sábado, 31 de outubro de 2009

RECESSÃO OU RECUPERAÇÃO?

Quando a Europa se debruça sobre a delicada questão da escolha do futuro presidente da UE (agora que as dúvidas sobre a aplicação do Tratado de Lisboa, se alguma vez as houve, estão totalmente dissipadas), a NATO atravessa a fase mis delicada e mortífera da sua presença no Afeganistão, a generalidade do Médio Oriente vive mais uma fase de recrudescimento da violência bombista (raros têm sido os dias sem notícias de novos e mortíferos atentados no Iraque, no Afeganistão ou no Paquistão), como não escolher para reflexão a notícia que recentemente saltou para a ribalta, anunciando o fim da recessão nos EUA[1].

Com maiores ou menores encómios a generalidade dos meios de comunicação não deixou de embandeirar em arco perante a primeira variação trimestral positiva do PIB americano desde o segundo trimestre de 2008; fazendo fé nos títulos de notícias, como a publicada pelo I, de que a «Economia dos EUA cresce já ao ritmo anual de 3,5%», ou a publicada pelo PUBLICO, que diz que a «Economia dos EUA sai da recessão e cresce 3,5 por cento no terceiro trimestre», poder-se ia inferir que a crise estaria resolvida, porém de uma leitura mais atenta do conteúdo destas notícias e de outras (como esta do LE MONDE) ressalta uma outra realidade.

Primeiro, a taxa de crescimento anunciada para a economia norte-americana é uma taxa anualizada (qualquer coisa de parecido com dizer-se que o crescimento verificado resultaria naquele valor se se verificasse ao longo de doze meses) pelo que o valor real da variação terá rondado os 0,9%. Não é que este valor seja irrelevante, mas é inegável que não tem o mesmo impacto que o número anunciado.

Segundo, o crescimento agora verificado (seja anunciado em termos anuais ou não) representa um crescimento muito inferior ao das quedas registadas nos trimestres anteriores, o que em termos práticos significa que a economia recuperou muito pouco do muito que caiu.

Terceiro, a variação registada num trimestre pode ou não repetir-se nos períodos seguintes, facto tanto mais reconhecido que normalmente só se afirma que uma economia está em situação de recessão quando o decréscimo se repete durante pelo menos dois períodos (aquilo que normalmente se designa por recessão técnica), pelo que a euforia deverá ser adiada até à confirmação ou à negação da tendência agora evidenciada.

Mesmo que se considere natural a forma pronta como a administração Obama já veio lembrar que estes resultados demonstram a justeza das suas políticas anti-recessivas, nem por isso o próprio presidente deixou de assinalar que ainda existe um longo caminho a percorrer até a completa recuperação da economia, como referiu a BBC NEWS nesta notícia.

Mas o mais curioso destas leituras é que os próprios jornais publicam a par destas outras notícias que continuam descrever o estado cada vez mais calamitoso do emprego ou, como o faz o ECONÓMICO, anunciando que os «Banqueiros esperam bónus recorde em 2009». Embora aparente, não existirá grande contradição nestas notícias porque se trata de retratar na prática realidades muito diferentes.

As notícias sobre os crescimentos ou as retracções do PIB (e doutros indicadores económicos) constituem abordagens de carácter técnico e são basicamente oriundas de trabalhos estatísticos que não raras vezes parecem distantes do dia-a-dia que vivemos. As que reportam o encerramento de empresas e o número de trabalhadores despedidos ou a despedir, resultam da realidade empresarial que pode ser tão diversa quão díspar é a dimensão das empresas e se algumas são fruto das dificuldades das economias e da redução do consumo em geral, outras prefiguram estratégias de gestão para assegurar a manutenção ou o aumento do volume dos resultados mediante a mera redução dos custos (os mais fáceis de aplicar) e de efeito mais rápido.

Já as que dizem respeito às expectativas de ganhos dos banqueiros servirão principalmente para reforçar a ideia de que ao contrário do muito que se tem dito e escrito sobre a necessidade de reformar o sistema financeiro mundial, nada foi realmente feito nesse sentido.
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[1] Exemplo disso é esta notícia do FINANTIAL TIMES, da autoria de John Authers.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

NARAYAMA-BUSHI KÔ[1]

Com a aproximação do Dia Mundial da Terceira Idade, que hoje se assinala, e da realização de uma conferência europeia sobre pobreza e exclusão social, em Bruxelas, várias têm sido as notícias sobre o assunto. Desde a do DIÁRIO DIGITAL que, referindo um recente estudo da DECO, assegura que «40 mil idosos passam fome em Portugal por dificuldades económicas», ou a do PUBLICO que, sustentada nos dados adiantados de um estudo do Eurobarómetro, afirma que «Mais de 40 por cento dos portugueses acham que pobreza aumentou muito», mas nenhuma me impressionou tanto quanto a que o LE FIGARO publicou há dias sobre a situação da Terceira Idade no Japão.

