Li com particular atenção o artigo do Prof. Luciano Amaral inserto na edição de 6 Abril do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, no qual o autor se insurge contra aqueles que desejam que tudo corra mal no Iraque, incluindo neste grupo as vozes que ao longo do tempo que tem durado a ocupação do Iraque (mais de três anos para ser preciso) se têm feito ouvir para questionar, criticar e condenar a actuação duma nação imperial que à margem da lei internacional e em profundo desrespeito pela inteligência dos críticos ordenou aquela guerra.
Sem uma palavra para referir a insustentabilidade da acção americana (pelo menos nisso revela algum bom senso) opta por defender que por cada má notícia há duas boas, incluindo neste grupo o regresso de cerca de um milhão de pessoas, o crescimento da economia iraquiana, o facto dos constantes actos de violência ocorrerem apenas em 4 das 18 províncias do país e o desenvolvimento traduzido na redução da mortalidade infantil e na melhoria das infra-estruturas. Aconselha mesmo os observadores a focarem a sua atenção «...para lá das palas estupidificantes...», atitude que subscrevo na íntegra mas não sem recordar a máxima que lembra que bem prega Frei Tomás...
É que quando o Prof. Luciano Amaral cita o crescimento de 53,2% da economia iraquiana em 2004, esquece (ou espera que nós esqueçamos) que antes do derrube de Saddam Hussein o Iraque estava submetido a uma situação de bloqueio económico internacional, traduzido no boicote à venda de petróleo decidido pela ONU por instigação dos EUA. Igual raciocínio é aplicável à redução da taxa de mortalidade infantil (inevitável logo que levantado o embargo ao fornecimento de medicamentos) e à melhoria das infra- estruturas. Já no que respeita ao facto da violência actualmente em curso se circunscrever a 4 províncias, permito-me aconselhar ao Prof. uma rápida observação do mapa do país com a distribuição da respectiva população:
onde verificará que excluídas as 3 províncias que são praticamente desérticas (desprovidas de interesse estratégico) e as 4 outras que são maioritariamente curdas (etnia bem representada no actual governo e com um programa político próprio e bem definido),restam no cerne da disputa aquelas onde existe uma maior proximidade entre as comunidades xiita e sunita ou que revelem interesse estratégico, chegando-se assim ao mapa do “conflito iraquiano” nas províncias de circundam Bagdad e Baçorá.
Quanto ao benefício resultante do retorno de um milhão de refugiados (dado que não pude comprovar mas admito como válido), basta recordar o número de civis iraquianos mortos (apesar de ausência de dados oficiais o número é estimado entre os 30.000 e os 40.000 mortos, segundo o Iraq Body Count) e o número de desalojados provocados pelas diversas ofensivas das tropas americanas sobre cidades como Fallujah, que antes do assalto teria uma população de cerca de 350.000 habitantes e onde se estima que ainda existam cerca de 200.000 desalojados. Argumenta o Prof. Luciano Amaral que durante o regime de Saddam Hussein morreram no Iraque mais de 700.000 pessoas, ora se atentarmos no facto do regime de Saddam ter perdurado durante 25 anos, período durante o qual se verificaram a Guerra Irão-Iraque e a I Guerra do Golfo, o número médio de mortos anuais ronda os 25.000, número que não é substancialmente diferente do que agora se estima.
Pelo contrário o Prof. Luciano Amaral é bastante comedido nas conclusões, quando admite que a situação no Iraque, estando muito melhor que estaria sob o regime de Saddam, pode vir a deteriorar-se.
Ele diz que não o deseja, mas avança poucas ou nenhumas razões para que tal não aconteça, a começar pelo facto de admitir que a constituição recentemente redigida permite a construção de um regime consensual. Se isto fosse verdade, se as três consultas eleitorais já efectuadas (de forma apressada e muito pouco consistente) já constituíssem um padrão de comportamento interiorizado pelas populações seguramente que não se assistiria à tristíssima situação de ainda não existir qualquer governo volvidos três meses sobre as últimas eleições.
Augurar um futuro risonho e de paz ao Iraque é tão hipócrita quanto o foram as razões invocadas pelos EUA para o início da invasão (questão sobre a qual o Prof. evita, e bem, pronunciar-se) e o mais recente objectivo de democratização. Certo é que a presença das tropas invasoras tem contribuído de forma marcante para a proliferação de rivalidades religiosas e étnicas (há mesmo quem defenda, como Chandra Muzaffar no artigo «End sectarian violence in Iraq», publicado no THERAN TIMES de 14 de Março de 2006, que são um sinal da intervenção estrangeira) e para o aparecimento da ideia da segmentação do território pelos três grandes grupos – xiitas, sunitas e curdos – que começa a ganhar partidários no ocidente.
Será que esta é que vai ser a solução miraculosa para salvar a face do todo-poderoso império americano?
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