Numa semana plena de acontecimentos o mais marcante poderia bem ser o do anúncio do novo elenco governativo de José Sócrates – com o habitual desfile de entradas saídas de ministros, as manifestações de júbilo dos escolhidos ou o ranger de dentes dos preteridos -, a decisão do jovem Jean Sarkozy[1] (segundo filho do inefável Nicolas Sarkozy) de abdicar da candidatura ao lugar de presidente do EPAD[2] mas não a um lugar no conselho de administração, ou o desenrolar do rocambolesco “affaire” Clearstream[3]; porém o que me parece digno de assinalar foi o lançamento de mais um álbum da saga Astérix e Obélix (diz-se que o último realizado por um dos seus criadores ainda vivo) coincidente com a comemoração do cinquentenário da publicação da primeira história, na revista PILOTE.
A edição de 3 milhões de exemplares ocorreu simultaneamente em 15 países (Portugal incluído), o que constitui por si só facto marcante no mundo editorial; no mesmo mês que viu há cinquenta anos o seu “nascimento” numa das revistas juvenis mais vendida da época e que então era dirigida por René Goscinny, o já falecido autor dos melhores argumentos das aventuras e desventuras da irredutível aldeia gaulesa e dos seus principais guerreiros, que durante a sua curta existência (faleceu em 1977 com 51 anos) produziu algumas das melhores páginas da banda desenhada francesa e mundial, que além dos bem conhecidos Astérix e Obélix (produzidos para o desenho de Albert Uderzo), foi ainda argumentista de alguns dos melhores álbuns de Lucky Luke, que Morris desenhou, dos álbuns de Iznogoud, desenhados por Tabary, e do fabuloso Petit Nicolas (com desenhos de Sempé) que por alguma razão são actualmente presença obrigatória nos escaparates das livrarias de Paris.
A importância desta edição ultrapassa em muito o simples assinalar de um aniversário pois insere-se no que se pode designar como uma mais que justa homenagem a um prolífico autor, que além das figuras de Astérix e Obélix nos legou páginas e páginas ora de humor delicioso ora da mais verrinosa crítica social e de costumes, que será complementada com a inauguração no próximo dia 29 de uma exposição no Musée de Cluny (bem no coração de Paris) onde serão apresentadas pela primeira vez três dezenas de pranchas originais.
Infelizmente a qualidade do produto apresentado por Albert Uderzo pouco se distingue da das suas anteriores tentativas a solo, agravado ainda no caso português pela opção da actual editora de aportuguesar os nomes dos personagens secundários.
Depois da promessa inicial, mas rapidamente abandonada, deixada pela perspectiva de vermos os personagens envelhecidos cinquenta anos e descontadas as quatro páginas onde Uderzo aproveita muito bem os “pastiches” de Delacroix, Da Vinci, David e Arcimbold, salva-se (por que será?) um texto de Goscinny – O Guia de Viagens Coquelus[4] – anteriormente publicado na revista PILOTE e acompanhado de tiras de antigos álbuns do duo, com especial destaque para «A Volta à Gália».
O trabalho que mantém a clareza do traço de Uderzo mas ao qual continua a faltar o toque especial de Goscinny merece ainda duas breves referências. Uma para o texto introdutório de Anne Goscinny do qual não resisto a destacar as primeiras linhas: «Na tua voz, Astérix, ressoa o timbre da minha. Nas minhas veias corre a tua tinta, nas tuas corre o meu sangue» e outra para a referência, na última página, feita por Uderzo à dupla Frédéric e Thierry Mébarki, que prefigura uma forma de passagem de testemunho, pois estes dois irmãos têm assegurado nos últimos 25 anos uma preciosa colaboração na produção dos álbuns. Aos futuros desenhadores de Astérix resta desejar a sorte de encontrarem rapidamente um argumentista à altura de René Goscinny.
Ele, e os personagens que criou, merecem-no bem!
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[1] Jean Sarkozy de Nagy-Bocsa (nascido em Setembro de 1986) é filho do primeiro casamento de Nicolas Sarkozy (o actual presidente de França), conselheiro regional de Neuilly-sur-Seine (departamento que o pai Sarkozy já presidiu) e apresenta como credenciais académicas uma inscrição no primeiro ano do curso de Direito na Universidade de Paris I – Sorbonne e candidata-se ao lugar que o pai ocupou entre 2005 e 2007.
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[1] Jean Sarkozy de Nagy-Bocsa (nascido em Setembro de 1986) é filho do primeiro casamento de Nicolas Sarkozy (o actual presidente de França), conselheiro regional de Neuilly-sur-Seine (departamento que o pai Sarkozy já presidiu) e apresenta como credenciais académicas uma inscrição no primeiro ano do curso de Direito na Universidade de Paris I – Sorbonne e candidata-se ao lugar que o pai ocupou entre 2005 e 2007.
[2] EPAD é a sigla que designa o organismo público que tem por missão a gestão do parque de negócios de La Défense, em representação do estado francês e de algumas comunas do oeste de Paris; estende-se por uma área superior a 1,6 km2, gere mais de 3,5 milhões de m2 de escritórios e um orçamento superior a mil milhões de euros.
[3] Processo que actualmente se encontra em julgamento, que envolve o actual presidente da república francesa, Nicolas Sarkozy, e o anterior primeiro-ministro, Dominique de Villepin, num caso de fuga de capitais acompanhado de um rocambolesco episódio de “espionagem” financeira, no qual o primeiro acusa o segundo de ter instigado a inclusão do seu nome nas listas de personalidades envolvidas.
[4] O texto constitui uma clara paródia aos mundialmente célebres Guias Michelin, não fosse o personagem Coquelus um industrial romano fabricante rodas, no episódio O Escudo de Arverne.
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