Não que a questão dos baixos rendimentos da esmagadora maioria dos aposentados não seja um problema real (duro, desumano e injustificável), mas pior mesmo parece-me ser a quase total insensibilidade com que os poderes estabelecidos (desde o nível local até ao da UE) têm encarado o problema do envelhecimento das populações e a situação de crescente abandono em que os grupos mais idosos estão a ser obrigados a viver.

Ninguém hoje negará o facto de há muito terem morrido e sido enterradas as velhas estruturas familiares. Longe vão os tempos em que as unidades familiares constituíam uma sólida referência (moral e tantas vezes económica) para as gerações mais novas; impelidos pela necessidade de procurar trabalho (ou apenas aliciados pelas perspectivas de aparentes melhorias de vida) os jovens foram sendo desenraizados para distâncias cada vez maiores dos locais de nascimento enquanto os idosos (seja por razões culturais ou de mero hábito, por arreigada tradição ou um reconhecido medo do desconhecido) a eles permaneceram agarrados e hoje comunidades outrora vivas e dinâmicas transformaram-se em locais desertos de esperança e onde entre dificuldades crescentes se espera a morte.

E entre as dificuldades não se conta apenas os parcos recursos resultantes das baixas reformas e pensões sociais, mas também a quase completa ausência de sistemas de assistência social e até das mais elementares redes sociais.

Este cenário não é exclusivo do interior do país, pois até nas periferias dos principais centros urbanos este já começa a ser um fenómeno recorrente, seja ele originado na sobrecarga dos horários de trabalho (dos que ainda têm trabalho) seja na evidente inversão da pirâmide etária. O abandono dos mais velhos é também consequência da redução da natalidade (ainda e sempre os famigerados factores económicos e sócio-profissionais que determinaram não só a generalizada admissão das mulheres no mercado de trabalho mas também a pressão profissional que sobre elas é exercida durante o chamado período fértil) e da moderna organização do trabalho que ao invés de ter proporcionado menores tempos de trabalho resultou no prolongamento dos horários e nas exigências de disponibilidade que são impostas aos trabalhadores.

A intervenção sobre este cenário não pode ser deixada à responsabilidades dos mais jovens, seja pela urgência seja pelo facto destes poderem ainda não sentir a premência da acção, cabendo na íntegra aos que já vivem a idade activa (e vêem mais próximos os problemas) e aos quais a inércia acarretará um de duas duras realidades: definharem como agora vêem definhar os mais velhos ou prolongarem a permanência na vida activa até ao absurdo...

Mas o mesmo não se deverá dizer relativamente aos governos e aos poderes autárquicos, dos quais se deverá exigir maior intervenção e aproveitamento da conjuntura. É que esta situação de aumento do desemprego pode muito bem constituir uma excelente oportunidade para a utilização de parte da mão-de-obra dispensada para a criação de redes locais de apoio aos mais idosos e para a dinamização de estruturas de apoio aos mais jovens.
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[1] Título original do filme de Shohei Imamura (A Balada de Narayama) que retrata a tradição de uma antiga aldeia japonesa cuja crónica escassez de alimentos conduziu à instituição de uma norma, cujo não cumprimento seria vergonhoso para toda a família, que consistia em transportar os anciãos que completassem 70 anos até ao topo de uma montanha para lá morrerem.

sábado, 24 de outubro de 2009

50º ANIVERSÁRIO DE ASTÉRIX E OBÉLIX

Numa semana plena de acontecimentos o mais marcante poderia bem ser o do anúncio do novo elenco governativo de José Sócrates – com o habitual desfile de entradas saídas de ministros, as manifestações de júbilo dos escolhidos ou o ranger de dentes dos preteridos -, a decisão do jovem Jean Sarkozy[1] (segundo filho do inefável Nicolas Sarkozy) de abdicar da candidatura ao lugar de presidente do EPAD[2] mas não a um lugar no conselho de administração, ou o desenrolar do rocambolesco “affaire” Clearstream[3]; porém o que me parece digno de assinalar foi o lançamento de mais um álbum da saga Astérix e Obélix (diz-se que o último realizado por um dos seus criadores ainda vivo) coincidente com a comemoração do cinquentenário da publicação da primeira história, na revista PILOTE.

