Quando se completam no próximo dia 20 quatro anos sobre o início da invasão americana do Iraque e o país atravessa uma onda de violência interna que não parece querer abrandar, a iniciativa de reunir a uma mesma mesa representantes dos vários países limítrofes, das potências invasoras e de organismos internacionais podendo não constituir solução imediata é um inegável primeiro sinal positivo para substituir o uso da força pelo uso do diálogo. Tanto mais que entre os países representados se encontraram o Irão e a Síria, países com os quais a administração norte-americana persiste em manter um clima de atrito e de recusa de diálogo.
Embora ainda seja prematuro para se fazer juízos sobre os resultados da cimeira, estes poderão ser melhor apreciados por via indirecta. Sabendo-se que o ponto fulcral do encontro não era a questão iraquiana, mas antes a questão iraniana – a alegada afirmação americana de que o Irão se prepara para a produção de armamento nuclear – e que esta interessa a um leque muito vasto de “parceiros” (a prová-lo estiveram na reunião representantes franceses e russos) e a todo o equilíbrio geo-político do Médio Oriente, parece-me importante analisar as reacções israelitas tornadas públicas ao longo desta semana.
De entre aquelas destaque para um editorial do jornal judaico YEDIOT AHARONOT que ressalta os perigos do início de conversações entre americanos, iranianos e sírios que poderão conduzir à normalização do contencioso nuclear (contrapartida para a colaboração iraniana no debelar da crise iraquiana) e, numa fase seguinte, a forçar Israel a encetar um processo de negociações com a Síria, o Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano.
Outra nota de igual ou superior importância foi dada pelo apelo do primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, à AIPAC (sigla do “lobby” pró-judaico American Israel Public Affairs Committee) a quem solicitou que pressionasse a administração americana contra uma solução que passe pela saída precipitada do Iraque, porque isso comprometeria o campo de manobra face ao Irão. Efeito deste apelo, ou não, o certo é que o Senado norte-americano (câmara alta onde os democratas têm uma maioria muito frágil) votou contra uma resolução da Câmara de Representantes que fixava em 1 de Setembro de 2008 a data para a retirada das tropas americanas do Iraque.
A insatisfação e desconforto israelita tem sido bem evidente nos últimos dias e todas as oportunidades têm sido utilizadas para fazer passar “recados” e “mensagens” sobre a delicada questão nuclear iraniana. A propósito das recentes e contraditórias notícias sobre o ex-ministro da defesa iraniano, Alireza Askari, que o governo iraniano diz ter sido raptado e a imprensa ocidental afirma que pediu asilo político aos EUA, um ex-dirigente da Mossad (serviços secretos israelitas) que confirmou o envolvimento daquela organização no processo de fuga do ex-dirigente, que se diz ter fornecido aos EUA as provas do programa nuclear militar iraniano, aproveitou o ensejo para salientar a necessidade de uma acção musculada contra o Irão, de dimensão nuclear se necessária, alegando que contrariamente ao que sucederia no Irão, Israel, pela sua reduzida dimensão, não sobreviverá a um ataque nuclear iraniano.
Perante argumentos desta natureza não espanta que pouco após o anúncio do novo governo palestiniano, fruto de complicadas negociações entre o Hamas e a Fatah que culminaram com o primeiro a aceitar o principio do reconhecimento dos acordos de paz estabelecidos pelo segundo e do Estado de Israel, um porta-voz do primeiro-ministro já tenha declarado que a posição israelita de não reconhecimento do governo palestiniano se mantém inalterada, mesmo quando os EUA anunciam uma posição dúbia (após afirmarem que iriam esperar pelo programa político do novo executivo já anunciaram a disponibilidade para manter contactos com elementos novo governo que não pertençam ao Hamas) e a França já defendeu o fim das sanções políticas e financeiras decretadas após a subida ao poder do Hamas.
Apesar dos esforços que têm vindo a ser feitos para escamotear a situação de grande instabilidade interna que vive o governo de Ehud Olmert, que ainda não recomposto do desaire que se revelou a invasão do Líbano no Verão passado se debate agora com vários escândalos internos que além de figuras do governo envolvem o próprio presidente, a situação internacional pode estar a tomar um rumo pouco consentâneo com os interesses judaicos, pelo menos com os dos sectores mais conservadores.
Mesmo que a administração de George W Bush consiga manter as tropas americanas por mais algum tempo no Iraque, dificilmente a situação na região voltará a conhecer os contornos que teve no tempo de Saddam Hussein. Nessa época o papel de potência regional era disputado entre a Arábia Saudita, o Irão e o Iraque; com a entrada em cena dos “marines” norte-americanos na região, a Arábia Saudita viu as suas aspirações reduzidas a muito pouco (por pressão das hierarquias religiosas e das suas populações dificilmente os restantes estados árabes aceitarão a sobrelevação dos sauditas) e o Iraque deixou praticamente de existir (pelo menos enquanto candidato credível).
Embora os americanos tudo possam vir a fazer para “lançar” outra candidatura, nomeadamente a do Egipto, a da Turquia ou a do Paquistão, todos estes estados apresentam fortes inconvenientes aos olhos dos seus vizinhos. Como é do conhecimento geral o Egipto está estreitamente dependente da ajuda financeira americana, logo inqualificável para o lugar; a Turquia padece de múltiplas contradições a nível político e económico (tentativa de instalação de um poder laico por contraposição aos poderes religiosos e o “dossier” da adesão à UE) e a nível militar (membro efectivo da NATO), enquanto o Paquistão, apesar do seu estatuto de potência nuclear, se encontra numa localização periférica e historicamente demasiado envolvido numa luta com a Índia pela hegemonia na Ásia do Sul. No final, para desespero de muita gente, deverá restar apenas o Irão...
De tudo isto ressalta a confirmação das dificuldades que rodeiam o processo de normalização (se é que tal intenção existe) de uma região tão sensível como o Médio Oriente, originada não apenas nas contradições e “modus operandi” das sociedades que a integram, mas também em muito fruto das políticas colonialistas e neocolonialistas de franceses, ingleses e americanos que quase um século volvido sobre a descoberta de petróleo naquela região ainda não articularam uma forma de utilizar essa matéria-prima sem contribuírem para transformar a região num cenário de permanentes conflitos.
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