O lugar onde vivemos é seguramente importante e merece o nosso melhor empenho no processo de escolha daqueles que o irão dirigir no futuro próximo, mas por melhor intencionado que o escolhido seja, o que verdadeiramente irá determinar os meios para a prossecução das suas melhores políticas encontra-se longe e os sinais que dele recebemos (seja por um desinteresse, próprio dos irresponsáveis, seja por responsabilidade de quem deve difundir a informação) são demasiadas vezes difusos e mal interpretados.
Vem esta introdução a propósito do muito “ruído” que continua a circular nos meios de comunicação sobre o famigerado fim da recessão, pois quase não passa um dia sem que alguém se lhe refira quando na coluna ao lado do mesmo jornal, ou noutro qualquer, surgem notícias indiciando precisamente o oposto. Notícias estas que vão da óbvia continuação dos despedimentos até outras bem mais subtis, como as que vão dando conta das formas difusas como se mascaram as contínuas necessidades de capitais com que se debate boa parte do sistema bancário[1] ou do crescente número daquele tipo de empresas que faliram nos últimos meses nos EUA[2].
A par com estas notícias mais prosaicas, outras, como as conclusões do último relatório publicado pelo BIS[3], apontam para a necessidade de muitas cautelas e reservas quanto ao optimismo na recuperação económica; quase em simultâneo o FINANTIAL TIMES, no artigo «Economist warns of double-dip recession», fez-se eco da intervenção de William White (ex-economista chefe do BIS) na conferência anual SIBOS[4], na qual aquele especialista aponta para a elevada probabilidade de virmos a registar períodos de novas quedas após alguns sinais de recuperação.
Na prática o que muitos economistas apontam é para a fragilidade daquilo que jornalistas e políticos designam como o fim da crise, pois os sinais de recuperação das economias são demasiado débeis, persistem todas as condições para a manutenção de um baixo consumo das famílias (seja pela manutenção dos elevados níveis de desemprego, seja pelos baixos salários e pela retracção no crédito), o sistema financeiro continua longe de apresentar a estabilidade mínima (persistem não só as carências de capital como os sinais de agravamento do incumprimento) que induza confiança nos restante sectores da economia.
Ainda recentemente a BBC NEWS, no artigo intitulado «World financial crisis ‘not over’» se fez eco de declarações de Nouriel Roubini (o economista que continua a ser apontado como o que previu a actual crise) que chama a atenção para o fosso que existe entre a cotação das acções e a economia real – dando assim claros sinais do regresso ao clima de euforia especulativa – sustentado nos enormes volumes de dinheiros públicos que têm sido injectados nas economias.
A estes sinais, reconhecidos até pelos grandes apologistas dos mercados liberais, há ainda que juntar a evidência de muito pouco ter sido feito para alterar as enormes deficiências dos mercados hiper-desregulados, o que no conjunto serve de argumento para reafirmar a pouca credibilidade dos mais optimistas, tanto mais que os fundos públicos, por serem originados sob a forma de dívida pública, implicam os inevitáveis (e muitas vezes elevados) encargos futuros que representam novas limitações ao crescimento futuro.
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[1] Situação de que é exemplo a notícia de que «Banco de Espanha reduz provisões à Banca», publicada pelo JORNAL DE NEGÓCIOS em Julho.
[2] Ver a notícia «Crise provoca falência de mais quatro bancos nos EUA», publicada em Julho pelo DN.
[3] O BIS (Bank for International Settlements) é o organismo de cúpula do sistema financeiro mundial (uma espécie de banco central dos bancos centrais) e é o responsável pelo funcionamento do Comité de Basileia. O resumo do seu último relatório trimestral pode ser lido aqui.
[4] A Conferência SIBOS (acrónimo de Swift International Banking Operations Seminar) é uma iniciativa anual, promovida pela SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) – organismo que disponibiliza uma plataforma segura para a troca de informações financeiras (transferências) entre bancos e outros agentes financeiros – que há vários anos junta especialistas da actividade financeira.
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