A edição de 3 milhões de exemplares ocorreu simultaneamente em 15 países (Portugal incluído), o que constitui por si só facto marcante no mundo editorial; no mesmo mês que viu há cinquenta anos o seu “nascimento” numa das revistas juvenis mais vendida da época e que então era dirigida por René Goscinny, o já falecido autor dos melhores argumentos das aventuras e desventuras da irredutível aldeia gaulesa e dos seus principais guerreiros, que durante a sua curta existência (faleceu em 1977 com 51 anos) produziu algumas das melhores páginas da banda desenhada francesa e mundial, que além dos bem conhecidos Astérix e Obélix (produzidos para o desenho de Albert Uderzo), foi ainda argumentista de alguns dos melhores álbuns de Lucky Luke, que Morris desenhou, dos álbuns de Iznogoud, desenhados por Tabary, e do fabuloso Petit Nicolas (com desenhos de Sempé) que por alguma razão são actualmente presença obrigatória nos escaparates das livrarias de Paris.

A importância desta edição ultrapassa em muito o simples assinalar de um aniversário pois insere-se no que se pode designar como uma mais que justa homenagem a um prolífico autor, que além das figuras de Astérix e Obélix nos legou páginas e páginas ora de humor delicioso ora da mais verrinosa crítica social e de costumes, que será complementada com a inauguração no próximo dia 29 de uma exposição no Musée de Cluny (bem no coração de Paris) onde serão apresentadas pela primeira vez três dezenas de pranchas originais.

Infelizmente a qualidade do produto apresentado por Albert Uderzo pouco se distingue da das suas anteriores tentativas a solo, agravado ainda no caso português pela opção da actual editora de aportuguesar os nomes dos personagens secundários.

Depois da promessa inicial, mas rapidamente abandonada, deixada pela perspectiva de vermos os personagens envelhecidos cinquenta anos e descontadas as quatro páginas onde Uderzo aproveita muito bem os “pastiches” de Delacroix, Da Vinci, David e Arcimbold, salva-se (por que será?) um texto de Goscinny – O Guia de Viagens Coquelus[4] – anteriormente publicado na revista PILOTE e acompanhado de tiras de antigos álbuns do duo, com especial destaque para «A Volta à Gália».

O trabalho que mantém a clareza do traço de Uderzo mas ao qual continua a faltar o toque especial de Goscinny merece ainda duas breves referências. Uma para o texto introdutório de Anne Goscinny do qual não resisto a destacar as primeiras linhas: «Na tua voz, Astérix, ressoa o timbre da minha. Nas minhas veias corre a tua tinta, nas tuas corre o meu sangue» e outra para a referência, na última página, feita por Uderzo à dupla Frédéric e Thierry Mébarki, que prefigura uma forma de passagem de testemunho, pois estes dois irmãos têm assegurado nos últimos 25 anos uma preciosa colaboração na produção dos álbuns. Aos futuros desenhadores de Astérix resta desejar a sorte de encontrarem rapidamente um argumentista à altura de René Goscinny.

Ele, e os personagens que criou, merecem-no bem!
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[1] Jean Sarkozy de Nagy-Bocsa (nascido em Setembro de 1986) é filho do primeiro casamento de Nicolas Sarkozy (o actual presidente de França), conselheiro regional de Neuilly-sur-Seine (departamento que o pai Sarkozy já presidiu) e apresenta como credenciais académicas uma inscrição no primeiro ano do curso de Direito na Universidade de Paris I – Sorbonne e candidata-se ao lugar que o pai ocupou entre 2005 e 2007.
[2] EPAD é a sigla que designa o organismo público que tem por missão a gestão do parque de negócios de La Défense, em representação do estado francês e de algumas comunas do oeste de Paris; estende-se por uma área superior a 1,6 km2, gere mais de 3,5 milhões de m2 de escritórios e um orçamento superior a mil milhões de euros.
[3] Processo que actualmente se encontra em julgamento, que envolve o actual presidente da república francesa, Nicolas Sarkozy, e o anterior primeiro-ministro, Dominique de Villepin, num caso de fuga de capitais acompanhado de um rocambolesco episódio de “espionagem” financeira, no qual o primeiro acusa o segundo de ter instigado a inclusão do seu nome nas listas de personalidades envolvidas.
[4] O texto constitui uma clara paródia aos mundialmente célebres Guias Michelin, não fosse o personagem Coquelus um industrial romano fabricante rodas, no episódio O Escudo de Arverne.

