quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

APITO DOURADO – VALENTIM LOUREIRO! CLARO...

Pouco a pouco a informação sobre o processo APITO DOURADO vai começando a circular. Após uma primeira abordagem aqui, informação actual incita-me a voltar ao tema.

Segredo de justiça à parte, vários órgãos de comunicação nacional confirmam hoje a situação de arguido de Valentim Loureiro e a natureza das acusações. O nortenho JORNAL DE NOTÍCIAS informa que o presidente da Câmara de Gondomar é acusado de 26 crimes de corrupção activa, sob a forma de cumplicidade e 2 crimes de prevaricação.

Como proeminente figura pública que se julga Valentim Loureiro teve hoje tempo de antena na televisão nacional para vir afirmar a sua inocência (quem poderia pensar o contrário de tão impoluta personalidade?) e apelar ao Presidente da República (não especificou se o que está de saída que o que ainda não entrou…) para pôr cobro a mais esta manifesta ilegalidade (a violação do segredo de justiça) perpetrada pelos magistrados.

No conjunto todos os jornais são unânimes a informar que o Ministério Público considera Valentim Loureiro no centro da acusação do processo e como principal instigador, julgando haver provas suficientes contra mais 26 acusados de envolvimento num esquema de corrupção desportiva em pelo menos 29 jogos da II Divisão B. Entre os restantes acusados conta-se José Luís Oliveira, presidente do Gondomar SC e vice-presidente da Câmara de Gondomar, Castro Neves, vereador da mesma câmara, Pinto de Sousa, ex-presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, Francisco Tavares, ex-vogal do Conselho de Arbitragem da FPF, dois outros antigos membros de conselhos de arbitragem, 9 árbitros, das associações de Leiria, Lisboa, Porto e Braga e dois observadores.

Na sequência da decisão do Procurador do Ministério Público que optou por não proceder à elaboração de um único processo, mas sim pela distribuindo da informação colhida por um conjunto de outras comarcas, facto que para além de originar a dispersão de provas, implicará a necessidade de novos e demorados processos instrutórios, resta-nos esperar que tudo e todos acabem por vir à barra da justiça. Para já está demonstrado aquilo que para muita gente era, há anos, uma certeza – existe corrupção nos meandros do futebol português.

Como se este facto não fosse suficientemente grave, ele envolve personalidades da vida política e partidária nacional e se agora apenas foram encontradas provas relativas às divisões menores do futebol, é de esperar que continuando as investigações elas acabem por envolver também clubes da divisão principal.

Sabendo-se que a “influência” de personalidades como Valentim Loureiro já determinou a inclusão no processo de referências a chefes de governo, no caso concreto Durão Barroso, exige-se que este caso, e os que falta investigar, revelem ao país não apenas as reconhecidas ligações, muito pouco abonatórias, entre políticos e os interesses do futebol, mas que também sirva para de uma vez por todas deixarmos de assistir às figuras ridículas que políticos e governantes costumam fazer sempre que rodeiam “os figurões” que têm dirigido aquela actividade.

Aos políticos (e muito em especial àqueles que são eleitos para o exercício de funções governativas, nacionais ou locais) exige-se dignidade e capacidade para um exercício isento dos cargos. Como costuma dizer a voz popular: «DIZ-ME COM QUEM ANDAS E DIR-TE-EI QUEM ÉS»

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

MAIS IDEIAS NOVAS PARA O ENSINO

Por melhores que sejam as intenções da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, com uma proposta de reordenação escolar que junte num mesmo espaço os actuais 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico (do 1º ao 9º ano de escolaridade) muitas são as dúvidas que de imediato terão assaltado todos os intervenientes no processo educativo. Tanto mais que os esclarecimentos de imediato solicitados (fazendo fé no texto da notícia publicada pelo DIÁRIO DE NOTÍCIAS) foram prontamente remetidos para uma oportunidade futura em que estejam reunidos todos os elementos necessários.

Para quem, como eu, dedicou alguns dos últimos anos a acompanhar o funcionamento do sistema educativo nacional (integrando estruturas representativas daqueles que em última instância suportam os custos financeiros e sociais - os encarregados de educação) esta ideia lançada de forma abrupta e sem qualquer informação adicional, merece de imediato o comentário de que se trata de mais uma medida meramente economicista, visando a concentração dos alunos por forma a garantir uma redução de custos com instalações e meios humanos (docentes e pessoal auxiliar).

Uma segunda, e mais calma, leitura da notícia não me trouxe nenhum conforto adicional uma vez que os sinais que confirmam aquela reacção imediata são abundantes. Além de se referir o encerramento de 4500 escolas primárias até 2009 (cerca de 60% das actualmente em funcionamento) já se vai adiantando a necessidade de construção de novos centros escolares integrados (será o contributo do Ministério da Educação para o relançamento da actividade no sector da construção civil?) mesmo na inexistência de uma ideia estruturada sobre o respectivo funcionamento e na total ausência de um debate com as estruturas representativas de professores e encarregados de educação.

Convém esclarecer que a ideia de juntar o 1º ciclo com o 2º ciclo (que normalmente funciona nas EB2,3) e o 3 º ciclo com a secundária (que apesar de ser um nível de ensino fora da escolaridade obrigatória não deve faltar muito para que a passe a integrar) não consiste numa ideia original e poderá, em situações pontuais, contribuir para uma gestão mais equilibrada do parque de edifícios escolares integrados numa determinada área urbana. Porém, os edifícios que resultarão encerrados pela proposta agora apresentada serão os que revelam maior isolamento dos principais centros populacionais, pelo que a ideia terá que ser analisada numa perspectiva distinta.

A prática recente dos governos deste país (muito mais preocupados com os indiscriminados cortes orçamentais e a poupança orçamental deles resultante) indicia que contrariamente ao objectivo de melhorar a oferta de uma educação com qualidade, piamente enunciado pela ministra, iremos assistir a mais uma medida incentivadora da desertificação das regiões interiores e fortemente penalizadora das já de si reduzidas e carenciadas populações nela residentes que verão os seus filhos deslocados para escolas cada vez mais distantes e dos jovens abrangidos pela medida que verão reduzido o tempo disponível para estudo e convívio familiar. Tal medida, numa época em que tanto se fala em fenómenos como o abandono escolar e a crescente desestabilização familiar, parece-me totalmente desadequada, para não dizer irresponsável.

Acredito que os próprios docentes (e as suas estruturas representativas) não venham a encarar de bom grado semelhante solução uma vez o seu lado positivo – minimização dos inconvenientes resultantes das colocações em locais remotos e distantes dos respectivos agregados familiares – será amplamente ultrapassado pelos negativos – redução do número de vagas e desprestígio que será sentido pelos docentes dos ciclos mais adiantados quando “misturados” com o 1º ciclo.

As múltiplas dúvidas e inconvenientes prontamente localizados aconselham não só uma profunda reformulação desta proposta como revelam a inoportunidade da sua apresentação, uma vez que não contribuirá para um debate originador de uma boa solução, mas apenas para o levantar de um conjunto de críticas fomentadoras de maior resistência a outra solução, mesmo que adequada.

BELMIRO VERSUS PT - II

Analisada a notícia (e o teor) da proposta de Belmiro de Azevedo para a aquisição da PT, sabendo-se que TELEFÓNICA (empresa espanhola do sector das telecomunicações e também accionista da PT) se encontra incapacitada de responder ao desafio do patrão da SONAE, uma vez que acaba de despender 26 mil milhões de euros para adquirir a concorrente O2, eis que surge uma nova hipótese.

O BES fez saber que através do seu presidente, Ricardo Salgado, deu início aos preparativos para a constituição de um núcleo concorrente. Este deverá ser integrado pelo BES e pelos empresários Patrick Monteiro de Barros e Ilídio Pinho, e de acordo com as regras em vigor no mercado a sua contra OPA terá que oferecer um preço superior ao da SONAE em pelo menos 5%.

