domingo, 16 de dezembro de 2007

PRONTO, JÁ ESTÁ ASSINADO

Agora que foi assinado o Tratado de Lisboa já se poderá considerar enterrada a polémica que rodeou a proposta de Constituição Europeia apadrinhada por Giscard d’Estaing e que conheceu a “vergonha” de se ver recusada nos processos referendários a que foi sujeita em França e na Holanda.

Tal como aquele documento, extenso e pouco claro, os cidadãos europeus voltam a correr o risco de ver aplicado um texto fundamental (talvez até fundador) que para a maioria é praticamente incompreensível. Os políticos europeus preferiram elaborar um texto que poderão manipular a seu favor e que, talvez, venha a ver as suas virtualidades ensombradas pelas múltiplas deficiências, a começar pela forma como os diferentes governos europeus se preparam para proceder à ratificação do documentos agora assinado.

Com excepção da Irlanda, cujo texto constitucional o impede, os restantes 26 estados-membros preparam-se para dispensar o recurso à figura do referendo, substituindo-o por uma mera aprovação parlamentar. Perante a importância do acto – aprovação ou rejeição de um documento de importância capital para a UE, que mesmo sem as roupagens de um tratado constitucional nem por isso deixa de constituir um documento fundamental – a única forma que parece aceitável para a sua ratificação é a do referendo, mesmo quando se esteja em presença do mais democrático e representativo dos sistemas políticos…

É em momentos como este que sinto extremas dificuldades em entender os conceitos de democraticidade (ou da sua ausência) que os políticos ocidentais (e os europeus, em especial) são tantas vezes pródigos em reclamar. São decisões desta natureza que normalmente me levam a rotular com menos veemência personalidades tão controversas como Putin ou Chávez, até porque este último ainda recentemente se sujeitou a um referendo constitucional que lhe foi adverso.

Igualmente criticável me parece o argumento da necessidade da sua rápida entrada em vigor para justificar a mera aprovação parlamentar, tanto mais que o documento contém alterações significativas ao actual quadro regulamentar europeu[1]. Destas destacam-se o significativo aumento de poder e influência do Parlamento Europeu, a substituição do sistema de aprovação por unanimidade pela aprovação por maioria, que podendo constituir avanços significativos nem por isso deixam de representar profundas alterações que deveriam ser do conhecimento generalizado dos cidadãos da UE e alvo de uma aceitação expressa. Isto mesmo foi deixado bem expresso pelos grupos parlamentares europeus que na passada sexta-feira acolheram o discurso do presidente em exercício da UE, José Sócrates, com cartazes e palavras de ordem exigindo a realização de referendos nacionais para a aprovação do Tratado de Lisboa e, para cúmulo, mais recentemente a própria JS veio manifestar o apoio à realização do referendo em Portugal.
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[1] Entre as principais alterações conta-se: o facto da presidência deixar de ser rotativa e com uma periodicidade semestral; a combinação numa única personalidade das funções de alto-comissário de política externa e de comissário dos assuntos estrangeiros (considerada como passo fundamental para o reforço da política externa da UE); redução, a partir de 2014, do número de comissários europeus; redistribuição, entre 2014e 2017, da proporcionalidade de votos entre os estados-membros; novos poderes, nas áreas da justiça e dos assuntos internos, para a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça Europeu.

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