Não faltaram ao longo da passada semana muitas e variadas matérias nacionais susceptíveis de abordagem. Desde o interessante, e bem revelador das insaciáveis necessidades financeiras do aparelho do Estado, negócio do SIRESP, passando pelos ecos e reacções à intervenção de Manuel Alegre numa iniciativa política com o Bloco de Esquerda e terminando no omnipresente “romance” do preço dos combustíveis, todos têm merecido a minha atenção.
No caso deste último continuam a surgir em cada dia novas (vestidas de novas roupagens ou despudoradamente enxovalhadas nas mesmas vestes e nos desgastados argumentos) notícias. Entre as primeiras poderá referir-se a apresentação no Parlamento do Relatório da Autoridade da Concorrência sobre o Mercado dos Combustíveis em Portugal com os resultados de investigação sobre a existência de um cartel entre as gasolineiras, de que, obviamente, o presidente daquela entidade assegurou não ter encontrado provas, nem sequer quanto à existência de entraves à acção de outros operadores no mercado, embora a VISÃO cite aquele responsável como tendo afirmado que «[n]ão detectámos que hajam obstáculos significativos, embora não esteja a dizer que não existam», afirmação que no mínimo poderá ser extrapolada para a primeira das conclusões e dizer-se que a AdC não detectou provas da existência de cartelização dos preços dos combustíveis, embora não possa dizer que aquela não exista.
Absurdo? De modo algum. A obtenção de provas incriminatórias quanto à organização de um cartel é algo que além de normalmente difícil (regra geral os seus membros não costumam “deixar rasto”) era absolutamente inviável logo que a tarefa foi publicamente encomendada pelo ministro Manuel Pinho; daqui a concluir que o relatório e as conclusões da AdC não passaram de mera operação de desinformação vai não só um passo, como um bem pequeno de dar.
Para completar esta encenação nem sequer faltou a pronta e rápida intervenção de um dos muitos escribas que regularmente veiculam nas páginas dos jornais nacionais, e noutras fontes de informação, as teses mais favoráveis aos poderes e interesses instalados, como foi o caso do editorial publicado no dia seguinte no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que partindo das irrefutáveis provas apresentadas pela AdC prontamente concluiu que estas constituíram «…uma verdadeira decepção para quem só vê conspirações à sua volta».
Esteve mal o director daquela publicação tomando o incerto por certo e os leitores por parvos, mas não se ficou por aqui, pois logo à frente disse que «[t]odos ganhamos em saber mais acerca da cadeia de valor (matéria-prima, refinação, armazenagem, transporte, retalho) que desagua nos preços alarmantes na bomba de gasolina», talvez referindo-se aos valores publicados pela AdC e pelo JORNAL DE NEGÓCIOS: mas que em boa verdade pouco mais esclarecem que o facto do principal responsável pelos elevados preços dos combustíveis ser a elevada carga fiscal (entre 50% e 60% em função do tipo de combustível). Por abordar continuam questões como: a formação do preço à saída da refinaria[1], o facto da GALP ser a única empresa a dispor de refinarias em território nacional e os elevados lucros que as petrolíferas apresentam. Se as duas primeiras foram abordadas no relatório da AdC, as conclusões apresentadas foram no sentido de afirmar que embora qualquer operador possa importar livremente combustíveis, não o faz porque negoceia descontos à saída da refinaria com a GALP, enquanto sobre a segunda a AdC não se pronunciou.
Embora, em jeito de conclusão, se possa concordar com a leitura que Francisco Louçã fez do relatório da AdC[2], isso, por mais evidente que o seja, não basta para fundamentar a crítica que temos que manter a uma situação que ameaça arrastar-nos no seu vórtice. Há muito que nos habituámos a ouvir (e a sentir na carteira) relacionar os preços dos bens essenciais ao custo dos combustíveis, pelo que esta situação não pode ser deixada em claro e ainda menos a respectiva evolução ao sabor dos interesses das petrolíferas ou dos seus principais clientes – os industriais do sector dos transportes rodoviários.