Paralelamente chegando ao conhecimento do público outras informações. Assim, é expectativa que confirmando-se a operação da SONAE esta venha a integrar as redes TMN e OPTIMUS (rede móvel) devendo alienar a rede fixa à qual será candidato preferencial a FRANCE TELECOM, pelo menos é o que se pode deduzir das afirmações dos seus responsáveis que tendo garantido que não originaram a proposta de Belmiro, não escondem a atenção que vão dedicar ao desenvolvimento do negócio nem excluem uma futura intervenção.

Enquanto se aguardam desenvolvimentos do BES e seus parceiros vamos continuar atentos a este “negócio”.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

BELMIRO VERSUS PT

É inegável que a notícia do dia foi a do anúncio de uma OPA (oferta pública de aquisição) da PT pela SONAE.

Independentemente de algumas questões que os especialistas do mercado de capitais de pronto colocaram:

– a PT apresenta uma dimensão quatro vezes superior à SONAE;

– o valor oferecido revela-se inferior ao valor médio do sector;

parece-me mais importante reflectir sobre o que pretende Belmiro de Azevedo com esta operação, tanto mais que a administração da PT declarou a OPA como hostil, numa conferência de imprensa realizada ao final do dia, e aconselhou os seus accionistas a aguardarem novos desenvolvimentos. Pela voz de Horta e Costa, presidente do seu conselho de administração, a PT fundamentou esta sua posição no facto da SONAE não ter disponibilizado informação relativa ao financiamento e por apresentar uma estrutura já com elevados níveis de endividamento, podendo assim implicar o desmantelamento do grupo.

Também numa conferência de imprensa (posterior à da PT) Belmiro de Azevedo veio refutar o carácter de hostilidade da OPA, classificando-a como proposta de interesse nacional por contribuir para a clarificação da posição da PT, empresa que tem atravessado períodos de alguma instabilidade, e para o aumento da concorrência.

Não esquecendo que na década de 80 do século passado Belmiro foi o introdutor no mercado de capitais nacional das OPV (oferta pública de venda), operações com as quais financiou o crescimento do seu grupo económico, sabendo-se já detém posições no sector das telecomunicações (NOVIS e OPTIMUS), mantém-se a questão do que pretende um empresário que com esta operação.

Tanto quanto noticiado nos jornais o valor a desembolsar poderá atingir os 13,9 mil milhões de euros (11 mil milhões para a compra da totalidade do capital da PT e 2,9 mil milhões para a PT Multimédia) pelo que Belmiro conta com o apoio do Santander para o financiamento de uma operação que faz depender de duas condições prévias: o Estado abdicar da sua “golden share” (posição minoritária que lhe permite manter o controle gestionário da PT) e a abolição da limitação de 10% como quota máxima de capital por investidor.

Sabendo-se que um dos sócios de Belmiro na SONAECOM (empresa do sector das telecomunicações que integra o seu universo empresarial) é a FRANCE TELECOM e que um dos actuais accionistas da PT (limitado ao tal máximo dos 10%) é a TELEFÓNICA, nada me espantaria se estivéssemos na presença de mais uma daquelas operações que os patrióticos empresários portugueses costumam realizar, para mais tarde virem a consolidar posições com os seus parceiros estrangeiros assegurando a estes o controlo das empresas apetecidas e àqueles os sobre lucros devidos pelos “bons serviços prestados”. Hipótese que a própria FRANCE TELECOM não desmente porquanto, segundo afirma o PUBLICO, esta empresa negou a iniciativa da OPA mas confirmou o seu interesse no respectivo desenrolar e a sua disponibilidade para eventual intervenção no futuro.

Honestamente, enquanto consumidor é-me indiferente a titularidade de empresas que prestem serviços, incluindo os de natureza estratégica, desde que não tenha prejuízos nos preços cobrados; enquanto português não tenho uma visão redutora nem nacionalista da economia, mas enquanto cidadão contribuinte que viu sucessivas empresas produtoras de bens e serviços essenciais serem entregues à iniciativa privada ao abrigo do dogma de que seriam melhor geridas desta forma (algo que na prática não se tem vindo a confirmar) para posteriormente assistir impotente à sua revenda a interesses, invariavelmente estrangeiros, e ao correspondente encaixe pelos anteriores proprietários (os tais profundamente patrióticos) de chorudos lucros é criminoso.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

A NOSSA TOLERÂNCIA E A INTOLERÂNCIA DOS OUTROS

Li hoje no DIÁRIO DE NOTÍCIAS mais uma crónica do inefável Luís Delgado, onde há semelhança do que vem fazendo na página do seu DIÁRIO DIGITAL aborda, da forma que todos lhe conhecemos, o fenómeno do fanatismo islâmico.

O primeiro dos trabalhos a que me refiro foi publicado no dia 29 de Janeiro no DIÁRIO DIGITAL, sob título de 1º Estado terrorista e abordava a questão da vitória do Hamas nas eleições legislativas palestinianas. Entre outras pérolas podia-se ler logo no primeiro parágrafo a conclusão que «...a ANP pode transformar-se no primeiro «Estado» oficialmente governado por um grupo terrorista, extremista e fanático...».

Até aquele momento estava em crer que ao longo da história universal se tinha registado a existência de muitos outros estados com aquelas características (o III Reich alemão não me parece que merecesse diferente designação) e, fazendo fé nas afirmações de outra eminência mundial nesta área, o presidente George W Bush, que classificou da mesma forma o regime talibã que derrubou aquando da invasão do Afeganistão em 2001.

Mais adiante Luís Delgado retoma um tom quase apocalíptico quando afirma que «...[ou] o Hamas, e os seus diversos grupos, renunciam à violência, entregam as armas, e aceitam conviver com Israel e com as democracias Ocidentais, ou então teremos de enfrentar um «Estado pária», inviável, perigoso e disposto a tudo.» esperando talvez que os seus leitores desconheçam que os territórios da Palestina (chamar àqueles retalhos de terra militarmente ocupada um estado é muito forçado) sobrevivem graças aos donativos da comunidade internacional e que a sua simples suspensão determinará a morte daqueles a muito curto prazo. Ainda a propósito da ascensão ao poder de um grupo terrorista, fenómeno que agora tanto preocupa o articulista, recordo-lhe que nos primórdios da constituição do estado israelita esteve na sua origem a actuação de um grupo terrorista, denominado Haganah, do qual fizeram parte personalidades como Ariel Sharon.

Mas este arrazoado panfletário não se ficou por aqui. No dia 5 de Fevereiro escreveu no mesmo DIÁRIO DIGITAL outro artigo intitulado Guerra de Civilizações, no qual destila mais um pouco do seu pensamento primário e maniqueísta relativamente à polémica e às convulsões que se estão a viver no mundo árabe a propósito da publicação em jornais europeus de cartoons sobre o profeta Maomé. Depois de apresentar cinco razões que diz não entender (para cúmulo fá-lo no plural como se todos os demais tivessem que partilhar a sua ignorância e incapacidade de entender os outros, os que são diferentes), conclui «...que eles [os infiéis] querem acabar connosco, com a nossa liberdade democrática e religiosa e, em suma, com a nossa civilização
Bem revelador da ausência de estatura intelectual do articulista é o conjunto de razões que diz não entender:

1) o que leva milhares de pessoas a entrar em fúria por causa de umas caricaturas, mesmo que elas representem o seu profeta;

2) porque razão uma parte do mundo tem uma visão tão raivosa e nada redentora das práticas de outras religiões, costumes e liberdades;

3) o que leva a tanto extremismo, fanatismo e obscurantismo, numa religião que tem por base num Livro Sagrado que ensina a tolerância, o entendimento e a santidade;

4) o que lhes vai na cabeça, mas temos a virtude de fazer o contrário do que eles praticam: respeitamos a diferença, a liberdade de opinião e o pensamento livre;

5) porque razão a nossa civilização e religião é um mal para eles, que deve ser exterminada e erradicada;

porquanto bastam conhecimentos rudimentares de história para recordar que aquilo que ele condena aos muçulmanos praticaram os cristãos até há bem pouco tempo. Apenas quando as sociedades ocidentais deram início à prática da separação entre Estado e Igreja é que fenómenos daquela natureza começaram a rarear. Mesmo sem ser nesta perspectiva não é difícil imaginar que existirão milhares de muçulmanos a colocar o mesmo tipo de questões e dúvidas sobre a actuação dos países ocidentais e até dos mais fanáticos dos seus conterrâneos.

