terça-feira, 27 de março de 2007

PORQUÊ SÓ OS ENGENHEIROS?

A RTP reuniu ontem á noite umas dezenas de engenheiros para debater a questão da construção do novo aeroporto de Lisboa.
Como era de prever fizeram-se ouvir as vozes a defender e a criticar a opção que já foi anunciada como a escolhida – a Ota; esgrimiram-se argumentos técnicos (aquíferos morfologia e composição dos solos, pendentes, etc., etc., etc.), exibiram-se convicções ambientalistas, trocaram-se cumprimentos e elogios e até foram apresentadas duas localizações alternativas à Ota e ao “chumbado” Rio Frio – Poceirão e Faias.

Para quem tivesse dúvidas ficou clara a existências de fortes interesses no rápido lançamento da obra (desde os ligados aos sectores da construção e obras públicas até aos que desesperam pela chegada de mais fundos comunitários), bem como na forma quase empírica como a mesma vai ser iniciada.

Seguro, é que este governo (como os seus antecessores) se prepara para nos lançar a todos num novo vórtice de investimento irreflectido (continuamos sem ter aprendido as lições de Sines e de outros “elefantes brancos”), que parte significativa dos técnicos ontem envolvidos no debate duvidam da respectiva eficácia e que a RTP prestou um grande serviço a José Sócrates (e a quem o apoia/pressiona na solução Ota) quando excluiu do debate questões tão importantes como a ausência de uma política integrada de transportes (ligação entre transportes aéreo e ferroviário), uma correcta avaliação custo-benefício da obra, e ainda a opinião de especialistas em questões aeronáuticas e em economia.

A questão da necessidade, ou não, de um novo aeroporto esteve quase ausente do debate, não fora uma breve intervenção do Bastonário da Ordem dos Engenheiros referir a necessidade de qualquer estudo fidedigno dever considerar a chamada opção zero (ou seja não construir o aeroporto) e ela nem teria merecido referência.

Quando tudo (e todos) parecem cada vez mais empenhados em empurrar-nos para uma nova megalomania é cada vez mais importante que se ergam as vozes daqueles que, melhor que eu, podem (e devem) bater-se contra esta insanidade geral.

Nunca, tenham decorrido trinta, quarenta ou cem anos desde que se começou a falar na necessidade de um novo aeroporto, se deveria dar início a uma obra desta dimensão e custo sem que:

1 - a sua necessidade esteja inequivocamente demonstrada;
2 - a opção escolhida reflicta uma relação custo-benefício favorável;
3 - não exista, durante a primeira fase de estudos, a possibilidade de a abandonar a qualquer momento.


Depois de um longo arrastar de tempo, a urgência agora anunciada parece mais orientada para ocultar as fragilidades da opção escolhida e quiçá resultante de outros compromissos já assumidos, senão veja-se a notícia do DIÁRIO ECONÓMICO de hoje, que sob o título «Novo aeroporto deve avançar já» dá particularmente voz aos empresários com profundos interesses no projecto, revelando parte do grande negócio que está por detrás do novo aeroporto e da privatização da ANA.

Se a todas as dúvidas já referidas somarmos ainda o quase total desconhecimento das origens do financiamento necessário à obra (fala-se em fundos comunitários, em receitas provenientes da venda da ANA, mas tudo sem a indispensável quantificação) fica completo o cenário para podermos pensar que do “negócio” da Ota ainda só estaremos a vislumbrar uma ínfima parcela.

LEMBRANÇA DO DIA MUNDIAL DO TEATRO

«Representações teatrais nos espaços habituais, mas também na rua e em praças, debates, tertúlias, discursos, exposições e homenagens preenchem a agenda das celebrações do Dia Mundial do Teatro em Portugal...» anunciava ontem o DIÁRIO DIGITAL; talvez seja realidade, mas uma realidade que passa ao lado de Almeirim.

A realidade é que entre nós o único grupo de teatro em actividade volta a primar pela ausência.


Será por falta de actores ou por falta de iniciativa de quem compete promover e apoiar esta actividade?

De uma forma ou outra é triste que um grupo de jovens que se propõem divulgar o teatro (na muito necessária vertente infantil) não se tenha apresentado, na terra que o viu nascer e nos três anos que leva de actividade, mais que uma meia dúzia de vezes.

Na mensagem que Víctor Hugo Rascón-Banda (autor de teatro de nacionalidade mexicana) escreveu há um ano a propósito desta data, lembrava que o «teatro tem inimigos visíveis, a ausência de educação artística na infância, que impede a sua descoberta e o seu usufruto; a pobreza que invade o mundo, afastando os espectadores, e a indiferença e o desprezo dos governos que deviam promovê-lo».

Era verdade então e continua a sê-lo, como se vê!

domingo, 25 de março de 2007

SOBRE OS 50 ANOS DA UNIÃO EUROPEIA

Importa lembrar, quando se comemora meio século sobre a assinatura do Tratado de Roma, que mesmo louvando a capacidade de ter partido de um continente dilacerado por duas grandes guerras em menos de 50 anos, de ter criado um mercado único e uma moeda única, dificilmente a EUROPA constituirá no futuro uma entidade internacional credível enquanto não criar um exército único.

CERTEZAS SOBRE A PORTELA

Quando parece aumentar a convicção na sociedade portuguesa de que a opção pela construção do novo aeroporto na Ota constituirá mais um erro crasso, dos vários que sucessivos governos têm acumulado nas últimas décadas, e até já surgem algumas figuras de primeiro plano do partido do governo (ver o resumo que o JORNAL DE NOTÍCIAS publicou no passado dia 21) a sugerir a necessidade de maior reflexão sobre a opção, importa ir um pouco mais longe do que apontar os principais defeitos à opção da Ota que se podem resumir segundo dois grandes grupos:

1. os de natureza técnica resultantes da localização geográfica (regime de ventos e regular ocorrência de nevoeiros) e das características dos solos (leito de cheias) que implicarão um agravamento no custo total da obra;

2. os de natureza financeira, na medida em que a escolha de uma solução mais e cuja rentabilidade ainda está por demonstrar, cujos efeitos serão especialmente sentidos após a sua entrada em funcionamento.

Assim, na sequência do post” anterior, onde além do apelo à mobilização para a suspensão do projecto levantei a dúvida sobre a necessidade de um novo aeroporto, parece-me oportuno deixar aqui algumas breves notas sobre o assunto.

