quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

IREMOS TER UMA NOVA ONU?


A primeira grande notícia deste novo ano, a nível internacional, é sem dúvida o início de actividade do novo secretário-geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, que substitui o ganês Kofi Annan.

Ao fim de 10 anos à frente dos destinos da ONU, Annan não foi reconduzido no cargo por ter perdido a confiança dos EUA na sequência da ausência de apoio daquela organização à invasão do Iraque.

Não será de excluir que a queda em desgraça de Annan tenha estado na origem do anúncio da sucessão de alguns “escândalos”, como o caso que envolveu o programa iraquiano «petróleo por alimentos» e o seu próprio filho (Kojo Annan); embora desde a primeira hora sempre a ONU se tenha visto rodeada de casos desta natureza e nenhum secretário-geral tenha escapado incólume a acusações de favorecimento e protecção de altos responsáveis da organização.

Se nas vésperas da sua saída Annan proferiu um discurso particularmente duro contra a política externa da actual administração norte-americana, e posteriormente classificou a invasão do Iraque como o pior momento dos seus dois mandatos, muito mais poderia ter feito. Talvez que se desde o início tivesse condenado aquele acto, a situação no terreno fosse hoje diferente, mas, em 2003, Annan ainda acalentaria esperanças de voltar a ser reeleito.

O facto evidente dos sucessivos secretários gerais que a ONU conheceu sempre terem sido escolhidos em função dos interesses das superpotências (e em especial dos EUA) não constitui novidade e o próprio Annan ainda deverá recordar a forma como substituiu o egípcio Boutros Boutros-Ghali que um dia reconheceu ter demorado muito tempo a compreender que «...os EUA vêem pouca utilidade na diplomacia. O poder é suficiente. Só os fracos dependem da diplomacia... O Império Romano não necessitava da diplomacia e os EUA também não».

A importância de Kofi Annan para a resolução de alguns dos problemas estruturais da ONU pode ter sido grande, mas na prática a reforma da organização continua por fazer. A ONU continua a apresentar-se como reflexo de uma realidade – a emergente da II Guerra Mundial – que há muito se encontra ultrapassada; os EUA poderão ser cada vez mais a potência hegemónica (logo, prestando cada vez menos importância à ONU), mas potências emergentes como a Índia e o Brasil e os derrotados naquele conflito (Alemanha e Japão) mostram-se cada vez mais pressionantes na exigência de um lugar no Conselho de Segurança.

As primeiras notícias dão conta de que o novo secretário-geral parece muito alheado desta realidade, pelo menos a avaliar pelas suas declarações a propósito da execução de Saddam Hussein. Não condenando a acção, ao contrário do que fizeram a generalidade das nações ocidentais e é política habitual da ONU, abriu uma controvérsia e pronunciou-se em sentido contrário do seu representante especial no Iraque, o paquistanês Ashraf Qazi, que no próprio dia da execução ergueu a voz contra a aplicação da pena capital, mesmo nos casos de crimes de guerra ou de genocídio.

Eventuais polémicas e notícias de divisões no seio da ONU serão questões de somenos importância para os EUA, que ao tudo indica escolheram bem o sucessor de Kofi Annan, a menos que à semelhança dos seus antecessores também Ki-moon venha algum dia a querer ser independente... Para já este será um cenário meramente especulativo, tanto mais que Ki-moon é originário de um país muito próximo dos EUA devendo ser um importante aliado na questão nuclear norte-coreana.

Facto é que ainda está a decorrer a disputa pelos principais cargos na nova equipa, sendo já certos os nomes do novo chefe de gabinete, o indiano Vijay Nambiar, que foi conselheiro especial de Annan, e de Michele Montas, a haitiana ex-porta-voz da Assembleia Geral. Enquanto se aguarda a nomeação da mexicana Alicia Barcena para o cargo de subsecretária geral para a administração e a gestão e de um diplomata chinês como subsecretário geral para os assuntos económicos e sociais, desconhece-se ainda quem irá ocupar os cargos de secretário geral adjunto e a direcção dos departamentos dos assuntos políticos e da manutenção da paz. Conforme noticiava ontem o «LE MONDE», na corrida para os principais postos estarão os EUA, a Grã-Bretanha e a França.

Para quem acreditar em milagres ou coisa parecida, talvez possa saber a resposta quando a equipa estiver completa, para os restantes e expectativa é nula porque sabemos bem a resposta.

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