Mas, confrontado com as suas limitações e na falta de melhor argumentação Luís Delgado revela-se exímio a seguir a de George W Bush (talvez este seja o seu “guru”) e dos “falcões” norte americanos – quem não está connosco está contra nós e como nós é que somos os BONS, os outros são os MAUS – esquecendo aquele velho princípio igualitário que preconiza que a liberdade de cada um termina quando começa a liberdade dos outros.

Para concluir na sua habitual linha de pensamento, o DIÁRIO DE NOTÍCIAS publicou hoje outro artigo de Luís Delgado, intitulado Quem tem medo desses fanáticos?, que representa a cereja no bolo do pensamento deste jornalista (ou de alguém a quem ele o ouviu). Condenando os recentes actos de violência perpetrados contra embaixadas da Dinamarca, Noruega e Áustria em países árabes, conclui: «Eles [os tais infiéis] têm de aprender a respeitar as nossas democracias, o nosso direito a uma imprensa livre, desde que responsável, e a nossa religião. Viver com medo não é viver

A esta opinião, e depois de tudo o que deixei dito, apenas me ocorre fazer um comentário: Tem razão Sr. Luís Delgado! Viver com medo não é viver. Suicide-se! Mas deixe os outros sossegados e tranquilos para em conjunto procurarem uma solução para um problema que indivíduos com a sua pequenez intelectual apenas contribuem para agravar.

domingo, 5 de fevereiro de 2006

O NUCLEAR E O MÉDIO ORIENTE

A recente decisão do Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atómica de apresentar o dossier iraniano ao Conselho de Segurança da ONU constitui o mais recente desenvolvimento do “braço de força” que tem oposto o Irão aos EUA e à UE. Enquanto aquele estado árabe pretende desenvolver um programa nuclear para produção de energia, as potências ocidentais pretendem impedi-lo sob o argumento de que o mesmo se destina à produção de armamento nuclear.

Após um período em que este programa foi desenvolvido com o apoio dos EUA e da Alemanha (durante a vigência do deposto Xá Reza Pahlevi), conta agora com o apoio técnico da Rússia e tanto quanto é do domínio público tem-se inserido nos termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear e sob a vigilância da AIEA.

O agravamento da crise no Médio-Oriente, a política americana para a região, a dimensão que tem vindo a atingir o movimento fundamentalista islâmico (de que o regime de Teerão é um dos principais pilares) e a radicalização do discurso do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejd, têm contribuído para transformar esta matéria numa das mais importantes na agenda mundial.

Talvez que os EUA, após o aparente insucesso da estratégia utilizada para tentar impedir a Coreia do Norte de também integrar o “clube nuclear”, pretendam garantir maior sucesso contra um estado árabe que poderá alterar significativamente o equilíbrio estratégico naquela região. Só assim se entendem as recentes declarações do presidente George W Bush à REUTERS, nas quais se mostrou disponível para aumentar o apoio militar a Israel (estado que nunca subscreveu o Tratado de Não Proliferação Nuclear e dispõe de armamento daquele tipo) e até contemplou a hipótese de recurso ao uso da força (eufemismo para descrever um cenário de mais uma invasão) contra o Irão.

Não sendo um cenário expectável a curto prazo uma vez que continuam a existir conversações entre as partes, apesar do Irão já ter anunciado a suspensão de inspecções não autorizadas da AIEA, o Conselho de Segurança só se virá a pronunciar em Março e do sentido do seu voto ainda não estar completamente esclarecido, não deixa de merecer referência o facto de o Irão e a Síria constituírem alvos preferênciais há muito definidos pelos “falcões” norte-americanos.

Há porém alguns dados neste cenário que importa recordar. Os EUA têm vindo a encontrar maiores dificuldades no Iraque que as inicialmente previstas e a situação no Afeganistão (invadido após o 11 de Setembro) também se encontra longe da estabilização que tantas vezes se procura noticiar, a tal ponto que jornais norte americanos já vão fazendo referência às dificuldades que a administração Bush está a encontrar para conseguir “refrescar” as suas forças militares deslocadas naqueles países. Segundo um estudo encomendado pelo próprio Pentágono o nível de recrutamento em 2005 ficou aquém do indispensável e este efeito já se começa a sentir nas tropas nos cenários de conflito, forçadas a prolongar os seus tempos mínimos de permanência.

Perante este cenário, não me custa a crer que a estratégia das duas partes (EUA e Irão) seja a de fazer subir o tom dos discursos oficiais com vista a melhorar as respectivas posições para um processo de negociação que parece inevitável. A confirmar esta mesma tese vejam-se as declarações do governo russo que continua a manifestar-se disponível para firmar um acordo para o enriquecimento do urânio iraniano no seu território e assim minimizar as hipóteses da sua utilização para fins militares.

De momento restará aguardar até Março para conhecer a decisão do Conselho de Segurança da ONU, sem nunca esquecer que várias têm sido as suas resoluções por cumprir naquela região, nomeadamente as respeitantes a condenações do estado israelita por violação de resoluções sobre limitações territoriais e ocupação de Jerusalém Oriental, e que a solução adoptada pela Autoridade Palestiniana sobre a composição e política do seu novo governo (com ou sem uma clara presença do Hamas e com ou sem o reconhecimento formal de Israel) também constitui importante dado para esta questão.

sábado, 4 de fevereiro de 2006

A POLÉMICA DOS CARTOONS E AS POLÍTICAS POLÉMICAS

Continua acesa a polémica em torno da publicação por um jornal dinamarquês - Jyllands-Posten - de um conjunto de caricaturas do profeta Maomé.

Apesar da publicação já datar de Setembro do ano passado, a polémica reacendeu-se quando publicitada em diversos países islâmicos. Na actual conjuntura mundial aquilo que não deveria ter ultrapassado as fronteiras de um país e o debate entre a liberdade religiosa e liberdade de expressão acabou por se transformar num problema de dimensão internacional que está a afectar os países islâmicos (cujas populações se sentem indignadas com o ultraje), a Dinamarca (país onde se originou a crise e no qual muitas empresas já começam a sentir os efeitos do boicote aos seus produtos aplicado pelas populações dos países árabes) e a comunidade internacional em geral.

As razões por que tal aconteceu devem-se a factores distintos, que vão desde a crescente politização das correntes islâmicas fundamentalistas, o clima anti-ocidental gerado pelas invasões do Afeganistão e do Iraque e pela facilidade de circulação da informação permitida pelas novas tecnologias.

Quando grande número de fiéis do Islão vêem países árabes invadidos, se vêem nos discursos do ocidente sistematicamente associados a práticas terroristas, fácil se torna a um pequeno grupo de activistas agitar mais um “incidente” para acicatar os ânimos e obter resultados como os hoje registados em Damasco onde as embaixadas da Dinamarca e da Noruega foram incendiadas.

No ocidente a discussão em torno da liberdade de expressão já permitiu à administração americana e ao governo britânico assumirem o papel de “virgens pudicas” vindo dizer que as caricaturas publicadas são incendiárias, constituem uma ofensa para as crenças muçulmanas e uma inaceitável incitação ao ódio racial e étnico, talvez na expectativa que os muçulmanos esqueçam por uns dias que são eles os principais responsáveis pela actual situação de conflito aberto no Médio Oriente e é o presidente Bush que sistematicamente justifica as suas opções belicistas com a necessidade de lutar contra o Mal.