Como muitas outras pessoas creio que reagi positivamente às primeiras notícias sobre a ideia de retirar o aeroporto de Lisboa da zona da Portela. Mesmo quem não seja um especialista em matéria de transportes ou de aeronáutica, ninguém de bom senso negará que ao ver o número de aeronaves que diariamente sobrevoa a cidade, nas manobras de aterragem ou descolagem, nunca lhe ocorreu a catástrofe que resultaria da sua queda sobre uma zona densamente povoada. É certo que o número de acidentes dessa natureza continua a ser muito reduzido (principalmente entre os aparelhos utilizados pelas principais companhias aéreas ocidentais), mas sendo uma possibilidade real merece ser tido em linha de conta.

Se o argumento da segurança (ou mais concretamente da sua ausência) tem um elevado peso intrínseco, não é menos verdade que ao longo do tempo e das leituras que sobre o assunto fui fazendo começou a formar-se um cenário bem diferente do inicial (ver, a propósito, o que em 2005 escrevi aqui, aqui, aqui e aqui). Ás primeiras dúvidas que então deixei expressas e que se baseavam fundamentalmente em questões de natureza económica e da óbvia pressão especulativa que se sentia sobre os terrenos que ficariam disponíveis, começaram a suceder-se outras que especialistas nestas matérias foram colocando.

Entre estas mereceram-me especial atenção a série de textos que encontrei no endereço MAQUINISTAS.ORG, da autoria de Rui Rodrigues (que soube agora também integrará a compilação que o Prof. Castro Henriques prepara), que me despertaram para outras abordagens da mesma grande questão: SERÁ INDISPENSÁVEL A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO AEROPORTO?

A confirmar-se que existe a possibilidade de expandir as actuais instalações da Portela, usando para o efeito a área de Figo Maduro e melhorar a utilização da pista mediante o redesenho das vias de circulação das aeronaves (“taxi way”) será motivo bastante para questionar a necessidade de um novo aeroporto, para mais com os custos que a opção Ota apresenta.

Como é normal em muitas situações, em que uma dúvida suscita outra, também a propósito dos cenários que apontam para um rápido esgotamento da capacidade da Portela o Eng. Rui Rodrigues aproveita para lançar a questão sobre a nova tendência nos transportes aéreos – as companhias de baixo custo ou “low cost”, como são conhecidas no meio. Segundo este especialista a ANA tem vindo aliciar as “low cost” a voarem para a Portela (são já mais de uma dúzia a fazê-lo) para justificar a necessidade de um novo aeroporto. Em resultado da presença das “low cost” na Portela as companhias regulares (entre as quais a TAP) têm que baixar o preço das suas tarifas, quando a solução que melhor serviria os interesses das companhias aéreas e dos passageiros seria a abertura de uma pista reservada às “low cost”.

Uma solução deste tipo foi estudada já em 1999, altura em que a ANA defendia a conversão do aeródromo do Montijo à utilização civil, à semelhança do que se vem fazendo um pouco por toda a Europa; em sua defesa diga-se que além de proporcionar uma base operacional e um pólo atractivo para o turismo, ainda permitiria à TAP beneficiar da vantagem de poder continuar a voar para a Portela (a par com as restantes companhias tradicionais) e, sobretudo, traduzir-se-ia numa solução mais facilmente integrável na rede europeia de Alta Velocidade.

Esquematicamente o problema resume-se assim:

Por último, esta solução cujo custo foi na época estimado em cerca de 100 milhões de euros, representa uma assinalável poupança face aos 5 mil milhões estimados para o faraónico projecto da Ota. Nas palavras do autor do trabalho, tudo se resume a este simples raciocínio: «A França e a Alemanha são países ricos que adoptaram soluções simples e baratas enquanto Portugal, que se depara com graves limitações financeiras, pretende avançar com soluções complexas e de alto custo»

Mas a somar a tudo existem ainda um outro problema que Rui Rodrigues levanta: QUAL O FUTURO DA TAP DEPOIS DA OTA?

A avaliar pela resposta que ele próprio dá, baseado no que sucedeu à congénere grega depois da inauguração de um novo aeroporto – que obrigada a suportar o acréscimo dos custos das taxas aeroportuárias na nova unidade não tardou a entrar em situação de falência – será de esperar o pior.

Infelizmente tudo se conjuga para que os membros do executivo de José Sócrates não consigam tirar a devida ilação das teorias que Muhammad Yunus veio defender na passada semana em Lisboa e, adaptando-as ao caso português, entendam que a opção que verdadeiramente poderá gerar emprego e crescimento sustentado do PIB não é a Ota (que gerará emprego durante o período da construção mas deverá originar a falência da TAP, a “fuga” das “low cost” para o aeroporto espanhol mais próximo e o agravamento do endividamento nacional num projecto sem futuro), mas sim um aeroporto simples, próximo de Lisboa e que permitindo baixos custos de operação atraia os voos turísticos que já começaram a desenhar o futuro.

Cumprida esta condição e o desenvolvimento da rede de Alta Velocidade (ligação Lisboa - Madrid pelo TGV), a Portela pode muito ver a sua esperança de vida aumentada em mais uma geração.

quinta-feira, 22 de março de 2007

DÚVIDAS SOBRE A OTA

Dia após dia continuam a suceder-se na imprensa nacional notícias sobre o projecto de construção do novo aeroporto na Ota. Umas vezes para referir as movimentações políticas, outras repetindo intervenções e discursos do governo reforçando a ideia daquela inevitabilidade ou para divulgar estudos, pareceres e opiniões pró e contra o projecto.

Maquete do novo aeroporto da Ota

Neste último grupo insere-se a recente divulgação da publicação próxima de um livro que compilará opiniões e pareceres de especialistas de diferentes áreas, contra a opção pela localização na Ota.

Sendo proverbial a tendência dos portugueses para se considerarem especialistas de todas as áreas (pelo menos foi isto que afirmou há dias Jorge Coelho quando confrontado com a crescente oposição à Ota), o que distingue este livro é o seu autor. Nada mais nada menos que o director do Instituto de Defesa Nacional e professor da Universidade Católica, Mendo Castro Henriques. Numa entrevista então noticiada no PORTUGAL DIGITAL, aquele universitário diz ter-se interessado pela questão enquanto cidadão individual e destaca o facto de sentir que a comunidade científica estará a tomar uma posição de cidadania e a contestar a decisão governamental.