sábado, 17 de outubro de 2009

SUICÍDIOS

Nas últimas semanas temos recorrentemente lido ou ouvido notícias sobre uma vaga de suicídios entre os trabalhadores da empresa FRANCE TÉLÉCOM[1] trazendo para a ribalta da opinião pública uma questão tão importante quanto a da qualidade nas relações de trabalho.

Qual barco que mete água por todos os lados, a situação parece incontrolável numa empresa que acaba de registar o 25º suicídio no espaço de ano e meio – a ponto de já se terem começado a registar as primeiras reacções dos poderes estabelecidos, ainda que apenas ao 24º caso é que se tenha verificado a primeira “baixa” na administração
[2] –, seja através de alguma acção do governo francês, seja da própria administração[3] ou dos clientes[4], começando até a registar-se outros ecos, como seja a recente publicação dos resultado de uma sondagem que dá conta do facto de 2/3 dos franceses inquiridos se julgarem cada vez mais pressionados pelo trabalho.

Este fenómeno, objecto de um crescente interesse por parte da imprensa, não é novo e ainda menos um exclusivo de países com economias mais avançadas que a nossa; recordo-me inclusive de uma notícia que o JORNAL DE NOTÍCIAS publicou em meados de 2002 segundo a qual era cada vez maior o número de bancários que recorriam aos serviços de psiquiatria, como evidente sinal da crescente degradação das condições sociais e de trabalho em sectores de actividade particularmente sujeitos a processos de “modernização” ou de “reestruturação” – chavões que na gíria gestionária não significam senão a habitual procissão de reduções de quadros de pessoal, redistribuição de funções, sobrecarga de responsabilidades e, inevitável, crescimento exponencial dos objectivos – tudo em nome da sacrossanta produtividade e sob a permanente ameaça do despedimento (em especial para os trabalhadores mais jovens), da deslocalização do posto de trabalho ou da “prateleira” (para os trabalhadores mais velhos).

Além de não constituir novidade, antes a realidade que milhões de trabalhadores enfrentam diariamente, a persistência de práticas abusivas na gestão de recursos humanos começou já a transformar-se no que parece ser uma normalidade. Depois das empresas do sector financeiro – as primeiras onde conceitos como o da gestão por objectivos e práticas como a da competitividade desregrada e sem resquícios de ética – outras começaram a “importar” aquelas técnicas de gestão como sinal da sua modernidade e da sua capacidade perante mercados cada vez globalizados e concorrenciais, facto que poderá estar na origem de notícias como a que dá conta de que em Portugal o «consumo de psicofármacos aumentou 36,6 por cento em cinco anos».

Já não deverão vir longe os tempos em que sociólogos e outros investigadores na área das ciências sociais começarão a apontar a responsabilidade destes modelos anacrónicos de gestão no comportamento de outras variáveis sociais como a natalidade, a capacidade de sociabilização das gerações mais novas (quem é que “esmagado” entre as elevadas cargas horárias de trabalho, o “stress” permanente dos objectivos que nunca param de crescer ou a rivalidade sem nexo com aqueles com que deveria cooperar, ainda encontra disponibilidade para “viver”?) e toda uma panóplia de disfunções físicas e psicológicas cuja ocorrência ainda não começou a ser associada aquela prática. Mas, entretanto, para aqueles que entendem que existe “vida” além do “trabalho” e que denunciam o absurdo das teoria que pugnam pelo uso da difícil via da competição para alcançar o que se poderia atingir usando modelos de trabalho mais cooperativos, continua o calvário do dia-a-dia de trabalho sem gosto nem glória... ou a saída de um acto extremo como o suicídio.
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[1] A FRANCE TÉLÉCOM é apenas a principal empresa francesa de telecomunicações e uma das cem maiores empresas mundiais e cuja principal marca é a ORANGE (telecomunicações móveis e digitais). Resultou de uma divisão da empresa pública PTT (Postes, Télégraphes et Téléphones) e da posterior privatização em 2004; em 2008 apresentou um volume de facturação de 53,5 mil milhões de euros e um número de trabalhadores superior a 185 mil, que segundo esta notícia do DN já só deverá atingir os 100 mil.
[2] Luis-Pierre Wenes, o número 2 da administração liderada por Didier Lombard, demitiu-se no início do mês; a sua substituição já foi assegurada por Stephane Richard que, segundo esta notícia do NOUVEL OBS, reconhece que terão existido alguns exageros nos métodos de gestão ao contrário de Lombard que ainda hoje reafirmou a intenção de não se demitir.
[3] Exemplo disto pode ser esta notícia do NOUVEL OBS que dava conta de que o PDG (o equivalente ao nosso presidente do conselho de administração) da empresa admitia não ter reconhecido os “sinais de aviso”.
[4] Paradigmático da forma como o público francês está a reagir a este imbróglio é esta notícia do NOUVEL OBS que refere o facto dos acontecimentos estarem a gerar um elevado número de cancelamentos de contratos.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