Analisada de forma fria não creio que a publicação das referidas caricaturas merecesse muito mais que alguma acesa polémica e alguns discursos religiosos mais inflamados (como aconteceu entre nós há uns anos quando foi publicada uma caricatura do Papa João Paulo II com um preservativo no nariz), porém, no estado em que se encontram os ânimos no Médio Oriente, qualquer coisa serve de pretexto para fazer crescer o descontentamento contra os países ocidentais, tanto mais que estes se têm pautado por comportamentos muito pouco dignos e isentos quando tratam de abordar os problemas daquela região, como recentemente pudemos comprovar com os resultados das recentes eleições palestinianas.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

APITO DOURADO

Quase dois anos após as primeiras notícias sobre a prática de irregularidades envolvendo árbitros de futebol, dirigentes de clubes e de autarquias, eis que surge a confirmação da Procuradoria-Geral da República de que foram constituídos 29 arguidos no processo “Apito Dourado”.

Tanto quanto informa aquele organismo, tratam-se apenas de pessoas ligadas a actos praticados em Gondomar - uma vez que os respeitantes a outras áreas do território nacional deverão vir a ser analisados pelos procuradores das respectivas comarcas (admite-se que estas possam ser Porto, Lisboa, Leiria, Portalegre, Funchal, Braga, Vila Verde e Guimarães) – sem especificação das respectivas identidades.

Ao fim de todo este tempo o ministério público apenas organizou um processo envolvendo os tais 29 arguidos quando se sabe que a Polícia Judiciária terá remetido àquele organismo a documentação referente aos interrogatórios de 199 pessoas.

A dimensão do número de interrogados, a influência de alguns deles - recorde-se que entre estes contam-se Valentim Loureiro (presidente da câmara de Gondomar, presidente da Liga de Clubes, e ex-presidente do Boavista), o seu filho João Loureiro (presidente do Boavista) e Pinto da Costa (presidente do Futebol Clube do Porto) – poderá justificar o muito cuidado colocado neste trabalho, mas dificilmente pode justificar uma tanto tempo e para produzir resultados tão parcos.

Mesmo respeitando o princípio da presunção da inocência de todos os arguidos (e dos muitos outros nomes que de tempos a tempos surgiam referidos na imprensa), ninguém pode estranhar a enorme expectativa que rodeia todo este caso, seja por parte dos indefectíveis defensores do futebol nacional, seja por todos os outros que gostaríamos de ver introduzidos alguns conceitos de ética e de separação de “poderes” num meio onde não custa a crer esteja totalmente desprovido deles.

Como se não bastasse a enorme promiscuidade que se conhece entre os poderes autárquicos e os clubes locais (principalmente aqueles que se dedicam à prática do futebol), constata-se agora que os mecanismos de “compadrio” se encontram já ramificados pelos escalões principais do futebol profissional. A este nível é ainda mais preocupante a clara interligação de “interesses” entre dirigentes de clubes e políticos.

Mesmo ignorando-se, oficialmente, os nomes dos arguidos já constituídos e o que resultará dos processos a serem instaurados noutras comarcas (para conhecer o resultado espero que não seja necessário decorrer mais uns anos), seria muito bom para este país que o processo do “Apito Dourado” trouxesse, de uma vez por todas, a “limpeza” que o sector do futebol, entre outros, bem precisa!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

TEREMOS UMA NOVA SECRETA?

A revista VISÃO incluiu na sua edição de hoje um artigo sobre o facto do governo de José Sócrates estar a criar um novo serviço de informações sem enquadramento legal nem sujeição a qualquer mecanismo de controlo.

De acordo com aquela publicação existirá em funcionamento um grupo de análise e produção de informações em funcionamento no edifício da Presidência do Conselho de Ministros, sob a direcção de Júlio Pereira, situação que contrariará a legislação em vigor, que apenas dá cobertura ao SIS (Serviço de Informações de Segurança) e ao SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa) para o tratamento dos chamados “segredos de estado”.

Ao longo do dia o secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, e o ministro da presidência (Pedro Silva Pereira) vieram desmentir esta notícia, que os editores da revista se apressaram a confirmar na sua página na Internet.

A importância destes factos (a confirmarem-se), prende-se com a salvaguarda dos famigerados direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que ultimamente têm andado muito maltratados um pouco por todo o mundo.

Apesar de rodeada de alguma especulação, esta notícia poderá confirmar a vaga de “insanidade” ou “fobia de tudo querer saber” que parece estar a espalhar-se entre todos os governos, particularmente os ocidentais, e em especial entre aqueles que não perdem uma oportunidade para usar em benefício próprio o clima de insegurança e intranquilidade que criam.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

NADA DE NOVO NO DISCURSO DA UNIÃO

Um dos factos mais relevantes do dia talvez tenha sido o discurso sobre o estado da União que o presidente George W Bush proferiu esta madrugada em Washington.

Não pelas novidades nele contidas mas porque na reafirmação das desgastadas teses sobre o terrorismo e o império do Mal, ficou demonstrado que a administração norte americana continua a revelar o grau de autismo a que já habituou o mundo inteiro.

Não caberá aqui analisar o discurso na íntegra, nem medir o alcance de propostas como a apresentada para a redução da dependência norte americana do petróleo oriundo do médio oriente, quando se sabe que os principais apoiantes desta administração se encontram no sector petrolífero norte-americano.

Sobre as importantes questões mundiais centradas no médio oriente – a intenção iraniana de relançamento do seu programa nuclear, a vitória do Hamas (movimento fundamentalista islâmico, defensor da manutenção da luta armada contra Israel e fortemente apoiado pelo Irão) nas recentes eleições legislativas na Palestina – o presidente da União deixou clara a intenção de reforçar o seu apoio (diplomático e militar) a Israel. Este facto e a crescente mobilização das forças da direita israelita (congregadas no Likud) indiciam que será de esperar um agravamento da tenção na região enquanto não for resolvida a questão da formação do próximo governo palestiniano - matéria em que o presidente da Autoridade Palestiniana (Mahmoud Abbas, da Fatah) parece também alinhar pelas teses ocidentais que pretendem assegurar que o Hamas reconheça o estado de Israel e abdique das acções armadas – e não se conhecerem os resultados das eleições a realizar em Março em Israel.

terça-feira, 31 de janeiro de 2006

NOTAS SOLTAS E BREVES

O final do mês de Janeiro está a registar um número assinalável de “cimeiras” e outros “encontros”, onde os poderosos do mundo vão arquitectando planos ou dando a conhecer à comunidade mundial decisões sobre o que de mais importante vai ocorrendo.

Após a cimeira de Davos, onde os principais políticos, os capitães da indústria e as figuras do «show business», debateram algumas das grandes questões e deram a conhecer donativos, registou-se:

- uma cimeira entre os EUA, a EU, a Rússia e a ONU para debater os recentes resultados eleitorais na Palestina e o financiamento à Autoridade Palestiniana, que decidiu pela suspensão daquele auxílio caso o Hamas (organização democraticamente eleita para governar o território) não aceite reconhecer o Estado de Israel e declare o fim das acções armadas contra os judeus;

- uma cimeira entre os EUA, a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha para debater a questão nuclear iraniana, na qual decidiram levar à próxima reunião do conselho de direcção a AIEA (Agência Internacional para a Energia Atómica) para aprovação uma proposta de resolução a apresentar ao Conselho de Segurança da ONU;

- em Londres, iniciou-se a cimeira dos doadores ao Afeganistão que logo na primeira sessão anunciou a aprovação de um programa de 5 mil milhões de dólares de auxílio àquele país, a aplicar nos próximos cinco anos;

- em Lisboa, Bill Gates foi hoje galardoado pelo Presidente da República e amanhã vai assinar com o primeiro-ministro, José Sócrates, um vasto programa de formação a desenvolver no nosso país e integrado no plano tecnológico apresentado pelo governo.

