quarta-feira, 8 de outubro de 2008

OUTRA VEZ O PREÇO DA GASOLINA

De acordo com esta notícia a Autoridade da Concorrência (AdC) vai iniciar uma «…investigação aprofundada ao mercado dos combustíveis (…) e que só estará concluída em Março de 2009, o regulador vai analisar novamente questões polémicas como as margens das petrolíferas, as «coincidências» nos preços e se existe ou não abuso da posição dominante por parte da GALP».

Ainda não tinha concluído a leitura deste primeiro parágrafo da notícia e já estava a antever as conclusões que serão apresentadas dentro de seis meses. Tal como aconteceu em Junho deste ano, na anterior audição do presidente da AdC na Assembleia da República, novamente se chegará a conclusão que não existe qualquer motivo para preocupação quanto ao funcionamento dos princípios da livre concorrência no mercado nacional de combustíveis.

Aparte o anúncio deste trabalho parecer uma óbvia mistificação do que no dia-a-dia sentem no bolso os automobilistas nacionais, o que o torna ainda menos credível foi a comunicação feita há dois dias pelo ACP[1] das conclusões de um estudo sobre o mercado dos combustíveis em Portugal[2], segundo o qual este não é concorrencial., pois além de parecer dominado pela GALP (esta empresa controla a refinação e domina a importação, o armazenamento, o transporte e o abastecimento das concorrentes), existe cooperação a nível contratual e institucional (trocam combustível, exploram em parceria infra-estruturas e fornecem-se reciprocamente) entre as principais empresas petrolíferas que controlam 70% da distribuição.

Estas conclusões, escritas preto no branco, mais não fazem que reforçar as dúvidas levantadas em torno do facto do “crude” ter descido cerca de 40% entre Julho e Setembro enquanto a gasolina e o gasóleo desceram apenas 6% e 10%, respectivamente, às quais se deverão adicionar outras realidades facilmente constatáveis como: a manipulação da informação em torno do uso do preço dos contratos de futuros para justificar a subida do preço dos combustíveis refinados[3]; o peso da especulação na subida dos preços nos mercados a prazo e à vista[4]; a inoperância da AdC e a importância da receita fiscal[5].

Perante esta realidade não será de estranhar que muitas dúvidas andem no ar sobre um aproveitamento das petrolíferas, hipótese tanto mais plausível quanto estas viram os seus lucros aumentar entre 30% e 60% no primeiro trimestre do ano relativamente ao período homólogo do ano anterior.

Embora os especialistas se mostrem divididos sobre as medidas a tomar para aumentar a concorrência no sector, o cenário de uma hipotética separação entre a produção e a distribuição (“unbundling”) é dos que recolhe mais opiniões favoráveis, isto apesar da GALP afirmar que os benefícios a recolher se resumiriam a uns meros dois cêntimos no preço do produto final.

Pessoalmente acho que a solução a adoptar deve ir mais além e, por ter um âmbito de aplicação mais vasto que o dos combustíveis, fundamentar-se em realidades que extravasam a mera discussão económica dos fenómenos da formação dos preços.

Começando por recordar que há anos que os responsáveis políticos nacionais vêm insistindo no argumento de que a concorrência originará preços mais favoráveis para os consumidores, mas que a realidade a que assistimos é muitas vezes bem diferente, talvez a primeira reflexão a fazer deva ser orientada para a própria organização dos mercados. É que afirmar que da simples privatização de empresas como a GALP, a EDP ou a PT e a abertura dos mercados em que operam a outros interessados é receita segura para o aumento da concorrência e, logo, para a descida dos preços ao consumidor, está tão longe da realidade como o esteve no desmembramento e privatização da antiga RODOVIÁRIA NACIONAL.

Se numa primeira fase se registou algum efeito positivo (a referida redução de preços) não tardou que o efeito de posição dominante daquelas empresas se traduzisse em prejuízo dos consumidores (subida dos preços e/ou degradação da qualidade dos serviços), mais que não fosse em consequência das ineficiências próprias dos mercados e do reduzido poder reivindicativo dos consumidores.

No caso do sector dos combustíveis os inconvenientes estão à vista de todos, ainda mais quando os governos que privatizaram a GALP não asseguraram os indispensáveis mecanismos de controlo e supervisão[6]. Como o constata o parecer encomendado pelo ACP quando, num mercado oligopolista, coexiste um nítido aumento dos resultados das petrolíferas com uma subida dos preços induzida pela subida dos custos, poucas dúvidas restam sobre a prática de concertação dos preços, tanto mais que a elevada interdependência entre os agentes facilita que aquela prática se registe de forma contínua e permanente.

Contrariando a posição da AdC, os autores do trabalho atribuem pouca ou nenhuma eficácia às medidas que apontam para o aprofundamento da concorrência ao nível dos retalhistas quando, ao nível ao nível da armazenagem se regista precisamente uma maior concentração nas mãos da GALP. Marginalmente referem ainda a necessidade de monitorização da actividade das duas associações do sector, a APETRO[7] e a ANAREC[8], e a de estender a análise ao conjunto do mercado ibérico, fazendo, inclusive, intervir a própria Comissão Europeia.

Talvez nada disto tivesse acontecido se, em detrimento de uma política de privatizações que atendeu principalmente os interesses da iniciativa privada e o aumento das receitas públicas, se tivesse optado por um processo de adequada racionalização da economia, abrindo à iniciativa privada sectores não estratégicos da economia e mantendo naqueles que fornecem bens e serviços essenciais às populações (e às empresas) uma forte presença de capitais públicos, única via para assegurar uma efectiva possibilidade de intervenção e de racionalização de preços e actuações (desde o nível estratégico até ao ético) que assegurem crescimentos económicos e sociais sustentados. Exemplos práticos do que não se devia ter feito é algo que, infelizmente, não faltam à nossa volta - desde a questão agora tão actual da formação do preço dos combustíveis até outras, igualmente polémicas, como a da partilha das redes fixas de telecomunicações (a PT, operadora de serviço fixo de comunicações, é proprietária de uma rede que deverá ceder à utilização de outros operadores), a degradação da qualidade do serviço privado de transportes públicos (fora dos grandes centros de Lisboa e Porto), a participação de empresas oligopolistas em sectores complementares (caso da GALP e da EDP no negócio do gás natural) - e que tudo o indica continuarão a repetir-se em processos como o da privatização das águas.
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[1] ACP é a sigla do Automóvel Clube de Portugal, uma das mais antigas associações nacionais que representa os interesses dos automobilistas nacionais.
[2] O relatório intitulado CONCERTAÇÃO E DEFICIT DE CONCORRÊNCIA NO MERCADO DOS COMBUSTÍVEIS é da autoria da Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados
[3] Para maior detalhe ver o “post” «ATENÇÃO AO QUE SE LÊ NOS JORNAIS».
[4] Esta questão foi abordada no “post” «BOICOTES».
[5] Ver a propósito o “post” «AINDA O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS».
[6] A forma como foi concretizada a operação de privatização e algumas das questões que a rodearam foram já objecto de comentário no “post” «O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS»
[7] A APETRO é a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, reúne as principais petrolíferas que operam em território nacional e tem por missão fomentar o estabelecimento e desenvolvimento de condições envolventes apropriadas, que facilitem uma operação responsável e lucrativa do sector petrolífero em Portugal,
[8] A ANAREC é a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis e representa os interesses dos revendedores de combustíveis (vulgo bombas de gasolina) que operam em território nacional.

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