TRISTE CONFIRMAÇÃO

Há alturas em que detesto ver confirmada a razão de alguns comentários.

Digo isto a propósito dos resultados locais das eleições que tiveram lugar no passado Domingo, porque confirmou-se que os níveis de abstenção – embora ligeiramente inferiores às eleições de 2005 – continuam a ser elevados e, pior, acima da média nacional e porque o aparecimento de um novo “concorrente” teve um efeito longe (demasiado longe) do esperado, especialmente quando o movimento logrou reunir mais de 4.500 assinaturas para a respectiva legalização.

Comparando os resultados de 2005 com os deste ano constata-se que a variação de eleitores que exerceram o seu direito de voto (mais 1.044 eleitores) foi praticamente igual ao crescimento registado nos cadernos eleitorais, que foi de 1.035 eleitores, o que mesmo assim possibilitou que a taxa de abstenção tenha descido dos 48,55% de 2005 para os 45,96% deste ano, mas não impediu que o concelho continue a registar uma taxa de abstenção superior à média nacional, que nesta eleição foi de 40,99%.

Este ténue sinal positivo não me parece suficiente para contradizer os receios que aqui tinha deixado há uns dias e continuar a lamentar a oportunidade perdida de se ter feito algo de diferente.

Este sentimento parece-me ainda mais reforçado quando se olha para o apuramento de resultados no concelho de Almeirim, em 2005 e em 2009,

e se constata que em termos práticos nada se modificou, pois a autarquia mantém a mesma direcção desde o longínquo ano de 1989, sem qualquer alteração à vista e com uma clara maioria na composição da Assembleia Municipal.

A ligeira redução na abstenção e a substituição do representante de um partido (o PSD) pelo cabeça de lista do movimento independente, numa vereação cujo presidente, há semelhança de anos anteriores, se arroga o privilégio de não distribuir pelouros pela “oposição”, não chega para dar relevância ao acto.

Perante este triste quadro que outra coisa se pode concluir senão ver confirmada a ideia de que se terá perdido uma oportunidade de ouro para reanimar a vida política local...

...daqui a quatro anos veremos se a lição foi ou não aprendida!

sábado, 10 de outubro de 2009

REFLEXÕES

Enquanto reflectimos e esperamos pelo desenlace de uma pequena eleição local (não esqueçamos que entre nós mesmo as grandes urbes não passam de locais diminutos quando comparados com os grandes centros económicos mundiais), não podemos deixar de observar o que se vai passando nos lugares onde serão tomadas as grandes decisões que irão influenciar (para o melhor e o pior) a forma como iremos atravessar os tempos mais próximos.

O lugar onde vivemos é seguramente importante e merece o nosso melhor empenho no processo de escolha daqueles que o irão dirigir no futuro próximo, mas por melhor intencionado que o escolhido seja, o que verdadeiramente irá determinar os meios para a prossecução das suas melhores políticas encontra-se longe e os sinais que dele recebemos (seja por um desinteresse, próprio dos irresponsáveis, seja por responsabilidade de quem deve difundir a informação) são demasiadas vezes difusos e mal interpretados.