Vistas de relance todas estas notícias pode-se pensar que ainda existe no mundo quem procure soluções para os problemas alheios, não são só os beneméritos doadores privados (Bill Gates anunciou em Davos a doação de 600 milhões de dólares para combater a tuberculose) mas também muitos governos revelam-se dispostos a financiar um país que necessita desesperadamente de meios para garantir a sobrevivência da sua população.

Ao mesmo tempo esses mesmos governos revelam-se inflexíveis com aqueles que pretendem incrementar o uso da energia nuclear (porque pode facilitar a produção de armamento nuclear) e com o futuro governo da Autoridade Palestiniana porque este será constituído por elementos de um grupo (democraticamente eleito) que se recusa a aceitar que o seu país seja ocupado por outro (que, por acaso ou não, também dispõe de armamento nuclear).

Porque estas coisas estão todas interligadas, à inflexibilidade dos governos ocidentais para com palestinianos e iranianos, contrapõe-se a bonomia com que os mesmos aceitam aumentar a ajuda financeira ao governo de um território que é o maior produtor mundial de ópio e que este longe de contrariar esta situação tem permitido o seu aumento. Por outro lado se Bill Gates vai doar os tais 600 milhões de dólares muitos deles serão originários do governo português que por via do programa que irá assinar vai enfeudar todo o mercado nacional de software à Microsoft (com os consequentes lucros associados). Será que no governo português nunca ninguém ouviu falar de uma coisa chamada software livre?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

REFORMA ADMINISTRATIVA E REFORMA DE MENTALIDADES

As medidas de simplificação administrativa e legislativa anunciadas pelo primeiro-ministro poderão vir a revelar-se um primeiro passo importante para a melhoria e racionalização de circuitos administrativos; porém, resta ver até que ponto a “pesada máquina do funcionalismo” irá entender estas medidas como positivas para a vida dos cidadãos comuns e aceitar a inevitável perda de influência.

Quando dispusermos de um quadro legal simples e claro os muitos “interpretadores” e “facilitadores” que pululam na administração pública perderão importância e até razão de existência. Este poderoso grupo (não quero intencionalmente chamar-lhe “lobby” porque não o julgo tão organizado quanto isso) disseminado nos mais variados níveis da nossa administração vai seguramente resistir, até onde as forças e o poder lho permitam, a modificações que resultem numa redução do que entendem ser o seu estatuto.

Nesse sentido achei particularmente curiosa uma notícia que hoje ouvi num canal de televisão que referia que Paulo Macedo, o Director-Geral da DGCI (Direcção Geral das Contribuições e Impostos), solicitara a todos os funcionários desta a colaboração no sentido de formularem propostas conducentes à redução ou eliminação de informação redundante ou em duplicado.

Não querendo pôr em causa a iniciativa (nem a importância de procurar ganhar os funcionários para o processo de mudança) parece-me quase ridículo esperar que se venham a obter grandes progressos por esta via. Queiramos ou não a generalidade dos profissionais deste país (e a função pública será garantido paradigma) ainda continuam a funcionar segundo uma mentalidade profundamente corporativa e de auto-protecção pelo que não creio que a iniciativa venha a registar grande sucesso.

Ainda dentro das iniciativas de modernização assinale-se que finalmente alguém parece ter percebido que o Estado dispunha da informação necessária e suficiente para proceder ao cálculo dos montantes anuais de devidos em sede de IRS de cada um dos cidadãos deste país. Só a possível poupança das muitas horas anualmente perdidas para o cumprimento da obrigação fiscal de entrega do modelo declarativo daquele imposto terá reflexos positivos na produtividade nacional (desde que fique garantido, como parece, a hipótese de cada contribuinte proceder à validação ou alteração dos valores que entenda incorrectos) ou pelo menos na redução dos níveis de “stress”.

Entre as referências positivas e inseridas num plano de combate à evasão fiscal, assinale-se a intenção de passar à prática o princípio do rendimento presumido a aplicar aos profissionais liberais. Esta iniciativa que deverá ser aplicada com a máxima acuidade, de forma a garantir não só a sua eficácia mas também a sua justiça, deveria ser estendida ao conjunto do tecido empresarial nacional, não permitindo que se continue a verificar a absurda situação de existência de um anormalmente elevado número de empresas que de forma continuada não apresentam qualquer tipo de lucros.

domingo, 29 de janeiro de 2006

O ABSURDO PALESTINIANO

No dia em que foram oficialmente anunciados os resultados das eleições palestinianas, continuam a suceder-se as reacções e peripécias em torno deste acontecimento. Não tanto pelo acto em si (para a imprensa internacional a sua mera realização já não apresenta qualquer valor) mas pelas reacções que a vitória do Hamas (grupo fundamentalista islâmico defensor da luta armada contra a ocupação israelita) suscitou.

Paralelamente não deixa de ser curioso que num momento em que a chanceler alemã, Ângela Merkel, visita aquela região, se tenham registado declarações de dirigentes do Hamas manifestando interesse numa reunião com aquela dirigente europeia, enquanto, simultaneamente, o chefe do governo israelita, Ehud Olmert, tenha reafirmado a posição do seu governo de recusar qualquer negociação com o Hamas enquanto este movimento não cessar as acções armadas e não reconhecer a existência do estado de Israel.

Enquanto as notícias que vão chegando da Palestina dão conta de uma evidente moderação na linguagem dos dirigentes do Hamas, verifica-se que israelitas e americanos acentuam uma posição de ruptura com o débil e até agora praticamente ineficaz processo de paz. É notável que o maior defensor mundial da democracia e dos direitos do homem (pelo menos é assim que as administrações americanas tanto gostam de se apresentar) venha levantar questões e pronunciar ameaças de sanções económicas sobre a Autoridade Palestiniana por em resultado de um processo eleitoral que os observadores internacionais (entre os quais figurava o antigo presidente Jimmy Cárter) consideraram como democrático e válido um grupo mais radical ter conquistado o direito à governação dos territórios palestinianos.

Além da medonha hipocrisia que semelhante atitude revela, resta ainda por explicar como pretenderão os americanos resolver esta situação. Será que George W Bush vai disponibilizar mais armamento sofisticado a Israel para que este elimine de forma definitiva o povo palestiniano? Ou pelo contrário vamos assistir ao recrudescimento da mais condenável política de assassinatos selectivos dos membros da nova Autoridade Palestiniana, levada a cabo pelas unidades especiais do exército judaico com o apoio dos serviços de informação e localização por satélite que os EUA controlam?

A resposta provável para esta questão será um conjunto das duas hipóteses, tanto mais que com este cenário o governo israelita ficará com as mãos livres para prosseguir a sua política de construção do muro de segurança (que isolará ainda mais os territórios palestinianos, impedindo-os de fazer funcionar qualquer simulacro de economia) e executar as acções de flagelação que entenda em território palestiniano a pretexto de qualquer coisa que entenda fazer perigar a sua segurança interna.

Perante um cenário desta natureza (na prática tratar-se há de um processo de lento genocídio de um povo) quando é que os responsáveis pela política mundial (europeus incluídos) entendem que uma solução viável para aqueles territórios terá que passar por uma profunda alteração na forma de abordagem do problema. Enquanto os governos dos países ocidentais persistirem numa prática de proibição aos palestinianos de tudo o que autorizam ou sancionam aos judeus, não só não haverá paz na Palestina, como dificilmente a haverá noutros pontos do mundo.
É certo que os interesses que têm levado as potências ocidentais a privilegiar o estado judaico em detrimento do estado palestiniano, poderão ter como explicação inicial o que de terrível aconteceu à comunidade judaica na Europa durante a II Guerra Mundial; hoje porém os interesses são outros e resultam da necessidade de controlo das zonas produtoras de hidrocarbonetos de forma a garantir o controlo da economia global.

