quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS

Não foi desprovido de curiosidade que li a notícia do EXPRESSO on line sobre o «Preço dos combustíveis», tanto mais que esta se centrava na abalizada opinião de Paulo Portas sobre o assunto.

Conhecida a habilidade deste insigne político nacional para cavalgar qualquer onda política que lhe proporcione a visibilidade que as suas naturais aptidões não lhe conseguem garantir, não é de estranhar que venha agora abordar uma questão que volta à ordem do dia nacional – o desajustamento entre os anunciados preços internacionais do “crude” e os dos combustíveis vendidos no mercado nacional. Também não é estranho que, agora que o preço do “crude” desce, como quando o mesmo preço subia perdure o sentimento generalizado de que algo não “bate certo” neste mercado.

Tal como o escrevi noutras oportunidades[1], a questão não se resume a avaliar a correlação entre a variação do preço internacional do “crude” e o preço para o consumidor final dos combustíveis, nem a medir o efeito resultante da oscilação das divisas envolvidas na operação (os contratos sobre o “crude” são fixados em dólares americanos e o preço dos combustíveis em Portugal é fixado em euros) ou se reduz à vigilância da Autoridade da Concorrência (que obviamente mais não pode fazer que avaliar a existência de eventuais práticas de abuso de concorrência[2]) mas à questão que reside no processo de formação interna dos preços.

Assim, a risível proposta de Paulo Portas para que o ministro da economia, Manuel Pinho, explique o injustificável, constitui apenas uma manobra de propaganda à qual é fácil augurar um nulo efeito económico e um reduzido resultado político e é tanto mais ridícula quanto o seu autor foi ministro de estado e da defesa do governo (chefiado por Durão Barroso) responsável pela publicação da portaria[3] que liberalizou os preços dos combustíveis e em cujo preâmbulo se pode ler: «[o]s preços dos combustíveis «...» têm estado sujeitos a um regime de preços máximos de venda. Apesar de esses preços variarem essencialmente em função dos custos do petróleo, dos limites do imposto (ISP) e haver liberdade de fixação de preços abaixo do limite máximo, tem-se verificado que esse limite tem funcionado como preço de referência, adoptado pela generalidade dos revendedores. Essa prática conduz aos efeitos que um regime de preços administrativos teria, com a consequente ausência de desejável concorrência e dos benefícios para os consumidores. Seguindo a linha programática do Governo, considera-se oportuno que a política de preços da energia, e em particular dos combustíveis, assuma um carácter cada vez mais liberalizador, a exemplo do que já ocorreu nos outros Estados membros da União Europeia. Assim, a gasolina sem chumbo 95, o gasóleo rodoviário e o gasóleo colorido e marcado deixam de estar sujeitos ao regime de preços máximos de venda ao público, favorecendo a concorrência no sector».

Como tão beatificamente propunha o citado diploma, a iniciativa da liberalização pressupunha a criação de condições para o aumento da concorrência e benefícios para os consumidores; porém, como muitas vezes o tem referido Joseph Stiglitz (ex-conselheiro económico de Bill Clinton, ex-vice-presidente do Banco Mundial e Prémio Nobel de Economia), em situações de monopólio estes são extremamente eficientes a explorar essa posição de vantagem em detrimento dos consumidores. Como é do conhecimento geral esta era, e é, a situação da GALP na medida em que embora partilhando o mercado de retalho com outros operadores é o único refinador e o maior armazenador e distribuidor nacional, pelo que os restantes operadores se limitam a seguir paulatinamente os preços que aquela fixa.

Associada à liberalização devia estar uma adequada monitorização e disponibilização de informação à Administração Pública, de forma a garantir uma concorrência efectiva, assumindo neste quadro um papel de relevo a Autoridade da Concorrência[4], mas o que tem ressaltado da actuação desta é uma mera validação do comportamento (leia-se fixação de preços) da GALP, tanto mais que nem o governo dispõe de qualquer mecanismo que lhe permita influenciar o preço cobrado à saída dos postos de abastecimento dos combustíveis, nem lhe interessa uma tal hipótese, na medida em que a receita fiscal é parte significativa daquele preço.

Pedir explicações sobre o preço dos combustíveis a um membro do governo, como pretende Paulo Portas[5], é ridículo e em simultâneo constitui uma manobra para escamotear a realidade aos olhos dos consumidores, uma vez que nem este governo, nem outro qualquer, dispõe de mecanismos de intervenção depois de que, em 1999, o governo de António Guterres, privilegiando o primado da soberania do mercado e da livre concorrência, decidiu avançar com a privatização do único operador nacional no sector dos combustíveis – a GALP[6] –, concretizando a opção assumida 9 anos antes pelo governo de Cavaco Silva e vendendo mais de um 1/3 do capital da gasolineira nacional ao consórcio PETROCONTROL, liderado pela gasolineira francesa TOTAL; na prática, Cavaco Silva[7] e Guterres, mais não fizeram que aplicar à letra as regras ditadas anos antes pelos especialistas do FMI que monitoraram (e financiaram) a economia portuguesa durante as décadas de 70 e 80.

Perante estes factos duas observações podem (e devem) ser feitas: a primeira sobre as virtualidades do modelo de liberalização preconizado pelo FMI; a segunda sobre a adequabilidade (e o controlo) do algoritmo de calculo utilizado.