Vem esta introdução a propósito do muito “ruído” que continua a circular nos meios de comunicação sobre o famigerado fim da recessão, pois quase não passa um dia sem que alguém se lhe refira quando na coluna ao lado do mesmo jornal, ou noutro qualquer, surgem notícias indiciando precisamente o oposto. Notícias estas que vão da óbvia continuação dos despedimentos até outras bem mais subtis, como as que vão dando conta das formas difusas como se mascaram as contínuas necessidades de capitais com que se debate boa parte do sistema bancário[1] ou do crescente número daquele tipo de empresas que faliram nos últimos meses nos EUA[2].

A par com estas notícias mais prosaicas, outras, como as conclusões do último relatório publicado pelo BIS[3], apontam para a necessidade de muitas cautelas e reservas quanto ao optimismo na recuperação económica; quase em simultâneo o FINANTIAL TIMES, no artigo «Economist warns of double-dip recession», fez-se eco da intervenção de William White (ex-economista chefe do BIS) na conferência anual SIBOS[4], na qual aquele especialista aponta para a elevada probabilidade de virmos a registar períodos de novas quedas após alguns sinais de recuperação.
Na prática o que muitos economistas apontam é para a fragilidade daquilo que jornalistas e políticos designam como o fim da crise, pois os sinais de recuperação das economias são demasiado débeis, persistem todas as condições para a manutenção de um baixo consumo das famílias (seja pela manutenção dos elevados níveis de desemprego, seja pelos baixos salários e pela retracção no crédito), o sistema financeiro continua longe de apresentar a estabilidade mínima (persistem não só as carências de capital como os sinais de agravamento do incumprimento) que induza confiança nos restante sectores da economia.

Ainda recentemente a BBC NEWS, no artigo intitulado «World financial crisis ‘not over’» se fez eco de declarações de Nouriel Roubini (o economista que continua a ser apontado como o que previu a actual crise) que chama a atenção para o fosso que existe entre a cotação das acções e a economia real – dando assim claros sinais do regresso ao clima de euforia especulativa – sustentado nos enormes volumes de dinheiros públicos que têm sido injectados nas economias.

A estes sinais, reconhecidos até pelos grandes apologistas dos mercados liberais, há ainda que juntar a evidência de muito pouco ter sido feito para alterar as enormes deficiências dos mercados hiper-desregulados, o que no conjunto serve de argumento para reafirmar a pouca credibilidade dos mais optimistas, tanto mais que os fundos públicos, por serem originados sob a forma de dívida pública, implicam os inevitáveis (e muitas vezes elevados) encargos futuros que representam novas limitações ao crescimento futuro.
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[1] Situação de que é exemplo a notícia de que «Banco de Espanha reduz provisões à Banca», publicada pelo JORNAL DE NEGÓCIOS em Julho.
[2] Ver a notícia «Crise provoca falência de mais quatro bancos nos EUA», publicada em Julho pelo DN.
[3] O BIS (Bank for International Settlements) é o organismo de cúpula do sistema financeiro mundial (uma espécie de banco central dos bancos centrais) e é o responsável pelo funcionamento do Comité de Basileia. O resumo do seu último relatório trimestral pode ser lido aqui.
[4] A Conferência SIBOS (acrónimo de Swift International Banking Operations Seminar) é uma iniciativa anual, promovida pela SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) – organismo que disponibiliza uma plataforma segura para a troca de informações financeiras (transferências) entre bancos e outros agentes financeiros – que há vários anos junta especialistas da actividade financeira.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

NOBEL DA PAZ PARA BARACK OBAMA

Que dizer do anúncio hoje feito pelo Comité Nobel da atribuição do Prémio Nobel da Paz a Barack Obama?

Pior só se ele fosse atribuído a George W Bush ou a Tony Blair.

Salva-se o facto de Obama se ter declarado surpreendido com a atribuição do prémio e não ter mostrado em público grandes manifestações de regozijo (outra coisa não seria de esperar de um político hábil como ele), tendo antes proferido palavras de circunstância e de apelo à continuação de políticas em defesa do ambiente e em prol da paz e do respeito entre os povos.

Mas isso não chega para explicar ao comum dos cidadãos as razões pelas quais lhe foi atribuído o prémio, especialmente quando tantos outros fizeram bem mais que ele – como o próprio reconheceu – por esses mesmos objectivos, nem a Academia Norueguesa parece que tenha sido muito convincente nas explicações fornecidas e que podem ser lidas nesta página do PUBLICO.

