Se para os segmentos mais informados da população o diagnóstico que Cavaco Silva apresentou até poderá pecar por ser benigno, pois mais haveria seguramente a referir além das dificuldades financeiras das famílias, das dificuldades na obtenção do primeiro emprego e das originadas no crescente desemprego, das crescentes formas de pobreza e de exclusão social, das chocantes disparidades de rendimentos, dos fracos índices de crescimento económico, do agravamento do fosso para os nossos parceiros europeus, do elevado endividamento externo e das disparidades regionais, não seria importante para todos os portugueses que o Presidente da República também participasse na explicação de tanta ineficiência governativa?
É que, importa não esquecer, o actual titular do mais elevado cargo da magistratura nacional é, além de reputado economista, um dos ex-governantes nacionais (foi primeiro-ministro entre 1985 e 1995), co-responsável pelo estado a que o país chegou.
A queda no rendimento das famílias (e principalmente das inúmeras que vivem exclusivamente do seu trabalho) e dos reformados não é um fenómeno recente, antes resultado da prática da indexação das renovações salariais anuais a um indicador ficcionado como o é o da inflação esperada, prática que remonta ao tempo dos governos de Cavaco Silva, como o comprova este ACORDO SOBRE POLÍTICA DE RENDIMENTOS PARA 1988 firmado pelo Conselho Permanente de Concertação Social; as dificuldades dos jovens para entrarem no mercado do trabalho são igualmente antigas, tanto quanto as desajustadas políticas educativas e as ainda piores iniciativas de requalificação da mão-de-obra; desemprego tem sido uma das realidades com que a população portuguesas mais se tem debatido nas últimas décadas, agravada ainda pela fraca escolaridade e pior iniciativa empresarial de investimento, que nem os planos e incentivos ao investimento e à criação de emprego (não deve ter havido governo que não tenha apresentado o seu, mas a realidade é que um após outro nenhum conseguiu efectivamente melhorar a situação) conseguiram melhorar.
Se, como vimos, o contributo de Cavaco Silva e dos seus governos foi ineficaz para resolver os problemas do emprego, da distribuição de rendimentos e até do investimento (que na prática acabam por originar e justificar o crónico atraso relativamente aos nossos parceiros comunitários) que dizer da sua actuação no campo do combate à desigualdade social e às disparidades regionais. Para sintetizar o efeito das políticas que prosseguiu bastará recordar que foi durante os seus governos que se deu início à famigerada “política do betão e do alcatrão” que além de ter esbulhado milhões de euros das transferências comunitárias que deveriam ter sido canalizadas para a modernização do tecido industrial nacional e/ou para a formação de quadros, ainda foi responsável pelo avolumar da tendência de desertificação do interior do território.
Posto isto, todo o discurso de Cavaco Silva foi negativo? De modo nenhum! O apelo à mobilização de vontades não pode deixar de ser referenciado como um dado positivo, mas… a que vontades apelou o Presidente?
À dos trabalhadores, cansados de esperarem ver um dia reconhecidas as capacidades que no estrangeiro há muito são apreciadas, mas que internamente os patrões se recusam a recompensar com salários justos e valorizadores?
À dos reformados, que além de se verem muitas vezes considerados como um peso (para as empresas e para a sociedade) ainda vêm a sua fraca qualidade de vida cada vez mais deteriorada a ponto de até já os cuidados básicos de saúde lhes serem negados (que outra coisa se pode pensar quando o SNS apresenta índices de qualidade e de proximidade cada vez menores e os políticos valorizam nos seus discursos as parcerias público/privado para assegurarem serviços dos quais os mais carenciados estão quase automaticamente excluídos)?
À dos empresários, que ainda há dias o mesmo Cavaco Silva acusou de excessiva dependência do proteccionismo do Estado[1],ou aqueles cujo processo de acumulação de capital tanto facilitou com o programa de privatizações que iniciou enquanto primeiro-ministro?
À dos jovens, que de pois de terem sobrevivido ao papel de perpétuas cobaias de um sistema de educação que persiste em não conhecer estabilidade ainda têm de se confrontar com a reduzida dimensão do mercado de trabalho nacional e “agradecer” a possibilidade de nunca encontrarem a estabilidade profissional que lhes proporcione a hipótese de constituírem família?
Ou seria que o Presidente da República estava apenas a referir-se à “boa vontade” com que os portugueses têm assegurado a sobrevivência de uma classe política manifestada carenciada de valores e de capacidades?
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[1] Ver a notícia da TSF, aqui.
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