Erguendo um pouco o véu sobre o conteúdo da obra a publicar (prometida para o próximo mês de Abril, sob a chancela da editora Tribuna e com título provisório «Ota não! Portugal sim!») sempre foi deixando as seguintes questões:

1 - a região da Ota não oferece grandes condições de navegabilidade, seja pelo regime de ventos, seja pela ocorrência regular de nevoeiros (que terá estado na origem da deslocação da esquadrilha de caças da FAP para Monte Real);

Base Aérea de Monte Real

2 - a localização do futuro aeroporto na Ota colocará o mesmo problema de insegurança da Portela, uma vez que os aviões terão que sobrevoar a baixas altitudes zonas densamente povoadas como a do Carregado (população da ordem das 30.000 pessoas e prédios de 12 andares) ou talvez pior uma vez que o Carregado se localiza numa cota superior ao aeroporto, ao contrário do que acontece em Lisboa onde é a Portela que se localiza numa cota superior;

Vista parcial do Carregado

3 - a localizar-se na Ota o novo aeroporto será construído em leito de cheia o que implicará a necessidade de remoção de umas dezenas de milhões de metros cúbicos de terra (entre 50 e 130 milhões de m3, consoante as fontes);

Local previsto para a construção da futura aerogare da Ota

para concluir que nos estão a vender uma mentira, se calhar nem precisamos de um novo aeroporto.

Além de esta tese ser subscrita por outros observadores, existem ainda outras “incongruências” que necessitam ser bem explicadas.

É disto exemplo a notícia do SOL do passado dia 17 de Março que, referindo um estudo da NAV (Navegação Aérea de Portugal), afirmava que mesmo com as duas pistas previstas o novo aeroporto não permitirá realizar aterragens e descolagens em simultâneo, não terá capacidade para movimentar mais de 70 aviões por hora (a meta fixada pelo governo é de 80 aparelhos/hora) e atingirá a sua capacidade máxima ao fim de 13 anos de actividade e não de 50 como pretende o governo.

Confirmando-se estes dados, que o ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, se apressou a minimizar, dizendo que aquele relatório se destinava a «...resolver os problemas que surjam» e que os estudos «...demonstram que apenas em 2050 se atingirão 42 milhões de passageiros», serão cada vez mais (e mais fortes) as questões por responder.

Já em meados de Fevereiro, o Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo, veio a público perguntar porque é que só foram equacionadas as opções de instalação em Rio Frio e na Ota, quando sendo conhecidas à partida as limitações ambientais da primeira este simples facto transformaria automaticamente a segunda numa opção menos má.

Estes factos e a defesa acérrima que o governo de José Sócrates insiste em fazer da opção pela Ota tornam inevitáveis críticas como a colocada pelo líder da oposição, Marques Mendes, que levanta a suspeita sobre as razões da escolha. Se manifestamente não são de natureza técnica, então o que a sustenta? Habituados como estamos a que os interesses públicos sejam demasiadas vezes subordinados a interesses privados, a dúvida é pertinente e o ar ofendido do primeiro-ministro durante a interpelação parlamentar, parece cada vez mais uma representação muito pouco convincente e de muito má qualidade.

Assim revela-se cada vez mais pertinente a necessidade de repensar todo este problema, começando por “forçar” o governo a suspender o projecto de adjudicação das obras na Ota já este ano, pelo que aqui deixo o convite/apelo a que subscrevam uma das seguintes petições online:

http://www.petitiononline.com/naoaerop/petition.html

http://www.petitiononline.com/atpr2005/

e as divulguem, no sentido de vermos convenientemente debatida toda a problemática em torno do novo aeroporto, se é que de todo em todo dele necessitaremos...

terça-feira, 20 de março de 2007

AGORA ASSASSINAM OS LIVROS….

Cumpre-se hoje mais uma lamentável efeméride.

Á forma objectiva usada por Medeiros Ferreira num artigo do DN, quando lembra que «Há quatro anos, quatro figuras contavam sobretudo com a força militar norte-americana para uma resolução rápida da invasão do Iraque: Bush e Blair, Aznar e Durão Barroso. Bush e Blair por acreditarem nas suas próprias forças, os dois políticos ibéricos por desconhecerem a resistência ao poder dos outros. Quatro aventureiros que colocaram os EUA num beco sem saída e se vão esgueirando como podem da patética fotografia. Até aqui, o que saiu melhor de cena ainda foi o português. A fidelidade ao erro levou-o a presidente da Comissão Europeia pela mão de Blair, agora de malas aviadas não se sabe bem para onde» prefiro outra citação, mais poética e emotiva, proferida por Naïm Al-Chatri (transcrita há dias no COURRIER INTERNATIONAL), um dos livreiros da rua Al-Mutanabi (em homenagem ao famoso poeta da época abássida) transformada em ponto de reunião dos intelectuais em Bagdad, que entre lágrimas comentava um atentado à bomba ali ocorrido no início deste mês «estes criminosos fazem pouco caso da vida dos inocentes, mas atacar os livros é pior que atacar os homens, porque os homens são mortais enquanto os livros são eternos» …«Já assassinaram estudantes nas universidades e agora assassinam os livros…»

Sobre o crime que tem sido esta guerra muito poderia ser hoje dito, mas quase tudo o que aqui, aqui e aqui escrevi, há um ano, mantém-se válido. INFELIZMENTE!

domingo, 18 de março de 2007

ONDE PODERÁ LEVAR A CIMEIRA DE BAGDAD?

Ninguém minimamente informado e com bom senso esperaria grandes desenvolvimentos da cimeira que a semana passada reuniu em Bagdad com o objectivo de debater a situação que o Iraque atravessa.

Quando se completam no próximo dia 20 quatro anos sobre o início da invasão americana do Iraque e o país atravessa uma onda de violência interna que não parece querer abrandar, a iniciativa de reunir a uma mesma mesa representantes dos vários países limítrofes, das potências invasoras e de organismos internacionais podendo não constituir solução imediata é um inegável primeiro sinal positivo para substituir o uso da força pelo uso do diálogo. Tanto mais que entre os países representados se encontraram o Irão e a Síria, países com os quais a administração norte-americana persiste em manter um clima de atrito e de recusa de diálogo.