O tempo acabará por revelar as verdadeiras razões que terão estado por detrás desta polémica decisão, mas para já fica a estupefacção, o completo absurdo da decisão… e, por que não?, o precedente!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OPORTUNIDADE PERDIDA?

Vamos voltar a votar no próximo Domingo, com o objectivo de eleger os executivos autárquicos para o próximo quadriénio.

Dito assim, pode parecer algo tão banal quanto qualquer outra eleição; porém, as autárquicas deviam ser as eleições mais importantes e participadas pelos eleitores, pois trata-se de escolher as pessoas que irão zelar pelas questões de maior proximidade dos eleitores – a gestão de espaços públicos, de redes de saneamento e de limpeza, de ordenamento de tráfego local e até de equipamentos desportivos e culturais – e de importância, por vezes capital, para o desenvolvimento regional, como sejam a captação de indústrias e serviços criadoras de emprego e potenciadoras de bem-estar local.

Aquilo que a observação estatística de actos anteriores nos permite concluir, além da conhecida tendência para o aumento da taxa de abstenção

é que a nível do concelho de Almeirim se verifica um fenómeno distinto, com uma clara tendência para o aumento daquela taxa, depois de um período (entre 1976 e 1985) no qual ela foi inferior (e por vezes muito inferior) à média nacional.

Ao atingirem-se nas últimas eleições valores de abstenção muito próximos dos 50% (48,48% em 2001 e 48,55% em 2005) seria de nos interrogarmos das razões que a tal terão conduzido e sem cairmos na tentação fácil de explicar este fenómeno pelo natural desgaste e desinteresse dos eleitores.

Se os quase trinta anos decorridos desde o particularmente concorrido acto eleitoral de 1979, quando a abstenção se quedou pelos 20,63% (ano em que a média nacional atingiu as 28,26%) poderão dar razão ao estafado argumento do “cansaço”, já a evidente e perigosa tendência de crescimento daquela taxa poderão significar que o alheamento dos eleitores é em grande medida relação inversa da qualidade dos candidatos.

Mesmo que esta explicação possa também ela revestir-se de algum simplismo, parece-me a mais realista face à evolução registada. Se assim não for, que outras razões poderão estar na origem do desinteresse de um universo eleitoral que no primeiro terço do período observado apresenta valores inferiores à média e depois passa para valores bem superiores?

E perante este cenário como reagiram as forças políticas locais? Procederam a uma renovação das propostas, quer em termos de políticas quer em termos de representantes, ou pelo contrário limitaram-se a “oferecer” mais do mesmo aos eleitores?

Desde o já longínquo ano de 1985, em que o aparecimento do PRD trouxe alguma agitação à cena política local, que não se verifica qualquer modificação ao “status quo” político-social local, tendência quebrada este ano com o aparecimento de uma lista de independentes.

A candidatura do MICA (Movimento Independente do Concelho de Almeirim) deveria por si só ser assinalada como acontecimento de relevância maior, não fora o facto desta novidade poucas alterações ter introduzido no figurino político local. Ao contrário do que é habitual em termos de uma estrutura partidária formal, uma candidatura independente deveria ter começado por mobilizar os munícipes, desafiando-os a participarem de forma mais activa em todo o processo de formação e definição programática, ao invés de, como refere o seu próprio programa, ter sido construída à volta de candidatos a cargos autárquicos.

Embora ainda falte o veredicto das urnas, não me custa antecipar desde já que foi pena ter-se perdido uma oportunidade de construção de um verdadeiro movimento de base e de assim se contribuir para a reanimação da vida política local e para uma possível redução da abstenção.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

SINAL DE (DES)CONFIANÇA

Depois da vergonha que foi a decisão dos políticos europeus, incluindo os portugueses, de deixarem “cair” o projecto e o compromisso de referendarem o texto do Tratado de Lisboa e do resultado desfavorável do referendo irlandês (matéria que abordei no “post” «PRONTO JÁ ESTÁ ASSINADO», «E ISTO NÃO ERA UMA CONSTITUIÇÃO…» e «POR UMA NOVA EUROPA»), eis que agora, com a repetição daquele referendo e com a vergonhosa campanha conduzida pelos partidários do “SIM” associando a aprovação da proposta à continuação da União Europeia e à manutenção dos respectivos “benefícios” tanto mais úteis quanto a economia irlandesa é uma das que apresenta piores indicadores na actual conjuntura recessiva mundial, obtiveram a tão desejada aprovação.