Enquanto a comunidade mundial continuar a deixar-se manipular por declarações bombásticas e lugares comuns primários (como o confronto entre religiões, a visão maniqueísta que divide o mundo entre “bons” e “maus” e um direito a um definir quem estes são) continuaremos a confrontar-nos com situações como as da Palestina, do Afeganistão, do Iraque e do Irão. Continuaremos a confundir a árvore com a floresta e no meio tempo alguém vai lucrando cada vez mais com estes ou outros focos de conflito, ateados pela cegueira e irracionalidade de um punhado de “homens de mão” desses mesmos interesses, que para cúmulo do absurdo se fazem eleger por nós próprios.

sábado, 28 de janeiro de 2006

DIA INTERNACIONAL DE COMEMORAÇÃO EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO

Comemorou-se ontem este dia devido a uma iniciativa da ONU em resultado de uma proposta aprovada no dia 31 de Outubro de 2005 pela sua Assembleia Geral, apresentada por Israel e apoiada por cerca de um centena de países membros. Terá estado na génese de mais esta efeméride as recentes posições do presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, que em diversas oportunidades tem manifestado a opinião de que o holocausto poderá não ter tido a dimensão que se lhe atribui e que se teve as compensações aos judeus deveriam traduzir-se na oferta de terras na Europa, na América, no Canadá ou no Alaska em substituição das atribuídas na Palestina, cujo povo está a pagar por um crime que não cometeu.

No actual estado de ebulição que se vive no médio oriente, com o diferendo israelo-palestiniano, a ocupação do Iraque pelos americanos, a crise originada pela intenção do Irão reactivar o seu programa nuclear e o muito recente resultado das eleições na Palestina, tudo serve para as partes lançarem (ou acusarem os outros de o fazer) achas para a fogueira, que os órgãos de comunicação social ajudam a difundir e a ampliar.

Entre comunicados de rejeição, desmentidos baseados em erros de tradução e interpretação, o mundo vai assistindo a uma subida de tom na linguagem política e diplomática a propósito daquela conturbada região do planeta.

Sem querer aqui fazer eco das teses, muito discutíveis, de Ahmadinejad (que não será mais que o porta-voz das facções mais radicais do islamismo xiita), nem defender o lado oposto (aprendi há muito que nos conflitos não há lugar para os “santos”), sempre vou recordando que parte significativa da instabilidade naquela região resulta do facto desta constituir a principal origem dos hidrocarbonetos de que a indústria mundial necessita desesperadamente e de nela ter sido implantado um foco adicional de conflito, originado pela política norte-americana de apoio incondicional às teses judaicas, mais do que à implantação do estado de Israel que a ONU decidiu em 1947.

Mais do que o potencial conflito de interesses entre judeus e palestinianos, o grande problema reside no facto de nunca a comunidade internacional ter feito um verdadeiro esforço para a aplicação daquela resolução da ONU, antes optando invariavelmente pela defesa intransigente das teses e políticas judaica (invariavelmente escudada no horror do holocausto). Enquanto aos palestinianos continuam a ser feitas exigências de respeito pela existência de Israel e de abandono da luta armada, aos judeus continua a ser permitido o bombardeamento dos territórios palestinianos, o assassinato de militantes palestinianos, a ocupação de terras com colonatos judaicos e o desrespeito da decisão de partilha entre os dois povos da cidade de Jerusalém.

A política negacionista do Irão, sendo condenável, tem que ser entendida como mais uma peça nesta intrincada teia de interesses, não devendo ser utilizada como mais um argumento de arremesso e exaltação de mentalidades.

O holocausto e aqueles que o sofreram merecem melhor homenagem que a utilização da sua memória em prol de interesses muito duvidosos.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

O WINDOWS EM CÓDIGO ABERTO?

Pelo menos era esta a notícia difundida ontem pelo JORNAL DE NOTÍCIAS.

Não se trata, infelizmente, de nenhuma iniciativa benemérita de Bill Gates, o senhor Microsoft, mas sim de uma imposição da regulamentação europeia anti-trust. Esta comissão fixara o prazo à Microsoft, empresa detentora dos direitos do sistema operativo “Windows”, até 15 de Fevereiro próximo para a disponibilização dos códigos e informação indispensável para que outras “software-houses” possam livremente desenvolver programas naquele ambiente, findo o qual lhe seria aplicada uma multa diária de 2 milhões de euros.

Reagindo à notícia a comissária Neelie Kroes, veio lembrar que o código fonte pode não ser o bastante para uma correcta informação, tanto mais que normalmente os programadores disponibilizam informação adicional aos códigos que desenvolvem.

A esta realidade a que aludiu a comissária europeia há que juntar o facto de que o código fonte do “Windows” deverá ser composto por largos milhares de linhas, pelo que os seus potenciais utilizadores terão que despender milhares de horas de trabalho até conseguirem entendê-lo na íntegra e assim habilitarem-se ao desenvolvimento de programas genuinamente compatíveis com aquele sistema operativo.

Para se ter uma ideia da dimensão do “negócio”, recorde-se que 90% dos computadores pessoais em funcionamento utilizam o “Windows” como sistema operativo, facto que tem motivado inúmeras queixas de muitos programadores uma vez que os seus produtos encontram normalmente problemas de compatibilidade com aquele sistema, os quais não podem ser resolvidos de forma expedita por desconhecimento do respectivo código fonte.

Esta situação, originada pela Microsoft com o lançamento do “Windows 1.0” em 1985 (versão que não conheceu grande sucesso), foi-se agravando à medida que o sistema operativo se foi tornando mais popular (em 1992 com a versão 3.1) até culminar com a actual “Windows XP”, sendo o seu sucesso resultado do facto de ter combinado as virtualidades de um sistema operativo (indispensável em qualquer computador para suporte de outros programas e gestão dos periféricos) com as vantagens de um ambiente gráfico.

Esta ideia não foi, como muita gente pensa, desenvolvida apenas pela Microsoft, mas também por outras empresas como a Digital Research e a Apple, sendo mesmo correcto afirmar que o sistema de ícones e janelas, que popularizou o “Windows”, consiste numa cópia descarada do sistema MAC-OS desta última.

Enquanto se mantém a troca de apreciações entre os serviços da comissão europeia e os da Microsoft, no sentido de determinar se esta está ou não a cumprir os princípios mínimos de divulgação técnica do seu produto, recordo que desde o princípio dos anos 90, do século passado, que existe um sistema operativo de utilização livre (desenvolvido inicialmente por Linus Torvalds) que pouco a pouco tem vindo a “roubar” o monopólio da Microsoft, precisamente pela sua característica de programa aberto (qualquer pessoa pode aceder ao código fonte e desenvolver novas rotinas ou programas específicos) baseado no projecto GNU - sistema operacional totalmente livre, que qualquer pessoa tem o direito de usar e distribuir sem ter que pagar licenças de uso – lançado em 1984. Com o passar dos anos o sistema Linux está a granjear um número crescente de utilizadores, seja pela sua flexibilidade, pela sua qualidade e estabilidade (menos sujeito a “crashs” e “bugs” tão frequentes no Windows), pela segurança nas ligações com a Internet, pelo número crescente de aplicações que têm sido desenvolvidas e pelo baixo custo (zero quando descarregado directamente da Net, sem manuais).

Em resumo, seja pela pressão da comissão europeia seja pela dos utilizadores do Linux, a Microsoft parece condenada a ter que “abrir” um jogo que até agora tem mantido fechado para seu exclusivo lucro (e que lucros… Bill Gates é há vários anos considerado o “homem mais rico do mundo” pela revista Fortune).

ACONTECEU O IMPENSÁVEL!

O Hamas venceu as eleições palestinianas e com maioria absoluta. Quem tenha lido o meu “post” de ontem terá ficado com a ideia que a participação daquele grupo no futuro executivo palestiniano era, para mim, um dado adquirido, principalmente pelos sinais de “nervosismo” que israelitas e americanos vinham dando. A hipótese de vitória com maioria absoluta é que me pareceu pouco realista.