Embora ainda seja prematuro para se fazer juízos sobre os resultados da cimeira, estes poderão ser melhor apreciados por via indirecta. Sabendo-se que o ponto fulcral do encontro não era a questão iraquiana, mas antes a questão iraniana – a alegada afirmação americana de que o Irão se prepara para a produção de armamento nuclear – e que esta interessa a um leque muito vasto de “parceiros” (a prová-lo estiveram na reunião representantes franceses e russos) e a todo o equilíbrio geo-político do Médio Oriente, parece-me importante analisar as reacções israelitas tornadas públicas ao longo desta semana.

De entre aquelas destaque para um editorial do jornal judaico YEDIOT AHARONOT que ressalta os perigos do início de conversações entre americanos, iranianos e sírios que poderão conduzir à normalização do contencioso nuclear (contrapartida para a colaboração iraniana no debelar da crise iraquiana) e, numa fase seguinte, a forçar Israel a encetar um processo de negociações com a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano.

Outra nota de igual ou superior importância foi dada pelo apelo do primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, à AIPAC (sigla do “lobby” pró-judaico American Israel Public Affairs Committee) a quem solicitou que pressionasse a administração americana contra uma solução que passe pela saída precipitada do Iraque, porque isso comprometeria o campo de manobra face ao Irão. Efeito deste apelo, ou não, o certo é que o Senado norte-americano (câmara alta onde os democratas têm uma maioria muito frágil) votou contra uma resolução da Câmara de Representantes que fixava em 1 de Setembro de 2008 a data para a retirada das tropas americanas do Iraque.

A insatisfação e desconforto israelita tem sido bem evidente nos últimos dias e todas as oportunidades têm sido utilizadas para fazer passar “recados” e “mensagens” sobre a delicada questão nuclear iraniana. A propósito das recentes e contraditórias notícias sobre o ex-ministro da defesa iraniano, Alireza Askari, que o governo iraniano diz ter sido raptado e a imprensa ocidental afirma que pediu asilo político aos EUA, um ex-dirigente da Mossad (serviços secretos israelitas) que confirmou o envolvimento daquela organização no processo de fuga do ex-dirigente, que se diz ter fornecido aos EUA as provas do programa nuclear militar iraniano, aproveitou o ensejo para salientar a necessidade de uma acção musculada contra o Irão, de dimensão nuclear se necessária, alegando que contrariamente ao que sucederia no Irão, Israel, pela sua reduzida dimensão, não sobreviverá a um ataque nuclear iraniano.

Perante argumentos desta natureza não espanta que pouco após o anúncio do novo governo palestiniano, fruto de complicadas negociações entre o Hamas e a Fatah que culminaram com o primeiro a aceitar o principio do reconhecimento dos acordos de paz estabelecidos pelo segundo e do Estado de Israel, um porta-voz do primeiro-ministro já tenha declarado que a posição israelita de não reconhecimento do governo palestiniano se mantém inalterada, mesmo quando os EUA anunciam uma posição dúbia (após afirmarem que iriam esperar pelo programa político do novo executivo já anunciaram a disponibilidade para manter contactos com elementos novo governo que não pertençam ao Hamas) e a França já defendeu o fim das sanções políticas e financeiras decretadas após a subida ao poder do Hamas.

Apesar dos esforços que têm vindo a ser feitos para escamotear a situação de grande instabilidade interna que vive o governo de Ehud Olmert, que ainda não recomposto do desaire que se revelou a invasão do Líbano no Verão passado se debate agora com vários escândalos internos que além de figuras do governo envolvem o próprio presidente, a situação internacional pode estar a tomar um rumo pouco consentâneo com os interesses judaicos, pelo menos com os dos sectores mais conservadores.

Mesmo que a administração de George W Bush consiga manter as tropas americanas por mais algum tempo no Iraque, dificilmente a situação na região voltará a conhecer os contornos que teve no tempo de Saddam Hussein. Nessa época o papel de potência regional era disputado entre a Arábia Saudita, o Irão e o Iraque; com a entrada em cena dos “marines” norte-americanos na região, a Arábia Saudita viu as suas aspirações reduzidas a muito pouco (por pressão das hierarquias religiosas e das suas populações dificilmente os restantes estados árabes aceitarão a sobrelevação dos sauditas) e o Iraque deixou praticamente de existir (pelo menos enquanto candidato credível).

Embora os americanos tudo possam vir a fazer para “lançar” outra candidatura, nomeadamente a do Egipto, a da Turquia ou a do Paquistão, todos estes estados apresentam fortes inconvenientes aos olhos dos seus vizinhos. Como é do conhecimento geral o Egipto está estreitamente dependente da ajuda financeira americana, logo inqualificável para o lugar; a Turquia padece de múltiplas contradições a nível político e económico (tentativa de instalação de um poder laico por contraposição aos poderes religiosos e o “dossier” da adesão à UE) e a nível militar (membro efectivo da NATO), enquanto o Paquistão, apesar do seu estatuto de potência nuclear, se encontra numa localização periférica e historicamente demasiado envolvido numa luta com a Índia pela hegemonia na Ásia do Sul. No final, para desespero de muita gente, deverá restar apenas o Irão...

De tudo isto ressalta a confirmação das dificuldades que rodeiam o processo de normalização (se é que tal intenção existe) de uma região tão sensível como o Médio Oriente, originada não apenas nas contradições e “modus operandi” das sociedades que a integram, mas também em muito fruto das políticas colonialistas e neocolonialistas de franceses, ingleses e americanos que quase um século volvido sobre a descoberta de petróleo naquela região ainda não articularam uma forma de utilizar essa matéria-prima sem contribuírem para transformar a região num cenário de permanentes conflitos.

quinta-feira, 15 de março de 2007

AS BOLSAS E O IMOBILIÁRIO

Enquanto no final do mês passado aproveitei a queda das bolsas asiáticas para escrever sobre as disparidades na economia americana, eis que durante esta semana o fenómeno se tem vindo a repetir, agora nas bolsas americanas e europeias.

