em qualquer dos casos a situação de falência agora anunciada carece de correcção e terá andado bem o governo de José Sócrates em vir agora propô-la. O pior é que como vem sendo hábito entre nós, a proposta de solução vai onerar, uma vez mais, os mesmos… e depois de termos assistido no último ano a uma corrida de às aposentações “especiais” de figuras tão impolutas e defensoras da proposta agora apresentada como o são os ex-governantes, deputados, autarcas e demais políticos de pacotilha e baixa qualificação moral e ética.
Na ausência de uma explicação fundamentada e detalhada das razões que conduziram ao actual estado das coisas que revele a todos os erros cometidos e os respectivos responsáveis (para que estes nunca mais possam voltar a desempenhar tais funções ou equivalentes), a solução, por melhor que ela seja não pode ser recebida sem grandes reticências, forte contestação e, pior que tudo, com a quase segura evidência que os nossos governantes continuam a “carregar” sobre a parte mais fraca o ónus de resolução de um problema para o qual esta apenas terá contribuído de forma indirecta, ou seja, quando os escolheu para dirigirem os destinos deste cada vez mais pobre país!
Argumentar com a subida da esperança média de vida da população portuguesa para justificar o aumento do período da vida útil de trabalho (o chamado aumento da idade da reforma) é injusto não só para os que agora se aproximam do final dessa vida útil, como para todos os que trabalham ou se aprestam a iniciar o período de vida útil de trabalho, quando se conhecem as pressões actualmente exercidas para a obtenção de ganhos de produtividade e qualidade do trabalho (sempre à custa do aumento dos horários de trabalho), que quando alcançados raramente se convertem em melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores. Aquele argumento revela-se igualmente canhestro para quem no dia a dia conhece as pressões que são colocadas sobre os trabalhadores de idade mais avançada, tendencialmente classificados como pouco hábeis ou capazes de responder às “inovações” introduzidas nos processos produtivos e que em situações de redução dos quadros de trabalhadores das empresas são, normalmente os primeiros a serem dispensados.
Estou em crer que com uma avaliação justa e cuidada do problema seria possível elaborar uma solução que TODOS entendêssemos como razoável e indispensável e ainda seria mais fácil se novamente os nossos governantes não viessem apresentar soluções elaboradas com base no aumento dos sacrifícios da generalidade da população quando mantém intactas prerrogativas, benesses e demais mordomias de uma minoria de arrivistas, demagogos e falsos “salvadores da Pátria”.
Diz o ditado popular que «em tempos de crise vão-se os anéis»; mas atenção senhores ministros, ex-ministros e futuros ministros, cada vez mais serão vocês os anéis.
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