Não bastou a forma atabalhoada como transformaram a proposta de Constituição Europeia (recusada nos dois únicos referendos a que foi submetida em França e na Holanda) num documento com que pudessem contornar a consulta popular, como no único país onde tiveram que o fazer viram-se forçados a uma segunda consulta e envolveram esse processo em controvérsias e mentiras para o fazerem aprovar.

O trágico (que até poderia ser cómico, não fora o facto disso vir a reflectir-se sobre a vida de milhões de pessoas) é que os irlandeses que agora aprovaram o texto do tratado fizeram-no na convicção de estarem a assegurar a solidariedade do resto da Europa, quando o que o Tratado de Lisboa prevê é precisamente uma Europa menos solidária e mais orientada para o benefício das economias dos grandes países.

domingo, 4 de outubro de 2009

O QUE O G20 FOI CAPAZ DE DAR

No final da passada semana teve lugar mais uma reunião do G20; aproveitando a sessão plenária da ONU, que ocorrera nessa mesma semana em New York, os chefes de estado daquele organismo reuniram-se em Pittsburgh para mais uma sessão mediática.

É que entre banquetes e outras cerimónias (a Universidade local aproveitou a oportunidade para proceder ao doutoramento honoris causa do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso) os notáveis das principais economias voltaram a debruçar-se sobre a realidade económica mundial e depois de nas duas reuniões anteriores terem decidido:

  • a implementação de enormes pacotes de estímulo à economia, orçados em muitos biliões de dólares;
  • a reforma do sistema de votação no FMI, por forma a reconhecer a importância das economias emergentes da China e da Índia;
  • a regulamentação da actividade dos hedge funds;
  • a limitação dos paraísos fiscais;
  • a redução do mecanismo de prémios no sistema financeiro;
  • a criação de uma comissão internacional, o Finantial Stability Board, para ajudar a prevenir futuros cenário de crise;

voltam agora a encontrar-se tendo como ponto principal da agenda a questão dos prémios desproporcionados que a banca já está de novo a praticar.

Não tendo conseguido atingir senão parcialmente os objectivos anteriores[1] – o comportamento e os resultados evidenciados pela banca e o regresso a debate da questão dos prémios é disso evidência mais que reveladora – mas confortados com os sinais positivos que alguns não param de anunciar, os líderes das principais potências económicas repetiram os usuais discursos de circunstância, de fé num futuro melhor e de penhorado empenho na rápida resolução da crise.

Muitas foram as declarações e as notícias que antecederam a cimeira, sendo de destacar as que forma dando conta das dificuldades em torno da famigerada questão dos bónus. Desde o anúncio da posição de Barack Obama, que na semana anterior à cimeira se mostrara pouco favorável a uma política de limitação dos bónus, quando numa entrevista (citada aqui pela BLOOMSBERG) questionou a lógica de limitar os bónus dos executivos de Wall Street e não os dos homólogos de Silicon Valley ou os dos futebolistas, que se sentiu um significativo aumento da pressão de políticos europeus em sentido inverso. Neste grupo destaquem-se as declarações de Peer Steinbrueck, o ministro alemão das Finanças, que, como refere aqui a BBC NEWS, acusou o Reino Unido de estar a bloquear o processo de nova e mais restritiva regulamentação financeira para agradar à City londrina.

Neste clima de divisão e de aparente cedência (novamente) aos interesses das grandes empresas financeiras, ainda antes do início da cimeira o sempre politicamente e bem comportado Durão Barroso (representante da União Europeia à cimeira) foi dizendo, segundo citação do PUBLICO, que «O mundo não pode pedir ao G20 mais do que o G20 é capaz de dar»... pelo que não será de estranhar que as conclusões do encontro não tenham passado de mais uma série de boas intenções:

  • reforço da regulamentação;
  • necessidade do sector financeiro se dotar de maiores volumes de capitais;
  • aumento da importância do G20 e progressiva substituição do G8;

desprovidas de concretização e que novamente adiaram as reformas que muitos julgam indispensáveis – extinção dos paraísos fiscais, exclusão da banca comercial das actividades especulativas e redução do poder de criação de moeda pela banca e sua transferência para o Estado – para que futuros cenários de crises económicas possam ser encarados como raros.
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[1] De forma sintética pode-se dizer que das seis intenções manifestadas apenas uma (a criação do Finantial Stability Board) se pode considerar cumprida, pois todas as outras o foram apenas em parte.