Sinais inequívocos das chamadas bolhas especulativas, estas quedas nas cotações das acções também representam sinais de alerta de (e para) outros fenómenos económicos. A mini-crise que agora se regista (até já pode ter sido ultrapassada a avaliar pelos resultados de hoje) tem, segundo os especialistas, origem nos receios de uma recessão na economia americana muito influenciada pela agitação que percorre o mercado imobiliário americano (ver notícia da BBC).

Hoje mesmo Perez Metelo referiu-se a este fenómeno, num artigo no DN e na sua habitual crónica diária na TSF, procurando explicar o fenómeno com base nas expectativas (e receios) que estarão a formular as famílias americanas que vivem uma situação de forte endividamento e reduzidas taxas de poupança, concluindo que «... a dar-se a queda do imobiliário na América, os sectores homólogos no Reino Unido e na Espanha, igualmente sobrevalorizados, podem ampliar a onda recessiva».

Tudo isto é muito real e algo há muito perfeitamente conhecido pelos intervenientes nos mercados de capitais (nacional e estrangeiros); ocorre nos EUA como na generalidade dos países onde os desequilíbrios económicos e de balanças de pagamentos são uma realidade, mas não são apenas os sectores imobiliários americano, inglês e espanhol que estão sobrevalorizados.

Por isso há muito me espanto que no caso português a situação de crise no sector da construção civil não tenha merecido o devido acompanhamento pelas entidades responsáveis; é que entre nós, como nos EUA, a generalidade das famílias portuguesas encontra-se sobreendividada e os níveis de poupança continuam muito baixos, mas nada nem ninguém parece preocupar-se demasiado com isso.

Fruto de uma situação “sui generis” no mundo, Portugal é o país onde a percentagem de proprietários imobiliários “versus” população total é a maior e onde os preços dos imóveis não param de subir nem que se registe (como é agora o caso) uma evidente crise de sobreprodução. Como se nada estivesse a acontecer os empresários do sector e as autarquias continuam a licenciar novas construções e a urbanizar novas áreas do território, talvez na expectativa que ninguém repare a forma descuidada como caminham para o abismo e algum “milagre” os venha a salvar.

Desconheço a forma como está organizado e segundo a qual funciona o mercado imobiliário americano, que seguramente não se baseia no impensável princípio de que cada família tem que adquirir a sua própria habitação, mas mesmo sujeito a pressões especulativas tenderá a ajustar-se em função dos volumes de oferta e procura. Ora entre nós, onde os agentes imobiliários se resumem a construtores/vendedores e não existem os “arrendadores”, o princípio que tem vigorado é o de que hoje ou amanhã alguém há-de comprar a habitação construída, realizando-se então as mais-valias normais dos construtores acrescidas das necessárias ao pagamento dos juros (tanto maiores quanto maior for o tempo de espera até à comercialização) devidos aos bancos.

Devido ao quase nulo peso do mercado de capitais nacional no mercado mundial, este não origina qualquer pressão para a resolução desta grave situação interna, mas enquanto ela perdurar e não forem:

- implementadas políticas para refrear a “sanha” construtiva que persiste em Portugal (seja por via oficial seja por via da limitação do crédito bancário);

- criadas as bases de um mercado eficaz de aluguer de habitação (esta sim, via natural para as famílias acederem à habitação de que necessitam);

continuaremos a assistir ao agravamento do déficit das famílias, ao desenvolvimento de negócios muito pouco claros a nível autárquico e a contribuir para os aumentos dos ganhos do sector financeiro.

terça-feira, 13 de março de 2007

PRIVADOS ABREM CLÍNICAS ONDE GOVERNO FECHOU CENTROS DE SAÚDE

«Três grupos privados e a União das Misericórdias Portuguesas são as entidades privadas e da rede social que já puseram em marcha um ambicioso programa de abertura de unidades de saúde que pretendem ocupar o vazio deixado pelo Estado ao fechar urgências, centros de atendimento permanente e maternidadesnoticia hoje o DN.

Para uns isto pode significar o bom funcionamento do “Mercado” e da “Economia”, para mim significa apenas que o actual governo, chefiado por José Sócrates, tem mentido quando afirma que não é possível manter em funcionamento essas unidades hospitalares por questões de racionalidade técnica (repare-se que o discurso se refinou para iludir as críticas de economicismo).

Que melhor exemplo do contrário que assistirmos a este processo encapotado de privatização de um bem essencial como a saúde.

Assim, pouco a pouco, vamos continuar a assistir à destruição das redes de apoio social. Este processo, iniciado em meados da última década do século passado pelos governos de Cavaco Silva com a privatização dos transportes públicos, está a agora a ser continuado por um governo que dizendo-se de esquerda aplica as políticas anti-sociais que os de direita não conseguiram aplicar.

Curiosamente, ou talvez não, tudo isto acontece num período caracterizado pelo fraco crescimento da economia nacional. Afinal parece que não existe falta de capitais para aplicar em bons negócios, pena é que os capitalistas nacionais continuem a só conseguir realizar investimentos lucrativos quando apoiados pela “muleta” do governo. Tudo o que implique algum risco e alguma probabilidade de menores e menos rápidos resultados é prontamente posto de lado.

Confirmando o verdadeiro maná que promete ser a actuação do governo de José Sócrates vejam-se as dificuldades com que se debatem os líderes dos partidos à sua direita para conseguirem algo de tão simples como manter a consistência das suas “hostes”. Marques Mendes e Ribeiro e Castro, cada um à sua maneira e enfrentando os seus próprios fantasmas, desesperam por parecer mais que meros figurantes de terceira categoria, enquanto os ex-líderes e eternos candidatos a sucessores, Santana Lopes e Paulo Portas, cumpridos os tradicionais dois anos de travessia do deserto, já iniciaram o processo de “contagem de espingardas” para a batalha que se avizinha.

domingo, 11 de março de 2007

NÃO É SÓ O IRAQUE QUE ESTÁ EM GUERRA

A recente cimeira realizada em Bagdad, que reuniu representantes diplomáticos dos países vizinhos, da potência ocupante e de organizações regionais e internacionais, ou as notícias que recentemente vão dando conta de uma nova vaga de contestação à projecta construção de um novo aeroporto na Ota, seriam tema bastante para abordar agora. Porém, porque correria o risco de esquecer a árvore à vista da floresta não posso deixar passar em claro o que nos últimos dias tem “incendiado” a blogoesfera local.

