quarta-feira, 29 de outubro de 2008

MAIS UM ESCÂNDALO

Enquanto as cotações nos mercados bolsistas internacionais continuam a apresentar uma tendência de queda e as medidas de apoio aprovadas por americanos e europeus na última reunião do G7 parecem resultar cada vez menos (salvo para os principais responsáveis por toda esta trapalhada), quando, pasme-se, até alguns dos indefectíveis defensores da desregulamentação dos mercados e do ultraliberalismo surgem agora a afirmar a necessidade de novas e mais eficazes normas de regulamentação, talvez não seja já estranho que e o próprio campeão da livre concorrência e das políticas orçamentais restritivas, o FMI, se tenha apresentado a defender a necessidade dos governos implementarem orçamentos expansionistas, caso disponham de condições financeiras.

Se esta verdadeira revolução, naquela que vinha sendo a rigorosíssima prática do organismo que foi o principal responsável pela “exportação” da globalização aos quatro cantos do planeta, podia ser entendida sob diversos ângulos, que dizer da recente decisão do gabinete executivo do FMI de ilibar o seu director geral, o francês Dominique Strauss-Khan[1], das acusações de envolvimento num escândalo de contornos sexuais?

Embora sem qualquer ligação aparente não pode ser esquecido que a divulgação do referido escândalo pelo WALL STREET JOURNAL[2], ocorreu precisamente no dia em que Nicolas Sarkozy e Durão Barroso (presidentes em exercício da UE e da Comissão Europeia, respectivamente) chegavam aos EUA para conversações com George W Bush sobre a crise financeira, o que pode muito bem ter uma leitura mais vasta porque Sarkozy foi o grande impulsionador da nomeação de Strauss-Khan para o FMI.

Outras possíveis implicações, pelo menos para os grupos neoconservadores e para os grandes interesses que rodeiam a alta finança de Wall Street, podem estar ligadas com a muito controversa mudança de posição do FMI sobre questões como a da desregulamentação dos mercados, particularmente criticada por Straus-Khan num artigo publicado no LE MONDE em finais de Setembro.

As próprias conclusões da comissão de inquérito ilibando Strauss-Khan, tornadas públicas no passado sábado e prontamente noticiadas pelo LE MONDE, não deixam de contribuir para aumentar as dúvidas que há muito rodeiam esta personalidade, que agora continuará a desempenhar as suas funções mas numa posição bastante fragilizada (mesmo ilibado as dúvidas persistirão, fomentando o aumento das “pressões” internas e externas), e representam mais uma contribuição negativa para os processos de nomeação dos altos responsáveis de instituições como o FMI e o Banco Mundial[3].

Apesar de filiado no PS francês, Strauss-Khan é apontado por muitos como um “infiltrado”; muito próximo de Lionel Jospin (ex-primeiro-ministro francês, de quem foi ministro da economia e finanças) e de Jean-Christophe Cambadélis, personalidades indissociavelmente ligadas à chamada ala lambertista (corrente ligada à criação da IV Internacional, de influência trotskista[4] e historicamente classificada como próxima das correntes de pensamento americano e muitas vezes apontada como via de infiltração de agentes americanos), o próprio apresenta no seu percurso académico uma passagem pela Universidade de Stanford[5] a convite de Condollezza Rice e no percurso político, além de três comissões como ministro da indústria e como ministro da economia e finanças, a dúbia qualificação de ter surgido como terceiro candidato à investidura do PS para as últimas eleições presidenciais, da qual resultou a escolha de Ségolène Royal, considerada como candidato mais fraco para bater Sarkozy que Lauren Fabius.

Tudo isto poderá não passar de especulação, mas as dúvidas sobre os percursos políticos e as capacidades técnicas dos altos responsáveis mundiais não podem continuar a suscitar polémicas que muitas vezes acabam confirmadas, nem, a bem da credibilidade dos próprios organismos, estas nomeações podem continuar a resultar de manobras políticas de bastidores das quais invariavelmente resultam a escolha de um “político” com evidente prejuízo dos verdadeiros especialistas.
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[1] Político francês de ascendência judaica, economista de formação, membro do PS francês e ex-ministro da indústria e da economia e finanças em três governos socialistas (Edith Cresson, Pierre Bérégovoy e Lionel Jospin), foi candidato à investidura pelo PS para a corrida presidencial, contra Ségolène Royal e Lauren Fabius, e até à sua nomeação para o FMI exercia funções de consultoria.
[2] A notícia pode ser lida aqui.
[3] Recorde-se a propósito que o anterior presidente do Banco Mundial e grande protegido de George W Bush, o americano Paul Wolfowitz, também se viu envolvido num escândalo de idênticos contornos que forçou a sua demissão. Sobre este tema ver os “posts”: «A CULPA É DO MACACO» e «BONS AMIGOS».
[4] Continuador da corrente de pensamento originada em Leon Trotsky, político russo opositor de Stalin, defensor do princípio da “revolução permanente” (donde resulta o epíteto de internacionalistas aos seus seguidores) em oposição ao conceito estalinista da “revolução num só país”.
[5] A Universidade de Stanford é vulgarmente considerada como o bastião académico do Partido Republicano, e a passagem de Strauss-Khan coincide com a de bom número dos neoconservadores futuros apoiantes da administração Bush.

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