Consumado o facto, o que irá mudar nos territórios palestinianos?

O chefe do executivo Ahmed Qorei já apresentou a sua demissão ao presidente da Autoridade Palestinina, Mahmoud Abbas, que a aceitou e anunciou que irá pedir ao vencedor das eleições para formar novo governo. A abordagem muito cautelosa que os principais líderes do Hamas estão a revelar, com destaque para as declarações iniciais que apontavam para a intenção de constituição de um governo em conjunto com a Fatah, poderá não ter sequência em virtude da decisão deste grupo de recusar participar num governo de coligação.

Perante um cenário de governo do Hamas, pelo seu historial de trabalho e apoio às populações será de esperar que este se venha a revelar mais preocupado com as situações de grandes carências que a generalidade dos palestinianos vive nos territórios ocupados (a ocupação não tem que ser de carácter militar, a construção de barreiras à circulação de mercadorias e pessoas e a imposição de um quase bloqueio generalizado é uma forma de ocupação tanto ou mais eficaz que a militar), facto que constituirá uma segura razão para a escolha que as populações realizaram.

Se no plano interno (directamente ligado à qualidade de vida) a resposta se revela relativamente fácil, nos planos da segurança e das relações externas a questão pode revelar-se bem mais complicada. Na qualidade de grupo predominantemente militar o Hamas deverá encontrar grandes dificuldades para assegurar uma rápida e eficaz governação (os problemas de natureza logística e técnica não são pequenos), facto que deverá conseguir ultrapassar com o tempo se para tal receber a colaboração de que carece.

É neste capítulo que tudo se poderá tornar muito mais difícil, uma vez que os EUA e a UE já fizeram saber a sua pouca vontade de agir nesse sentido; chega mesmo a falar-se na suspensão da ajuda externa e já hoje o presidente Bush anunciou que a sua administração não estará disponível para negociar, nem auxiliar, grupos que não defendam o reconhecimento dos «aliados israelitas» (usando mesmo a expressão «os palestinianos terão pagar pela escolha que fizeram»). Concomitantemente com a posição americana, também o governo israelita já anunciou que não negociará com qualquer governo palestiniano que integre elementos do Hamas.

Tudo indica que vamos voltar a viver um clima de tensão (os dirigente do Likud israelita – partido com que Ariel Sharon chegou ao poder – já se manifestaram pelo endurecimento das medidas de defesa e de hipotética retaliação sobre os palestinianos, enquanto o governo israelita, agora liderado por Ehud Olmert, convocou para esta tarde uma reunião de emergência para debater questões de segurança interna), dependendo a sua amplitude da capacidade de diálogo de todos os intervenientes.

Os países da UE vão procurando fazer sentir ao novo poder palestiniano a necessidade deste abandonar as teses mais radicais (extinção do estado de Israel) e a luta armada, enquanto os órgãos de comunicação vão continuando a recordar que o Hamas integra a lista das organizações terroristas mundiais.

A bem da paz e de uma tentativa séria de resolução do problema palestiniano, parece-me que a nível interno a Fatah necessita de rever a sua rejeição à proposta de partilha do poder apresentada pelo Hamas (esta seria um boa opção de actuação diplomática para a UE, mesmo que para isso tenha que utilizar o argumento da sua contribuição financeira para o estado palestiniano), proporcionando assim algum tempo para este grupo se ir ajustando a uma postura menos bélica relativamente a Israel, enquanto vai actuando na melhoria da qualidade de vida dos palestinianos e eliminando os focos de corrupção interna que justificaram a opção popular contra a Fatah.

O governo israelita precisa de ser limitado nas suas acções de intervenção militar e de cerceamento da liberdade de movimentos dos palestinianos, acção que apenas poderá ser alcançada pela pressão dos EUA. A administração americana precisa de entender que para problemas no médio oriente já lhe chegam os que criou no Iraque, que a persistência na sua política pró-israelita apenas conduzirá à eternização da instabilidade na região e continuará a fornecer argumentos aos grupos islâmicos radicais, o que só deverá ser possível mediante uma mobilização da opinião pública mundial.

A UE, não pode alinhar nas teses americanas (que há semelhança das aplicadas no combate à Al-Qaeda se continuam a revelar de um primarismo muito perigoso), devendo representar uma efectiva alternativa ao posicionamento anti-palestiniano que a administração Bush pratica, sustentando a viabilidade do estado palestiniano, colaborar no sentido de eliminar o radicalismo do Hamas, mas sem esquecer que este foi escolhido pelo povo palestiniano para assegurar o seu governo.

Numa palavra a UE não pode, de modo algum, validar a tese americana de que as eleições só são boas quando os eleitos são os amigos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

PORTER ESTÁ DE VOLTA

Decorridos cerca de 15 anos desde a última visita bombástica a Portugal – quando veio dizer o que muitos economistas nacionais já tinham dito antes dele – para apresentar o célebre estudo de desenvolvimento baseado na premissa de que cada país ou região se deve especializar nos produtos para os quais dispõe de vantagens comparativas, eis que o reputado professor norte americano volta com novas ideias...

...o tema de modernidade é agora a ligação entre produção e ambiente (ou melhor a eficiência no aproveitamento dos desperdícios).

Também nesta matéria é do senso comum que um melhor aproveitamento dos recursos energéticos e das matérias-primas apenas pode resultar na redução dos custos de produção. A formulação de Michael Porter consiste em reproduzir o que quase intuitivamente todos sabemos.

Tal como aconteceu na sua anterior aparição nacional, também nesta não deixaram de se fazer ouvir algumas importante e bem fundamentadas críticas:

- a formulação de Porter não tem em linha de conta o grau de desenvolvimento tecnológico específico de cada economia;

- parece um modelo particularmente aplicável a países, como os EUA, que não ratificaram o protocolo de Kyoto sobre a limitação de emissão de poluentes.

De uma forma ou outra o polémico Michael Porter continua a marcar presença regular na agenda mundial, nem que seja com formulações tão desastrosas como a apresentada em 2001 sobre estratégias na Internet, com a qual não se livrou de ser comparado a um “velho do Restelo” que perante o fenómeno da comunicação em rede continua a olhar para a organização empresarial de integração vertical.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

ELEIÇÕES NA PALESTINA

Após as muitas vicissitudes que este processo conheceu nos últimos dias, em torno da autorização israelita para o funcionamento de assembleias de voto em Jerusalém-Este, da participação do Hamas e das delicadas negociações entre facções da Fatah que acabaram por acordar na apresentação de uma lista conjunta.

As notícias que hoje circulam têm dado conta de um clima da relativa euforia com que a população palestiniana viveu o processo de votação. Dividida na escolha entre a Fatah – organização que controla a Autoridade Palestiniana (espécie de governo local), de que foi líder Yasser Arafat e que actualmente atravessa uma divisão algo profunda entre os membros mais antigos (onde se destacam Mahmud Abbas e Ahmed Qurei) e os representantes das novas gerações profundamente empenhadas na Intifada (onde pontua como líder Marwan Barghuti, a cumprir uma pena de prisão perpétua em Israel) – e o Hamas, que após o assassinato pelos israelitas do Sheikh Ahmed Yassin, o seu líder histórico, e de Abdel Aziz al-Rantissi apresenta Mahmoud Al-Zahar como líder.

A estratégia israelita de impedir a realização de campanha eleitoral em Jerusalém-Este pelo Hamas e a ameaça de impedir mesmo a realização do acto eleitoral naquele território (parcialmente apoiada pelos EUA e pela UE), a par com as crescentes acusações de corrupção aos principais líderes da Fatah terá estado na origem das primeiras notícias que atribuíam grande favoritismo àquele grupo.

Porém, o acordo de última hora alcançado entre a velha guarda e a nova guarda da Fatah, que permitiu a apresentação de uma única lista encabeçada pelo carismático Barghuti, tem vindo a nivelar essa tendência.