No agora popularizado “hotel dos inúteis” (epíteto atribuído à blogoesfera local graças a uma corruptela de «O ALMEIRINENSE» que transcrescreveu erradamente a expressão “OTL dos inúteis” utilizada pelo Presidente da Câmara, Sousa Gomes) mereceu particular destaque nos últimos dias a publicação de uma carta assinada pelo ex-vice-Presidente, onde este esclarece a sua posição relativamente ao abandono daquelas funções.

Polémicas aparte o que Francisco Maurício agora veio fazer foi esclarecer parte do desaguisado, deixando bem claras as razões que o conduziram à renúncia do cargo de vice-Presidente. Se dúvidas houveram em meados de Novembro (quando da formalização do pedido) encontram-se hoje respondidas quando Francisco Maurício cita a carta do pedido de renúncia na qual acusa a existência de «…ultrapassagens inconcebíveis em relação a decisões por mim tomadas, de acordo com as competências que, supostamente, me teria delegado.

A maior parte dessas desconsiderações terão tido origem na sua Chefe de Gabinete que, diga-se é, na minha opinião, a principal responsável pelo mau ambiente entre nós e entre todos os funcionários desta entidade que temem as suas implacáveis represálias, escudando-se no Presidente da Câmara e sobre o qual são feitas as mais diversificadas especulações quanto ao sustentar desta situação e que, espero, não tenham qualquer fundamento

Mas o que começou por ser uma situação de desentendimento (por mais grave que aquele se entenda) dentro da equipa encarregue da gestão autárquica de Almeirim, já se espalhou a outras realidades. Não tardou que se fizesse ouvir a voz de Armindo Bento, Presidente da Assembleia Municipal e correligionário do Presidente do Executivo, lamentando o sucedido e criticando Sousa Gomes.

A estes factos, outros se têm vindo a juntar, nomeadamente a polémica em torno de um concurso interno na Câmara Municipal de Almeirim e da classificação nele obtida pela chefe de gabinete e a realização de um jantar de apoio a Sousa Gomes que teve lugar no dia 22 de Fevereiro, conforme notícia de O ALMEIRINENSE.

Como se não bastasse esta bafienta iniciativa (algo muito comum durante a vigência do Estado Novo e que seria bom que com ele tivesse morrido), durante aquele ainda foi noticiada a instauração de um processo disciplinar interno ao Presidente da Assembleia Municipal.

Que há algum tempo parece evidente que o Presidente Sousa Gomes perdeu o controlo da situação, pouca gente em Almeirim terá dúvidas, mas que para sustentar a sua posição seja necessário o recurso ao tipo de manobras anteriormente descritas parece-me profundamente revoltante, revelador de mais que simples desnorte, vindo ainda confirmar o clima interno repressivo a que Francisco Maurício se refere.

Os meios de comunicação local (O RIBATEJO, O MIRANTE e O ALMEIRINENSE) têm vindo a relatar os diferentes desenvolvimentos desta polémica, dando relevo a diferentes aspectos da mesma, mas talvez mais significativos sejam alguns dos comentários à carta publicada a pedido de Francisco Maurício em vários blogues:

Perante tudo isto parece-me cada vez mais premente a necessidade de lançar um processo de séria reflexão local sobre o futuro da nossa Autarquia, uma vez que o avolumar de conflitos (da guerra aberta com Francisco Maurício já se passou a outra com Armindo Bento) não pressagia grande fim para esta polémica, indicia que a razão poderá estar já arredia de todos eles mas que em última instância quem irá suportar os custos de tudo isto serão os munícipes. Talvez esteja a chegar a oportunidade destes tomarem em mãos a defesa dos seus interesses em vez de a delegarem em quem parece cada vez menos interessado neles.

quinta-feira, 8 de março de 2007

ASSIM NÃO!

A necessidade de melhoria dos níveis de formação da população portuguesa continua a figurar regularmente nos discursos dos nossos políticos; sejam eles da área do governo ou da oposição não há quem não desperdice a mais pequena oportunidade para lembrar que um dos grandes problemas da falta de competitividade da nossa economia resulta da reduzida formação dos trabalhadores (nunca ouvi nenhum deles referir a ainda mais dramática e grave falta de formação dos “patrões” e dos “dirigentes”).

Foi por isso com algum espanto que num destes dias li sobre a preocupação manifestada pelo presidente do conselho executivo da Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa, quanto à intenção do governo de José Sócrates acabar com o regime de ensino supletivo que escolas como a sua praticam. Na origem desta questão está uma proposta do Ministério da Educação para integrar o ensino da música no regime curricular do ensino básico ao secundário.

Louvável! dirão os que, como eu, têm defendido essa necessidade. Mas uma apreciação mais ponderada prontamente faz surgir uma outra questão: não estaremos, como em inúmeras outras ocasiões, a dar um passo maior que a perna?

Até agora no ensino básico apenas nos 5 e 6º ano (2º ciclo) existia uma disciplina de formação musical e invariavelmente leccionada em condições muito deficientes; de um momento para o outro o Ministério pretende estender o ensino da música à totalidade da escolaridade obrigatória. Sem explicar como (seja no que respeita aos conteúdos programáticos seja aos profissionais que os irão leccionar) pretende alcançar a meta que agora se propõe, o Ministério da Educação deixa campo livre a todo o tipo de especulações e de alarmismos.

É óbvio que entre estes contam-se os dos responsáveis e professores das poucas escolas que pelo país têm vindo a proporcionar a alguns jovens (muito poucos) a possibilidade da aprendizagem da música, recorrendo ao que se designa por ensino supletivo. Neste regime os jovens frequentam os estabelecimentos de ensino regular, onde aprendem as matérias curriculares, e uma escola de música, onde complementarmente adquirem os conhecimentos e as técnicas musicais.

Para debaterem a intenção agora apresentada pela Ministra da Educação os responsáveis pelos vários conservatórios de música nacionais reuniram-se e não lograram alcançar qualquer concertação sobre o assunto. Mesmo concordando nas inegáveis vantagens que poderão resultar da generalização do ensino da música, nem todas as escolas se mostram convictas das virtualidades da proposta.

Será que com esta iniciativa passaremos a ter maior disponibilidade para os alunos do secundário de opções de formação em áreas como as artes de palco? É que presentemente essa hipótese é praticamente nula fora dos grandes centros urbanos, e mesmo nestes a regra ainda é o recurso aos poucos conservatórios em funcionamento para através das tais aulas supletivas colmatarem essa lacuna.

