quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

É O QUE ESTÁ A DAR

Este verdadeiro modismo de linguagem traduz, na essência, o que se passa entre nós. Seja ao nível do económico, do social ou do político, de há uns anos a esta parte o que toda a gente parece querer (e com o que parece preocupar-se) é pertencer ao grupo (ao grupo que vive bem, ao grupo que está na moda ou ao grupo que está no poder) que ganha dinheiro fácil e esperar que venham melhores tempos, para ganhar ainda mais.

Esta mentalidade é algo de muito antigo (desde o final dos ciclos da pimenta e do ouro do Brasil) e está na origem da forma como Portugal tem vivido a última metade da sua existência – aspirando por ganhos fáceis e rápidos e responsabilizando os «outros» quando as coisas correm mal (o que obviamente acontece de forma regular e vivemos o mais recente exemplo com o esbanjamento dos fundos de coesão da UE). Apenas esta nossa natureza pode explicar fenómenos como a popularidade registada por jogos como o EUROMILHÕES e o facto do sector de actividade económica mais procurado ser o terciário, aquele onde toda a gente compra e vende mas onde pouco ou nada se produz ou acrescenta.

Vem esta minha divagação a propósito da leitura da crónica de há uns dias de Perez Metelo no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, na qual o autor apelava à necessidade de divulgação de opiniões e práticas mais optimistas, ao invés do que normalmente acontece, como contributo para o crescimento da economia portuguesa.

Este apelo, vindo de alguém que há vários anos vem primando pelo cuidado em divulgar as questões do foro económico de forma acessível a todos, evitando aquele linguajar “economês” que apenas serve para afastar as pessoas e manter a discussão de questões importantes num círculo mais ou menos restrito de eleitos, ganha maior relevância até porque confirma a tal natural tendência para responsabilizar os «outros» pelos nossos fracassos. Se é correcto esperar dos membros de qualquer governo (e dos que lhe sejam próximos) mensagens optimistas e sobrelevadoras do que de positivo se entende que está ser feito e é normal que os oponentes políticos desenvolvam o discurso contrário, já a generalidade dos cidadãos deverá afinar o seu discurso por aquilo que “sente” no seu dia-a-dia.

Aqui é que se inicia a minha divergência pessoal sobre os discursos que governos e oposição normalmente fazem. Sendo entendível que cada um procure fazer valer os seus pontos de vista é exigível que além da “clubite” vigore também um apurado sentido de ética e de veracidade nas respectivas intervenções. A título de exemplo (negativo) veja-se o que ocorreu em 2002, quando previamente à sua nomeação como primeiro-ministro, Durão Barroso, criticou (e bem) o discurso socialista de Guterres e do “oásis económico” para depois o substituir pelo “discurso da tanga”, numa clara estratégia de quanto pior melhor e para no futuro poder capitalizar politicamente as eventuais melhorias.

Embora ninguém possa esquecer a realidade que é constituída pelos ciclos eleitorais (virtualidade e/ou pecha do sistema democrático) devemos todos exigir dos políticos (estejam eles no governo ou na oposição) que acima das suas disputas partidárias coloquem o interesse geral dos cidadãos que os elegem. Sempre que estes surjam em qualquer meio de comunicação a divulgar novidades ou a tecer comentários, deveremos sobrepor a nossa capacidade racional acima da facilidade de tomarmos como bom o que acabámos de ouvir ou ler. Para tanto, mais do que criticar, baseando-nos no facto do político não pertencer ao grupo que recebe as nossas simpatias, deveremos procurar o máximo de informação, começando por a exigir a esses mesmos políticos, de forma a avaliarmos os seus verdadeiros efeitos.

Por exemplo, quem tenha lido a nota do Ministério da Educação que dá conta dos resultados positivos do combate ao insucesso e abandono escolares, baseando-se no aumento da população escolar em 21 mil alunos (com particular destaque para os alunos do ensino secundário e do 3º ciclo do ensino básico), deverá congratular-se com o aumento do número de jovens em formação, mas deverá igualmente questionar a qualidade e sobretudo a aplicabilidade prática dessa formação para a inserção daqueles jovens no mercado de trabalho. Esta informação é tanto mais necessária quanto hoje mesmo o DIÁRIO DE NOTÍCIAS refere o facto da iniciativa de registo de patentes ser maior a partir das universidades portuguesas que das empresas.

Em resumo, continuamos “bombardeados” pela mais díspar informação e na quase total ausência das indispensáveis competências para a filtrarmos e dela retermos o que verdadeiramente for essencial para orientarmos e formularmos as nossas próprias expectativas quanto à evolução próxima do nosso país.

Talvez esteja a ser “mais papista que o Papa” porque o que realmente se pretende é que acreditemos naquilo que nos dizem em vez de pensarmos pela nossa própria cabeça.

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