domingo, 7 de janeiro de 2007

CARRASCO E VÍTIMA?

Mais de uma semana volvida sobre a execução de Saddam Hussein, ainda persiste a polémica e o debate em torno daquele acontecimento.

Tenho-me abstido de abordar o assunto por entender que este reveste uma importância menor quando comparado com o número de mortes ocorridas no Iraque, desde as determinadas pelo próprio Saddam, as que resultaram do conflito com o Irão e com os EUA (sejam da I Guerra do Golfo sejam da actual), e porque Saddam Hussein não passou de mais um “peão” no grande jogo de interesses que nos últimos anos se disputa no Médio Oriente.

Sem querer menosprezar o seu papel na região, Saddam terá sido sobretudo hábil a jogar nas contradições dos grandes interesses na região mas terá subestimado alguns dos limites que esses mesmos interesses estariam dispostos a ceder e perdeu. Nunca logrou alcançar o estatuto de líder dos árabes, mas depois de morto (em especial da forma como o foi e da dignidade que soube exibir ao mundo) poderá tornar-se ainda mais poderoso e perigoso.

Aqui reside precisamente o mais perverso dos efeitos da aplicação de sentenças como a da pena de morte. Longe de servir o efeito de punir o criminoso, acaba por o glorificar e fazer recair sobre o algoz o epíteto (e o efeito) de criminoso.

Saddam que foi responsável pela morte de milhares de pessoas (milhões de incluirmos as vítimas dos conflitos bélicos que originou), acabou condenado à pena máxima pela morte de pouco mais de um centenas de habitantes de uma localidade xiita quando os seus principais crimes de genocídio foram perpetrados contra a minoria curda que vive no Iraque. Este anacronismo fundamenta cada vez mais as acusações de que o julgamento e a condenação não passaram de uma tentativa de mascarar uma simples vingança – a maioria xiita, reprimida desde a constituição do país pelos ingleses, não desperdiçou a oportunidade fornecida pela ocupação americana para vincar bem a sua nova posição de dominância.

Para os muitos comentadores e políticos que por esse “mundo civilizado” fora têm condenado a barbárie da execução importa recordar que os valores locais são muito distintos dos deles (o valor da vida humana no Iraque actual deve ser igual ou inferior à vida de um palestiniano para um israelita) e que historicamente a forma normal de acesso ao poder entre os povos árabes sempre foi uma via “guerreira” o que pressupõe a eliminação física dos adversários. Sem sentimentalismos baratos e analisando de forma fria o problema, não me espantou a condenação nem a aplicação da sentença; o que me espanta é a forma quase hipócrita como muitos dos governos ocidentais a têm condenado.

Curioso é que à hipocrisia ocidental juntou-se a desfaçatez do actual governo iraquiano, que pela voz do seu primeiro-ministro, Nouri Al-Maliki, vem ameaçar de represálias aqueles que o criticam, como se os iraquianos fossem os detentores de alguma verdade absoluta e se o seu governo representasse algo mais que a vontade americana.

Aliás esta situação de subordinação e subalternidade do actual governo iraquiano é algo que há muito é conhecido e que os humoristas têm retratado de forma mais ou menos evidente, como é exemplo este “cartoon” cuja legenda «VÁRIAS CONDENAÇÕES À MORTE NO PROCESSO DE SADDAM» é bem elucidativa.


Tal como aconteceu antes com a morte de Al-Zarqawi, o alegado representante da Al-Qaeda no Iraque, também a morte de Saddam não deverá por termo à violência, podendo até funcionar como rastilho para a sua propagação entre a comunidade sunita que se sentirá cada vez mais pressionada por aquilo que entende como um claro conluio entre americanos e xiitas.

Muito inteligente foi o apelo de Saddam, formulado momentos antes da execução, que procurou deixar o aviso contra a influência iraniana na política interna do Iraque. Mas o pior é que esta situação pode bem ser uma das principais responsáveis pela violência que se vive naquele país, porque ao criar uma situação de vazio de poder e sem dispor de uma alternativa credível – os aparelhos de estado árabes são normalmente frágeis e muito dependentes de uma personalidade forte à sua cabeça – os EUA condenaram o Iraque a uma situação de instabilidade até ao surgimento de um novo “homem forte”.

Ao ter partido para um processo de ocupação militar, visando o derrube do regime de Saddam mas sem a criação de uma alternativa viável, e ao não querer entender esta realidade a administração norte-americana mais não tem feito que prolongar os efeitos devastadores que inundam os noticiário televisivos e a que hipocritamente a equipa de George W Bush designa por processo de democratização.

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