Organismos internacionais têm produzido sondagens que atribuem agora a vitória à Fatah com cerca de 40% dos votos contra 30% para o Hamas. Estes dados que têm em conta o facto de ao acto eleitoral se apresentarem um total de 11 listas, parecem-me ser de encarar com a máxima precaução, tanto mais que perante um cenário de possível vitória do Hamas as autoridades israelitas até autorizaram as cadeias de televisão Al-Jazeera e Al-Arabiya a realizar entrevistas na prisão a Barghuti e personalidades ocidentais como ex-presidente americano Jimmy Carter participaram em apelos ao voto ao lado dos dirigentes da Fatah.

Jimmy Carter, que integra o grupo de 450 observadores internacionais às eleições palestinianas, não teve qualquer prurido em fazer campanha por aqueles que considera preferíveis para manter o processo de negociação com Israel.

A população de eleitores deve rondar cerca de um milhão e meio de palestinianos (os cerca de 4 milhões de refugiados ficam de fora), distribuídos pelos territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia; em Jerusalém-Este, com uma população de eleitores estimada em cerca de 100.000 palestinianos, apenas poderão votar cerca de 6.000, pelo que os restantes 94.000 terão que se dirigir aos territórios ocupados.

Neste ambiente caótico e num clima de profunda ansiedade o governo israelita poderá ver-se a braços com a necessidade de negociar com o Hamas (movimento que conseguiram ver integrado na lista patrocinada pela administração norte-americana das organizações terroristas mundiais), situação que os seus representantes não excluem completamente, apesar de do seu programa original constar a necessidade da supressão do estado de Israel.

De uma forma ou outra as potências ocidentais e a respectiva imprensa têm abordado o problema das eleições palestinianas numa perspectiva idêntica à que abordariam um processo semelhante em qualquer outra parte do mundo (veja-se o que aconteceu no final do ano passado com as eleições iraquianas), esquecendo que:

- a prática eleitoral, no sentido que lhe é dado no ocidente, é algo de totalmente estranho para as populações do médio-oriente;

- a Palestina não é propriamente um estado, no sentido ocidental ou em qualquer outro, mas sim um somatório de territórios militarmente ocupados por uma potência regional e onde não é permitida a livre circulação nem a livre associação de cidadãos.

Que diria a administração americana, campeã da defesa dos direitos humanos, se o governo chinês organizasse um processo eleitoral no Tibet?

Também enviaria consultores para realizar sondagens e encorajaria ex-dirigentes seus a participar em campanhas de apelo ao voto?

Qualquer que seja o resultado das eleições palestinianas a esmagadora maioria da população vai continuar a viver em condições extremamente precárias (do ponto de vista económico) e permanentemente sujeita aos abusos e arbitrariedades das forças israelitas (do ponto de vista militar e de segurança) enquanto o seu real problema não for resolvido – a constituição de um estado palestiniano auto-suficiente e livre da “pressão” do vizinho Israel – algo que só será possível quando a comunidade internacional exigir dos seus governos uma política de aplicação e cumprimento da resolução da ONU de 1947 que estabeleceu as fronteiras entre os dois estados – Israel e Palestina.

O FORUM DOS RICOS

Iniciou-se hoje na localidade suíça de Davos mais uma reunião do Fórum Económico Mundial (também conhecido como o Fórum de Davos) que reúne líderes políticos e empresários dos países mais desenvolvidos.

Este ano a reunião será subordinada ao tema do rápido desenvolvimento económico da China e da Índia e da entrada destes dois gigantes no mercado mundial e, como hábito das edições anteriores, contará com a presença das personalidades “responsáveis” pela condução dos destinos das grandes economias e das grandes empresas.

A partir deste tema central outros serão abordados, como o bloqueio nas negociações de liberalização do comércio internacional, no âmbito da cimeira de Doha da Organização Mundial do Comércio - para o qual se conta com a presença do comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson e dos ministros das finanças francês (Thierry Bréton) e inglês (Gordon Brown) - o preço do petróleo – está prevista uma intervenção do actual presidente da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o nigeriano Edmund Naukuru - e as pretensões iranianas sobre a energia nuclear (esta questão não faz parte de agenda oficial, mas será seguramente abordada).

Este fórum foi criado em 1971, sob a forma de uma organização internacional independente empenhada, na expressão dos seus mentores, na melhoria das condições mundiais por via do relacionamento entre líderes políticos e agentes económicos com vista à definição de agendas e programas de âmbito mundial, regional ou industrial. Por outras palavras, trata-se da concertação de estratégias que melhor potenciem a aplicação global dos princípios de funcionamento dos mercados segundo as regras e os interesses dos poderes (político e económico) instalados nos países dominadores da economia mundial.

Paralelamente com esta reunião, que encerrará no próximo dia 29, decorrerão no mesmo local as também já habituais manifestações dos movimentos anti-globalização e ainda

O FORUM DOS POBRES

que reunirá em Caracas (Venezuela) tendo por agenda o debate de temas como o poder político e lutas pela emancipação social, estratégias imperialistas e resistência dos povos, recursos e direitos para a vida, pluralidade e multiculturalidade, trabalho, exploração e reprodução da vida e dinâmicas e alternativas democratizadoras.

A organização está a cargo do Fórum Social Mundial que se auto define como um espaço de debate democrático de ideias, reflexão e formulação de propostas de movimentos sociais, redes e ONG’s que se opõem ao neoliberalismo e ao imperialismo, com caracter não confessional, não governamental e não partidário.

Normalmente participados por entidades empenhadas na construção de alternativas de desenvolvimento não baseado em modelos capitalistas, tem também contado com a participação de inúmeras personalidades mundiais entre as quais se destaca o conhecido activista norte-americano Noam Chomsky.

Este movimento que concretizou o seu primeiro fórum alternativo em 2001, na cidade brasileira de Porto Alegre (onde se realizaram quatro das cinco edições até esta data), prepara-se este ano para distribuir a sua actividade por Caracas, Bamako (Mali) e Carachi (Paquistão), não tem escapado a bom número de críticas (principalmente de partidos socialistas e comunistas) por se concentrarem num criticismo vago e generalista do neoliberalismo e do imperialismo, não produzindo ideias práticas; no oposto grupos anarquistas criticam-no por agir como centro de decisão para os grupos dissidentes, um pouco há semelhança do que em tempos fizeram as Internacionais Comunistas.

As forças apoiantes do Fórum Económico Mundial criticam-lhe a sua vertente anti-globalização por considerarem que a melhor forma de assegurar o fim da pobreza mundial continua a ser o modelo de produção e distribuição capitalista.

Em resumo, teremos dentro de alguns dias novas “pistas” sobre o que os países ricos e países pobres entendem venham a ser caminhos para o desenvolvimento e crescimento da economia mundial, centrando-se os primeiros em problemas como a distribuição e o preço da energia, enquanto os segundos se batem pela aplicação de preços justos às matérias-primas e um acesso equilibrado às fontes financeiras.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

NOTÍCIAS DO IRAQUE

Vindas do Iraque, parecem começar a chegar algumas boas notícias para os americanos. Segundo a REUTERS, os grupos de resistentes sunitas terão declarado guerra aos guerrilheiros da Al-Qaeda instalados na província sunita de Al-Anbar.

Na origem deste mudança de estratégia terá estado o atentado perpetrado no dia 5 de Janeiro deste ano, que provocou a morte de 80 candidatos à polícia na cidade de Ramadi, capital daquela província.

Este cenário, particularmente favorável às forças de ocupação, poderá generalizar-se nas províncias predominantemente sunitas, conduzindo a que americanos e ingleses passem a enfrentar dois tipos distintos de resistência. Para já está a ter como consequência directa o reforço de posições da Al-Qaeda na província de Dyiala, onde actualmente o exército iraquiano procura controlar a situação.

O tempo dirá se este cenário se manterá e se beneficiará ou não o futuro governo saído das eleições realizadas em Dezembro último, bem como as forças militares estacionadas no país.