Se a iniciativa agora proposta pelo Ministério vier a registar o sucesso que os seus autores esperam, poderemos dentro de uma década beneficiar de jovens melhor preparados para a vida activa, mas quando essa avaliação for realizada já teremos, quase seguramente, perdido os actuais conservatórios, que não sobreviverão por manifesta falta de alunos e respectivos recursos.

Sabendo-se que a formação de um músico é demorada e que em muitos casos o ideal é iniciar essa mesma formação em idades bastante jovens, ou o Ministério da Educação vai assegurar a contratação de centenas de profissionais altamente qualificados para leccionarem nas suas escolas ou veremos ainda mais empobrecido o nosso panorama musical num futuro próximo.

Como não creio em milagres (e o que o Ministério da Educação se propõe aproxima-se muito disso) e a capacidade financeira das famílias portuguesas é cada vez menor, o que seguramente irá acontecer é que os jovens que hoje ainda vão aprendendo música nos nossos conservatórios serão no futuro dos últimos a beneficiarem de uma aprendizagem de qualidade, seja porque a que receberão no sistema educativo deixará muito a desejar em termos de qualidade, seja porque os locais onde hoje ele é ministrado com a necessária qualidade tenderão a desaparecer ou a tornar-se proibitivos para as bolsas da generalidade das famílias portuguesas.

Por incrível que pareça, tudo isto acontece quase simultaneamente com a apresentação do Relatório Final do Debate Nacional sobre Educação, documento que aponta como uma das principais conclusões a inexistência de padrões de qualidade no sistema de ensino português.

Se ninguém, com um mínimo de isenção e conhecimento do meio académico e do ensino musical, pode negar que os conservatórios ainda são das escolas que disponibilizam melhor qualidade no seu ensino, como se explica esta ideia de asfixiar o ensino supletivo de música?

Será admissível, como o afirma o presidente do conselho executivo da Escola de Música do Conservatório Nacional que tudo resultou de um estudo que avaliou o sucesso do conservatório pelo número de diplomas atribuídos, esquecendo que o acesso às escolas superiores de música não se faz através da conclusão do conservatório, mas sim mediante audição?

Não estaremos uma vez mais a tudo submeter aos ditames da estatística e da ignorância de quem encomenda, realiza e decide sobre os “estudos técnicos”?

Não defendo com isto que o Ministério deva abandonar a sua intenção de introduzir o ensino da música no currículo do ensino básico, mas sim que a introdução do ensino daquela arte se deva fazer de forma progressiva, bem sustentada em profissionais competentes e que tanto quanto possível as redes escolares se organizem de forma a proporcionar estabelecimentos de ensino bem equipados, porque mais vale pedir um sacrifício aos jovens e aos encarregados de educação, que poderá consistir na opção de frequência da escola mais próxima com ensino de música, que pretender generalizar um mau ensino e, como tantas vezes tem acontecido entre nós, transformar uma boa ideia num péssimo resultado e com exorbitantes custos financeiros.

quarta-feira, 7 de março de 2007

8 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER



Nos teus dedos nasceram horizontes


e aves verdes vieram desvairadas


beber neles julgando serem fontes.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 5 de março de 2007

QUEM JÁ ESQUECEU A “CORNÉLIA”?

Numa curiosa análise sobre as últimas gerações portuguesas hoje publicada pelo DN, César das Neves escolhe como elemento identificador para cada uma delas uma figura da nossa cultura. Iniciativa interessante e que poderá até revelar-se matéria susceptível de um estudo sociológico mais aprofundado.
Das suas escolhas parece-me de destacar a de Raul Solnado, como identificador da geração dos anos 50 do século passado – imagem particularmente feliz porque permite associá-lo rapidamente à enorme facécia que foi a Guerra Colonial – e a de Herman José como representante da geração seguinte.

Ora se qualquer processo de escolha pode (e deve) ser sempre criticável, este merece-o ainda mais.

Baseando-me nos critérios de César das Neves (identificação geracional por “entertainers”) parece-me que muita gente nos anos 50 se identificava muito mais com a bonomia rebelde do Ventoínha, célebre ajudante do inspector Patilhas, que imortalizou a melhor atitude de resistência passiva ao Estado Novo na frase «contrariado mas vou… Chefe» e que na geração de 75 muita gente se identificou muito mais com o espírito de descoberta e abertura transmitido pela “Cornélia” (e pelo mesmo Raul Solnado) que com o acomodado Herman José.

Como tudo o resto, é evidente que as escolhas de César das Neves não são ingénuas, como também não o é a estratégica distinção entre períodos de crescimento e de retracção económica, o absoluto silêncio sobre a catástrofe que constituiu o período Durão Barroso/Santana Lopes, nem a mensagem final de esperança:

«Todas (as gerações) tiveram razões de queixa da herança que receberam, mas foram grandes porque conseguiram abrir novos caminhos num mundo cada vez mais exigente»

que de pronto me sugere um outro cliché dos tempos da ditadura: “que bom é viver neste cantinho há beira-mar plantado...”; é que enquanto nos mantiverem a olhar embevecidos o que de bom possamos ter feito, evitam que reconheçamos o que correu mal e aprendamos a corrigi-lo.

domingo, 4 de março de 2007

A RÚSSIA, OS EUA E TODOS NÓS

Devo ao Professor Luciano Amaral e à sua inesgotável sanha para criticar e condenar tudo o que de “esquerda” lhe possa parecer (prática em que até parece mais um dos que tardiamente se deixaram encantar por outras “sereias” e fruto da maior necessidade de permanentemente provarem a sua nova lealdade) e ao seu mais recente artigo de opinião no DN, a oportunidade para retomar o teor do discurso de Vladimir Putin na última conferência sobre segurança europeia[1].

Tal como título do artigo sugere (A Rússia, a Itália e a esquerda) Luciano Amaral mistura ingredientes, marina-os com uma pitada de verborreia e conclui que a «…esquerda hoje não gosta muito do que existe, mas também não oferece um horizonte ulterior…» não sem antes se ter esquecido de lançar sobre os seus detestados adversários o anátema de execrarem a sociedade ocidental e abominarem a América. Contrariamente ao que tão rotunda e dogmática afirmação possa sugerir, não se baseia o seu autor na análise e apresentação de razões, factos e acontecimentos mas simplesmente por Putin ter publicamente denunciado o verdadeiro objectivo da estratégia norte-americana que consiste em assegurar a supremacia do seu arsenal nuclear.