Para os primeiros, como referi no post intitulado BOICOTES, a situação é não só inevitável como altamente atractiva e dificilmente realizarão o mínimo esforço para contrariar a tendência altista dos preços. Para os segundos o que está verdadeiramente em causa não é o elevado preço dos combustíveis mas sim a crescente dificuldade em repercutir esses mesmos preços sobre os seus clientes e no aumento das suas margens; estivesse o tecido empresarial nacional disposto a acompanhar aqueles aumentos que não seriam seguramente os industriais da camionagem a erguer a voz (ou a mexer um dedo) para contestar a situação. A fragilidade da economia portuguesa e o avassalador empobrecimento da nossa população é que é o verdadeiro problema da crise dos combustíveis. Por incrível que possa parecer a AdC tem razão quando afirma que o nível médio dos preços dos combustíveis em Portugal é idêntico ao praticado no resto da Europa, o que aquele organismo não faz, nem os nossos governantes, é comparar o poder de compra do nosso país com o da média europeia. Aí sim é que a diferença se nota, como se pode concluir do último relatório sobre Salário Mínimo 2007, publicado pelo EUROSTAT, no qual se constata que o SMN em Portugal é apenas ligeiramente superior a 1/3 do valor médio de países como a Irlanda, o Reino Unido, o Luxemburgo, a Holanda, a Bélgica e a França (todas com SM superiores a 1.000€) e 80,7% do valor médio de países como a Grécia, Espanha, Malta, Eslovénia e Portugal, que tinham em 2007 um SM entre 400 e 1.000€.
Relação que não sofre grandes melhorias quando medida em PPC (Paridade de Poder de Compra), pois se relativamente ao primeiro grupo esta passa de 34,6% para 43,5%, já relativamente aos menos “ricos” se agrava dos referidos 80,1% para 77%. E que mais não faz que confirmar que face a um nível de rendimento das famílias mais baixo os aumentos dos combustíveis ganham contornos e um peso tanto mais preocupante quanto este é apenas mais um indicador da degradação do seu poder de compra.
Conhecidas as conclusões do estudo da Autoridade da Concorrência, a APETRO (Associação das Empresas Petrolíferas) e a ANAREC (Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis) manifestaram reacções contrárias, com a primeira a aplaudir os resultados e a segunda a reafirmar que há concertação de preços e concorrência desleal entre os operadores[3], mas a mais curiosa de todas foi a de Patrick Monteiro de Barros que, segundo notícia do DIÁRIO ECONÓMICO reuniu mesmo com o presidente da AdC para esclarecer os contornos da abortada intenção de instalação de uma terceira refinaria em território nacional, não controlada pela GALP, que se gorou há cerca de dois anos. Parecendo óbvia a inutilidade do contributo do trabalho apresentado pela AdC para minorar os efeitos da crise dos combustíveis, mantendo-se as condições macroeconómicas[4] para a continuação da tendência altista do preço do “crude” e a intransigência de mudanças na política fiscal, talvez acabemos por chegar à conclusão que acções de protesto como as organizadas por pescadores e camionistas, um pouco por toda a Europa, se irão tornar notícias de primeira página.
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[1] Sobre esta questão ver o “post” NOVAS ABORDAGENS.
[2] Ver com maior pormenor as declarações nesta notícia do PUBLICO.
[3] Estas reacções podem ser lidas em duas notícias do PUBLICO, esta sobre a ANAREC e esta sobre a APETRO.
[4] Que se podem resumir num cenário de fragilidade da economia norte-americana - traduzido na sucessiva desvalorização do dólar - agravado pela reacção dos países produtores de petróleo àquela desvalorização e origina uma natural subida dos preços do “crude”, as desastrosas consequência da política externa norte-americana para o Médio Oriente e a reorientação de investidores e especuladores do mercado de capitais para o mercado das “commodities”.
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