quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

SUCESSOS E INSUCESSOS DAS APLICAÇÕES LOCAIS DA ESTRATÉGIA DO TERROR

A sensação (e a realidade) do aumento da insegurança mundial, em grande parte resultante da “Guerra contra o Terror” lançada em 2001 pela administração Bush, mais que uma dura realidade está a agravar o problema do terrorismo e dos meios a aplicar para o combater.

Analisando de forma pragmática o Mundo em que vivemos, talvez os níveis de segurança não sejam inferiores aos registados em períodos anteriores, mas garantidamente todos nos achamos menos seguros. Tratando-se o medo de um fenómeno de natureza psicológica, não admira que o simples clamor em torno do fenómeno do terrorismo logo se converta numa quase histeria.

Tudo isto a propósito do que se tem vivido na nossa vizinha Espanha a propósito do atentado que a ETA realizou no final do ano passado e com o qual interrompeu o cessar-fogo unilateral que declarara havia cerca de um ano. Pior que os dois mortos registados e os elevados prejuízos materiais estão a ser as reacções da sociedade espanhola que, desde o quase frenesi da direita representada no PPE e que não quer deixar fugir a oportunidade de vingar o atentado de 11 de Março de 2004 que lhe custou a continuidade no governo, passando pela reacção do PSOE (cujos dirigentes tentam agora assumir o papel de “virgens” enganadas) e dos grupos «abertzale»[1] (uns mais favoráveis que outros à construção de uma solução pacífica e negociada), parece viver um momento de comunhão contra a ETA, mais sustentado pela emoção que pela razão.

A análise do atentado, que alguns analistas e órgãos de comunicação já apelidaram do maior erro de sempre da ETA (que num ambiente de posições menos fanáticas poderia até ser explorado em benefício do processo de normalização política) não se deve resumir à dura realidade dos mortos e ainda menos à quase fanática campanha lançada pelas associações de vítimas da ETA exigindo firmeza contra a organização.

A firmeza, termo que em castelhano tem mais aplicação na vertente repressiva que na negocial, redundará num seguro fracasso de um processo negocial que mal dera os primeiros passos. Os reduzidos progressos (nulos na opinião da ETA) do processo negocial poderão ter estado na origem do atentado, não sendo de excluir que esses mesmos fracos resultados signifiquem no interior da ETA uma crescente ascensão dos defensores de uma via mais “dura”.

Se houve lições a colher do processo de paz conduzido com sucesso na Irlanda, uma das mais importantes é que, aconteça o que acontecer, nunca deverão ser encerradas as vias de diálogo sob pena da facção mais aberta ao diálogo ver reduzida a sua influência e, consequentemente, as hipóteses de sucesso da iniciativa; outra é a da importância no fortalecimento da facção moderada de forma a assegurar a existência e disponibilidade de contraparte no processo de negociações.

Tanto quanto é do conhecimento público, após a declaração unilateral de cessar-fogo ter-se-ão realizado algumas reuniões entre representantes do governo de Zapatero e da ETA. Embora ninguém esperasse resultados rápidos, já no verão passado se começaram a sentir alguns sinais de incomodidade dos nacionalistas perante os parcos resultados alcançados. Sabendo-se que uma das principais reivindicações da ETA é a transferência dos presos políticos para locais de detenção no país basco (uma das práticas visando a fragmentação do grupo e a minimização da contestação no interior das prisões foi a da distribuição dos presos por pontos geograficamente distantes) e que nesta matéria nada tinha sido feito, eram crescentes os sinais de insatisfação entre militantes, presos e familiares. Optando por tratar a ETA como um grupo unitário e mantendo a marginalização das organizações políticas que lhe estão próximas (de que é exemplo a ilegalização do Herri Batasuna) as possibilidades de sucesso do processo negocial foram automaticamente reduzidas e, tarde ou cedo, o eclodir de novas acções violentas seria uma realidade.

Para agravar ainda mais a situação, a actual conjuntura mundial joga em desfavor dos que pugnam por soluções negociadas. Fruto da estratégia norte-americana de combate ao terrorismo, definindo este como uma entidade abstracta e sem qualquer tipo de sensibilidade, e em consequência da elaboração de uma lista de organizações terroristas, ao sabor da ocasião e dos interesses dos governos “amigos, aumentaram-se as barreiras aos processos negociais. Englobando num mesmo “saco” organizações com origens e objectivos totalmente diversos, globalizou-se o fenómeno do terrorismo e ter-se-ão reduzido as esperanças de encerrar por via negocial bom número de “conflitos” locais.

Enquanto a população espanhola sair à rua gritando “slogans” contra o terrorismo da ETA como se de uma organização diabólica se tratasse, verificar-se-á no plano interno uma crescente probabilidade do PPE vir a vencer as próximas eleições, enquanto no plano externo os teóricos e defensores «do quanto pior melhor» terão assegurado a sua continuidade bem como a de um clima de instabilidade global propício à manutenção e aprofundamento das políticas que têm conduzido à propagação do tal “terror” que dizem combater.

E não se pense que apenas fenómenos com a gravidade do atentado no aeroporto de Barajas servem para justificar o desejável clima de insegurança; na sua ausência existe sempre a possibilidade de recorrer à difusão de notícias sobre o desmantelamento policial de uma qualquer rede terrorista que se preparava para fazer explodir aviões com explosivos líquidos...
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[1] A expressão «abertzale» em euskera significa «amante da pátria» ou «partidário da pátria». Resultou da fusão do termo «aberri(a)» (pátria)com o sufixo «-(t) zale» (o que ama, é amigo de, aficionado a ou que se dedica a algo). Embora a tradução mais literal fosse «patriota», utiliza-se como sinónimo de “nacionalista basco”. No xadrez político espanhol, sobretudo fora do País Basco, utiliza-se frequentemente para referir específicamente os membros e simpatizantes de organizações como Herri Batasuna, Euskal Herritarrok ou Batasuna, embora outros grupos nacionalistas bascos como Aralar, PNV, EA ou Batazrre também se considerem como abertzales. (Tradução livre de Wikipedia)

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