As reacções da imprensa e dos defensores da política norte-americana apenas servem para reforçar a importância daquele discurso num momento em que as tensões entre o ocidente e os estados árabes parecem estar a atingir um novo pico. Afirmar que o principal objectivo da administração de George W Bush não é o combate ao terrorismo (como ela própria pretende) mas assegurar uma posição de total hegemonia político-militar, não constitui uma novidade absoluta, mas ouvi-lo da boca do principal alvo e durante uma conferência patrocinada pelas próprias potências ocidentais terá sido demasiado forte.

Mesmo recordando, como muito bem o faz Luciano Amaral, que a Rússia não pode reclamar demasiado o papel de defensor do multilateralismo quando também ela usa e abusa de posições de dominância sobre alguns dos seus vizinhos, não deixa de ser relevante o facto do seu presidente ter recusado a ideia da existência de um mundo unipolar e de ter considerado semelhante hipótese como inaceitável, impossível na actualidade e perigosa para quem o praticar. Na análise que na oportunidade apresentou da situação, Putin foi mesmo um pouco mais longe e apontou a actuação americana como responsável pela proliferação da corrida armamentista entre os estados que se vão sentindo cada vez mais ameaçados, facto que aquele comentador não refere, nem mesmo para o tentar refutar.

A crescente oposição à política norte-americana não se circunscreve, como tenta fazer crer Luciano Amaral, a Putin ou a Hugo Chavez (cujo país, a Venezuela, também se bate para não ser reduzida ao papel de quintal das traseiras dos EUA, tal como a Chechénia o faz relativamente à Rússia) e que outra coisa será de esperar quando o próprio Reino Unido, até agora indefectível parceiro de todas as aventuras “bushianas”, começa a dar fortes sinais de afastamento!

E se ao contrário do que pretende fazer crer Luciano Amaral, a reacção da Rússia não tiver resultado apenas da instalação de sistemas antimísseis balísticos americanos na República Checa e na Polónia, mas seja fruto de um acumular de situações como as que temos vindo a assistir no Médio Oriente e do mais recente “apaziguamento” com a Coreia do Norte e a China?

Deixando de lado questões puramente simbólicas, como as avançadas no artigo referido, no caso da reacção russa vir a ser acompanhada por um progressivo afastamento das teses ocidentais sobre a questão iraniana, que virá então dizer Luciano Amaral? Invocará a protecção dos céus contra a aliança islamo-ortodoxa, ou mais prosaicamente dirá que tudo não passa do interesse comercial russo no projecto nuclear iraniano e na venda de equipamento militar para a respectiva protecção?

É que antes de avançar com arrazoadas defensas do bem contra o mal, importa avaliar muitas outras variáveis no “grande tabuleiro” e o mínimo que me ocorre dizer a propósito do discurso de Putin (que tanta gente irritou) é que se a administração norte-americana (e os seus defensores nos quatro cantos do mundo) foi criticada de forma tão dura (e justa) apenas se pode auto censurar por nos últimos tempos tantos e tão válidos argumentos ter vindo a fornecer aos seus críticos.

Seguro é que contrariamente ao que George W Bush defendeu num dos seus “discursos à União” o mundo se encontra cada vez mais longe de estar mais seguro e análises como a apresentada por Luciano Amaral poderão ser avidamente “bebidas” pelos seus partidários, mas é de todo em todo inegável que lhes falta muito para que possam chegar a constituir “alimento” para um saudável debate de ideias.


[1] Ver o “post” AINDA HAVERÁ ESPAÇO PARA O DIÁLOGO?

quinta-feira, 1 de março de 2007

PT “VERSUS” SONAE – UM ANO DEPOIS... TUDO NA MESMA

Um ano volvido sobre o anúncio da OPA da SONAECOM sobre a PT, continua o “romance” em torno de algo que há muito deveria estar resolvido.

Não fossem as restrições ao funcionamento do mercado e tudo há muito tudo teria terminado, mas... nesse caso não teríamos tido a oportunidade de aprender tanto sobre a forma como funcionam as empresas ditas de referência.

Por exemplo não teríamos descoberto que as grandes empresas, cujo capital se encontra cotado em bolsa, não têm por hábito praticar uma salutar distribuição dos seus rendimentos pelos accionistas (pelo menos a avaliar pelas declarações que há quase um ano produziu o então presidente do conselho de administração da PT, Miguel Horta e Costa), optando os seus gestores por lhes destinar diferentes utilizações.

Para os que se recordam deixei na altura aqui as minhas felicitações ao Engº Belmiro de Azevedo pela virtualidade da sua opção, ressalvando logo o facto de também ele integrar o grupo dos que praticam tal fraude.

Confirmando toda a veracidade do que então afirmei a direcção da PT, encabeçada agora por Henrique Granadeiro veio oferecer aos accionistas que recusem a venda à SONAECOM um dividendo adicional de vários milhões de euros, recolocando duas questões de primordial importância:

Como é que os gestores podem assegurar o montante dos resultados futuros da empresa?

Porque é que só sob a ameaça de uma OPA é que os mesmos gestores se mostram tão magnânimos na distribuição dos resultados?

A resposta à primeira questão, quando baseada na existência de resultados acumulados implica a tal utilização indevida do que por direito próprio sempre pertenceu aos accionistas e se formulada com base em expectativas de resultados a registar constitui um implícito reconhecimento da prática de uma gestão descuidada.

Quanto à segunda questão a resposta é bem mais simples (por não contemplar alternativas) uma vez que esta magnanimidade apenas ocorre porque os gestores receiam ver reduzidos os seus chorudos rendimentos no caso de entrada de novos “parceiros”.

Na véspera da assembleia geral de accionistas que determinará o futuro da OPA sobre a PT (ainda e sempre dependente da desblindagem dos estatutos que ponham termo à existência de acções preferenciais) mantém-se integralmente válida a observação que então produzi e qualquer que seja o resultado, para os pequenos investidores no mercado de capitais, fica a certeza de que a partilha do “bolo” lhes será sempre largamente desfavorável.