Deixando de lado o folclore político nacional, que nos últimos dias conheceu algumas novidades como a auto-demissão de Alberto João Jardim e os sucessivos e aparentemente infindáveis “escândalos” na autarquia de Lisboa, uma das notícias de maior destaque nos últimos dias foi a divulgação dos planos militares para um ataque americano ao Irão.
Conquanto não constituísse grande novidade para muita gente, ainda assim houve quem se sentisse na necessidade de “explicar” a situação e sempre fosse avançando banalidades do género das divulgadas numa entrevista de Miguel Monjardino - professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica - ao DN, segundo o qual «…um país como os EUA tem de ter planos de contingência para este tipo de eventualidade. Não é, todavia, por os planos existirem que o ataque ocorrerá» e «…a divulgação da existência dos planos é uma arma de pressão política, numa altura em que as negociações vão entrar numa fase complicada, com o relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), que, tudo indica, será bastante negativo para o Irão»
Convenientemente, este especialista em questões internacionais, esqueceu-se de referir a concertada movimentação de forças militares que há longos meses os EUA e os seus aliados da NATO vêm realizando em torno do Irão. Desde a colocação de tropas no terreno, no Afeganistão e no Iraque, até à deslocação de uma esquadra para o Mediterrâneo Oriental (ao abrigo de um mandato da ONU e a pretexto dos acordos de paz que se sucederam à invasão israelita do Líbano no passado verão) e de outra força naval para o Golfo Pérsico que tudo indicia estar em marcha um plano deliberado para o assalto àquele território.
Não excluindo liminarmente a hipótese de toda esta movimentação militar não representar mais que uma manobra no sentido de pressionar o Irão a negociar o seu programa de desenvolvimento da energia nuclear (algo de difícil compreensão uma vez que nenhuma lei internacional impede um país de desenvolver um programa nuclear, apenas o desenvolvimento de armas nucleares), nem por isso deixam de ser crescentemente preocupantes outros evidentes sinais de aumento da tensão na região (como se após as invasões do Afeganistão e do Iraque aquela tensão alguma vez tivesse sido reduzida), entre os quais são de destacar o endurecimento da “linguagem” utilizada pelos EUA e por Israel relativamente ao programa nuclear iraniano.
A deslocação de mais tropas ocidentais para o Médio Oriente, o crescente isolamento das teses neoconservadoras mais belicistas, o discurso de Vladimir Putin na conferência de Munique (que apontou friamente o dedo à política belicista norte-americana, acusando-a de responsável pelo aumento da insegurança global e pela natural reacção de uma corrida armamentista), a recusa pela administração de George W Bush em pôr fim ao boicote financeiro ao novo governo de unidade palestiniana (assim mantendo o seu aval à política israelita de permanente confrontação com a Autoridade Palestiniana) e as recentes notícias de um acordo com a Coreia do Norte para que esta interrompa o seu programa de armamento nuclear, constituem um conjunto de sinais contraditórios que dificilmente conduzirão o processo iraniano a outro final que não a acção militar.
Ao contrário do que possa parecer o acordo recentemente alcançado com a Coreia do Norte, não prenuncia um processo idêntico com o Irão, na medida em que aquele terá resultado mais da influência chinesa e do reconhecimento “de facto” das capacidades nucleares coreanas que da adopção do princípio negocial como forma de resolução de conflitos.
Pior, a aparente resolução da crise nuclear norte coreana, poderá resultar numa concentração de esforços na tentativa de resolução da crise iraniana. Ora no caso desta, são conhecidas as divergências entre americanos, europeus, russos e chineses quanto à solução a adoptar, cenário em que a tentação para o uso da força será muito maior.
A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), num relatório divulgado há dois dias pelo seu director-geral Mohamed El Baradei, acusa o Irão de prosseguir o seu programa nuclear e, em particular, as actividades de enriquecimento de urânio, em violação com a decisão da ONU, afirma a falta de cooperação das autoridades iranianas mas continua sem comprovar a aplicação militar do programa. O próximo passo será a sua análise pelo Conselho de Segurança da ONU e um novo processo de negociações para a elaboração de nova resolução.
Para concluir (e agravar ainda mais este cenário), importa não esquecer que além dos EUA existe um outro país particularmente desejoso de recorrer ao uso da força para resolver a questão. À semelhança do que já ocorreu em Junho de 1981, quando Israel bombardeou e destruiu um reactor nuclear iraquiano, poderá o governo israelita voltar a tentar nova manobra de antecipação (quiçá de provocação, com o beneplácito americano) que sem dúvida abrirá uma nova espiral de violência na região e fornecerá acréscimo de argumentos aos movimentos radicais islâmicos. Evidentes sinais disto mesmo é a notícia ontem divulgada pelo TELEGRAPH de que o governo israelita terá solicitado à administração de George W Bush a criação de um corredor aéreo sobre o Iraque para bombardear o Irão.
Os próximos dias serão determinantes para avaliarmos se prevalecerão, ou não, as teses mais belicistas, ou se pelo contrário a comunidade internacional e o Irão conseguirão revelar capacidade para aproveitar a próxima ronda de negociações, dado que o momento parece particularmente favorável (a par com o já referido acordo com a Coreia do Norte notam-se alguns sinais de isolamento da corrente iraniana mais extremista, personificada pelo presidente Ahmadinejad) à concertação; assim o queira (ou a tal seja forçada) a administração de George W Bush.
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