domingo, 5 de outubro de 2008

QUO VADIS EUROPA[1]

Agora que é segura a aprovação do plano Paulson para a recuperação da crise em Wall Street, ou o que quer que seja isto significa, o que irá suceder na velha Europa…

Depois dos primeiros sobressaltos registados na Europa, ainda no ano passado, e originados na ramificação dos primeiros efeitos do avolumar do incumprimento no crédito norte-americano dito “subprime”, expressos na redução dos resultados dos principais bancos europeus (de que esta notícia do LEMONDE foi exemplo) e que se propagaram até à nacionalização do banco inglês Northern Rock (aqui noticiada pela BBC), seguiu-se um período de regulares notícias sobre as injecções de liquidez do BCE no mercado interbancário, enquanto em Wall Street o sector bancário era atingido por uma vaga de vendas e fusões (Bear Sterns, Merril Lyinch), nacionalizações (Fannie Mae, Freddie Mac e AIG) e até falências (Lehmann Brothers).

Na Europa, além das óbvias quedas dos índices bolsistas dos mercados de capitais, o sector bancário só nas últimas semanas registou a segunda vaga de agitação, com as nacionalizações do Bradford & Bingley, pelo governo inglês, e do Fortis e do Dexia pelas intervenções conjuntas dos governos inglês, francês e dos países do Benelux. Esta realidade trouxe de novo à primeira linha do debate europeu a situação do mercado financeiro mundial, tanto mais que coincidiu com o debate, nos EUA, da proposta da administração norte-americana, que ficou conhecida como o plano Paulson e em reacção ao qual o actual presidente em exercício da UE, o francês Nicolas Sarkozy, convidou para uma reunião Gordon Brown, Angela Merkel e Silvio Berlusconi, (os seus congéneres inglês, alemão e italiano) e ainda os presidentes da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do BCE, Jean Claude Trichet.

Se da proposta de ordem de trabalhos constava a discussão da actual crise, nos jornais já tinham começado a circular rumores de uma proposta francesa para a constituição de um fundo de 300 mil milhões de euros, para acorrer às necessidades dos bancos mais atingidos pela crise mas que face à imediata recusa alemã foi prontamente retirada[2], já das conclusões pouco se pode concluir de muito concreto sobre o assunto. Como já se vem tornando hábito nas reuniões de cúpula da EU, os estados-membros estão sempre de acordo num ponto – as políticas necessitam de ser coordenadas entre os diferentes estados-membros – mas raramente conseguem outro consenso além daquele.

Assim, nas vésperas da reunião do EUROGRUPO e do ECOFIN[3], a UE continua a revelar a mesma falta de capacidade de estruturação de políticas comuns que já revelou em tantas outras ocasiões; não que a proposta francesa constituísse alguma inovação – na prática dificilmente se poderia esperar de Sarkozy, um fiel seguidor das políticas norte-americanas, algo de diferente – mas a perspectiva de uma Europa incapaz de gizar uma estratégia comum para enfrentar a crise originada em Wall Street, também não augura nada de bom para os mais de 320 milhões de europeus, salvando-se apenas a ideia de solicitar ao BEI uma linha de 31,5 mil milhões de euros para apoio às PME europeias.

A confirmar esta realidade (e o verdadeiro descalabro que poderá constituir a ideia de deixar a cada estado-membro a decisão sobre as iniciativas a tomar) veja-se o recente exemplo da Irlanda e da intenção manifestada pelo seu governo de garantir os depósitos bancários que suscitou uma imediata afluência de capitais britânicos, receosos da situação financeira dos bancos nacionais.

Em anteriores ocasiões[4] procurei apresentar as razões que me parecem contrariarem a eficácia da ideia de que o mais importante para a economia é assegurar a salvaguarda dos bancos, que presidiu ao plano Paulson, pelo que a mesma linha de raciocínio se deverá aplicar na Europa, para mais quando muitos destes apresentam um volume de responsabilidades que chega a ultrapassar o PIB dos países onde têm a sua sede.

Tal como do outro lado do Atlântico, também na Europa se ouvem algumas vozes de governantes apelando à necessidade de revisão das regras de funcionamento (ou contra a sua total ausência) dos mercados de capitais, como destacou o JORNAL DE NEGÓCIOS relativamente a Nicolas Sarkozy, mas importa não esquecer que o actual estado de desregulamentação daqueles mercados é, normalmente, consequência da permissividade que esses mesmos governantes revelaram em anteriores ocasiões, pelo que as intenções agora manifestadas não deverão passar disso mesmo.

A atestar por tudo isto, a próxima reunião do ECOFIN deverá revelar-se tão pouco produtiva quanto o foi a reunião do G4[5] que ontem teve lugar em Paris; a situação financeira mundial deverá continuar a degradar-se (a BBC noticiou hoje que o segundo maior banco hipotecário alemão, o Hypo Real Estate, se encontra à beira da falência depois deterem fracassado as negociações com o governo alemão e um grupo de bancos[6]) enquanto os políticos se dividem sobre a estratégia a seguir e os eurocratas não param de lembrar as limitações do Plano de Estabilidade, como o fez Durão Barroso e o noticiou o PUBLICO.

Enquanto a Europa revela este nível de unidade e esta capacidade de entendimento, em Portugal o governo de José Sócrates continua a assegurar que o sector financeiro nacional é sólido (mesmo quando o DIÁRIO ECONÓMICO considera os bancos portugueses entre os mais alavancados e o JORNAL DE NEGÓCIOS recorda que a redução da exposição da CGD à REN e AdP liberta capital) e o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos quer resultados da minicimeira de Paris debatidos pela EU, pelo que bem podemos todos perguntar: Quo vadis Europa?
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[1] Quo vadis, expressão Latina que significa “Para onde vais?”
[2] Esta notícia do PUBLICO é apenas um exemplo das que podiam ser encontradas sobre a matéria.
[3] O EUROGRUPO é uma organização não formal da UE que engloba os ministros das finanças dos países da zona Euro, enquanto o ECOFIN é o conselho que reúne os titulares da mesma pasta de todos os estados-membros.
[4] Ver a sucessão de “posts” intitulados «O COLAPSO DE WALL STREET»
[5] Designação pela qual são conhecidos os quatro países de UE (França, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália) que integram o grupo dos países mais ricos e que é normalmente conhecido por G8.
[6] Na sequência desta notícia, AFP informou que Alemanha garante depósitos bancários e tenta salvar gigante hipotecário.

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