A liberalização dos mercados a todo o custo tem sido a imagem de marca dos ortodoxos defensores do primado da “mão invisível” como entidade esotérica de resolução de todos os problemas. Uma espécie de entidade mística que tudo resolverá e que assim isenta de responsabilidades os seus fieis seguidores. No caso português (como em tantos outros por esse mundo fora onde o FMI impôs a sua lei) a aplicação cega duma política de desestatização de sectores chave da economia sem o prévio cuidado de regulamentação e de criação de efectivas condições de concorrência resultou em situações de formação de monopólios privados actuando à margem de toda e qualquer lei.

A prova real da ineficiência dos escassos mecanismos de controlo dos preços, a nível nacional, é tanto mais verificável quanto no último trimestre se constatou uma redução superior a 30% na cotação do “crude” que em termos de preço final dos combustíveis em Portugal se traduziu numa descida de 8% no gasóleo e 4% nas gasolinas (16% e 8% antes de impostos) e, segundo refere Pedro Santos Guerreiro numa crónica no JORNAL DE NEGÓCIOS, o próprio comissário Europeu da Energia, Andris Piebalgs, diz que a Autoridade da Concorrência «…"tem de acompanhar melhor o mercado dos combustíveis", para "confirmar permanentemente que não há práticas de cartelização entre as gasolineiras"».
___________
[1] Mais directamente ligados com esta questão podem consultar os “posts”: «ATENÇÃO AO QUE SE LÊ NOS JORNAIS», «BOICOTES» e «AINDA O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS»
[2] A propósito da actuação da Autoridade da Concorrência, veja-se o que a TSF noticiou, sob o título «Especialista critica acção fiscalizadora de Autoridade da Concorrência», que se pode resumir nas próprias palavras do especialista António Costa e Silva: «Alguma coisa está errada aqui ou em termos do algoritmo ou em termos da fiscalização que a Autoridade da Concorrência claramente não faz».
[3] Portaria nº 1423-F/2003
[4] Pode confirmar aqui o teor da sua missão.
[5] Notícias de última hora (lida aqui no DIÁRIO DIGITAL) dão conta de idêntica intenção manifestada pelo PSD.
[6] A Galp Energia, SGPS, S.A. foi constituída em 22 de Abril de 1999, sob a denominação GALP – Petróleos e Gás de Portugal, SGPS, S.A., em resultado da reestruturação do sector energético em Portugal, para operar no sector petrolífero e do gás natural. A Galp Energia agrupou a Petrogal, a única empresa refinadora e principal distribuidora de produtos petrolíferos em Portugal e a GDP, sociedade responsável pela importação, transporte e distribuição de gás natural em Portugal. Actualmente, a Galp Energia é o principal Grupo integrado de produtos petrolíferos e gás natural do país, com uma presença crescente em Espanha e uma actividade em desenvolvimento no sector da produção e de fornecimento de energia eléctrica. (in http://investor.relations.galpenergia.com/galpir/vPT/Galp_Energia/Fact_Sheet/).
A Petrogal – Petróleos de Portugal, foi constituída em 1976, integrando o projecto de nacionalizações e resultou da fusão de quatro empresas petrolíferas – SACOR, Petrosul, Sonap e Cidla. Até ao início da década de 90 foi uma empresa de capitais exclusivamente estatais. Em 1990, o governo anuncia a sua decisão de privatizar determinadas empresas, nas quais a Petrogal estaria incluída. Em finais de 1990 e princípios de 1991 forma-se um consórcio nacional, a Finepetro, que incluía o Grupo Espírito Santo, o Grupo Champalimaud, o Grupo José de Mello, Manuel Bulhosa, o Grupo Roquete, Parfil e a Fundação Oriente. A Finepetro associada a um parceiro estrangeiro, a Total cria a Petrocontrol S.G.P.S, ficando com 51% das acções deste grupo. O Decreto Lei 353/91 de 20/09/1990 definia o quadro geral da privatização da Petrogal. O único concorrente que se apresentou a concurso foi a PetroControl, ficando a estrutura accionista da Petrogal, repartida na primeira fase do concurso, em 25% para o grupo Petrocontrol e os restantes 75% para o Estado. Nesta primeira fase, a Petrogal viveu momentos um pouco difíceis, após o conhecimento em finais de 1992 que o Estado teria tomado a decisão de realizar a Expo 98, obrigando ao desmantelamento de todas as instalações de Cabo Ruivo. A Petrocontrol sofre algumas alterações no seu capital accionista, com o Grupo Roquete a vender a sua participação ao Tota, e com o abandono de Manuel Bulhosa e da Total, que vende os seus 49% de participação na Petrocontrol ao Governo Português. Numa segunda fase de privatização, em 1995, a Petrocontrol aumenta o seu capital accionista para 45%, quedando-se o Estado com 55%. Até 1999, ano da sua integração na Galp Energia, a Petrogal finaliza a operacionalidade do pipeline de Sines e a dessulfuração do gasóleo, aumenta a sua penetração na África Lusófona e adquire em cerca de 20% o Capital da Trangás. (in http://www.historia-energia.com/Por2/glossario_detalhe.asp?idGlossario=191)
[7] Segundo a TSF on line, também o actual Presidente da República se referiu hoje à candente questão, considerando-a «complexa» e dizendo que «não se pode responder de forma muito apressada», para mais num contexto de «crise financeira internacional muito forte». Por outras palavras, pouco mais que banalidades e pior, para um economista de renome, misturando problemas como a formação de preços no mercado doméstico com uma crise financeira internacional originada num processo de desbragada especulação.

1 comentário:

j. manuel cordeiro disse...

Não conhecia o seu blog. Vim cá parar por uma pesquisa sobre combustíveis. Parabéns pelo trabalho.