A página que o Prof. Adriano Moreira semanalmente publica no DIÁRIO DE NOTÍCIAS[1], na qual hoje reflecte sobre a situação da EU e sobre o papel que nela pode representar a presidência francesa e em particular Nicolas Sarkozy quando a questão candente é o futuro do Tratado de Lisboa (ou da Constituição Europeia) serve-me de pretexto para recuperar aqui a polémica em torno do resultado do referendo irlandês.
Esta questão não tem merecido da imprensa europeia o acompanhamento e o destaque devidos (actuação que se pode enquadrar perfeitamente naquela que parece ser a estratégia adoptada pelos partidários do princípio da aplicação do tratado a qualquer custo), facto que não é menos preocupante por não ser propriamente estranho.
Que os principais líderes europeus (com Sarkozy e Merkel na primeira linha) pretendam avançar com a solução que em princípio melhor serve os seus interesses, não constitui novidade, mas que optem agora por desvalorizar a opção popular irlandesa quando antes tanto valorizaram uma opção popular de franceses e holandeses, além de estranho e pouco político é ainda totalmente inaceitável do ponto vista ético.
O “não” irlandês não pode ser desvalorizado e os franceses e holandeses que quando consultados tomaram idêntica posição não se podem agora deixar esquecer.
Isso mesmo parece ser a intenção de um grupo de cidadãos franceses que lançou na Internet um apelo para a construção de uma alternativa à União Europeia liberal que nos pretendem impor.
Porque mantenho a convicção que nesta matéria (como em todas as que dizem respeito à vida dos cidadãos) só uma solução que resulte de um amplo debate e de uma efectiva participação dos eleitores é que poderá ser efectivamente mobilizadora e geradora de progresso económico e social, aqui deixo o texto do apelo e o endereço onde o mesmo pode ser lido e assinado:
Petição
Agora e em conjunto construamos uma outra Europa!
Segunda-feira 7 Julho de 2008
É preciso tomar consciência que o «não» irlandês ao Tratado de Lisboa constitui, depois do «não» francês e holandês, o terceiro grande revés sofrido pela Europa liberal definida por esses dois tratados basicamente idênticos.
Isso pressupõe respeitar a escolha dos irlandeses e também a elementar exigência democrática: desde que um estado rejeite um tratado europeu este perde a sua exeistência legal e deve ser declarado extinto. É o que aliás prevê expressamente o Tratado de Lisboa, pelo que não pode ser aplicado; a reafirmada intenção de prosseguir o processo de ratificação carece de legitimidade e constitui um acto hostil contra o opovo irlandês.
Importa precisar que se alguma manobra lograsse adicionar ao Tratado de Lisboa uma qualquer emenda «irlandesa» isso implicaria o princípio «a um novo texto, nova ratificação» pelos estados-membros, incluindo a França. Nesse caso não aceitaríamos ser novamente privados de um referendo.
Tomar consciência da recusa é aceitar a existência na Europa de uma corrente popular de fundo. É preciso reflectir sem mais delongas, sob pena de paralesia e de implosão, sobre as grandes orientações para uma alternativa necessária para que a Europa se transforme emfin numa Europa dos povos e do progresso, quer no seu interior quer no exterior.
Independentemente das apreciações pessoais sobre os tratados rejeitados, comungamos da convicção que querer construir uma Europa divorciada das populações e contra os intereses destas está condenado ao fracasso e que é o próprio conceito de Europa que está ser posto em caus pela ausência de adesão popular.
Queremos formular as grande linhas alternativas à actual Europa que devem acentar num outro tratado elaborado em consonância com as populações e os seus representantes inseridos num novo processo de cosntrução democrática e entendemos começá-lo sem mais delongas.
Consideramos que apenas uma Europa social terá viabilidade. Acreditamos que só a harmonização social é que faz sentido e que é a única capaz de mobilizar a adesão popular. Nenhuma clausula de outro tipo se lhe deve opor. A Europa deve ser um espaço de progresso e de igualdade e deve ser protector contra a mundialização liberal que fomenta uma concorrência desenfreada entre os povos.
Consideramos que ou a Europa se liberta do dogma liberal ou não terá viabilidade. Acreditamos que o Banco Central Europeu e as políticas económicas devem ser colocadas ao serviço das populações ao contrário do que hoje sucede. Consideramos que nem tudo pode ser mercantilizado e que os serviços públicos devem desempenhar um papel relevante e crescente afim de defender o interesse geral e permitir um desenvolvimento sustentado. Desta forma será possível optar por um crescimento duradouro e ecológicamente respeitador da natureza.
Consideramos qua a Europa será um espaço de paz e de solidariedade ou não terá viabilidade. Tal como o alinhamento com os Estados Unidos não garante a nossa segurança e a redução dos armamentos nem pode constituir a identidade europeia num mundo que necessita de paz, equilíbrio e justiça, também a Europa sob a orientação liberal conduz à espoliação do Sul e aos trágicos «motins da fome». É preciso estabelecer relações justas, preferenciais e solidárias com o Sul sofredor.
Consideramos que ou a Europa será democrática ou não terá viabilidade. Não pode ser aceitável, num mundo moderno, que apenas 27 pessoas, rodeadas por uma pleiade de tecnocratas, ditem o destino de 450 milhões de europeus. Os tratados rejeitados, redigidos em obscuros cenáculos, demonstram que aquela concepção conduz a um impasse. É preciso dar um papel acrescido ao Parlamento Europeu e aos parlamentos nacionais na condução dos assuntos europeus. É preciso, por fim, aceitar que os cidadãos europeus participem plenamente das decisões que lhes dizem respeito.
Para executar estas grandes orientações alternativas, não limitativas, apelamos a todos os que crêem na Europa e que querem fazer dela um espaço orientador de uma nova civilização humana, no seu interior e no resto do mundo que tantro dela carece. Em caso algum a Europa deve ser um mero decalque dos EUA.
Apelamos hoje, solenemente, à reunião de todas as iniciativas e energias para que a Europa seja enfim uma Europa das populações e um espaço aberto, saudável e livre, agindo em prol de um mundo novo. Em conjunto com todos os que apoiam este processo democrático tomaremos as medidas apropriadas em França e na Europa.
Traduzido[2] de: http://www.le-citoyen.info/spip.php?article151
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[1] Hoje com o título «OS PARADIGMAS DA PRESIDÊNCIA».
[2] A tradução, que procurei tão fiel quanto possível é da minha responsabilidade.
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