domingo, 27 de setembro de 2009

UM DIA DIFERENTE?

Vivemos hoje um dia diferente. Como de quando em vez sucede em bom número de estados espalhados pelos cinco continentes, hoje é dia de eleições!

Significa isto que vivemos no que se convencionou designar por “democracia participativa”, querendo tal significar que aos cidadãos é reconhecido o direito de participar no processo de escolha dos seus representantes.

Tudo isto porque hoje – enquanto aguardo os resultados de mais este acto eleitoral e sei que, face aos participantes e à envolvente de todo o processo, ganhe quem ganhar tudo vai continuar como antes – dei comigo a recordar um outro acto eleitoral que ocorreu no Médio Oriente, em Janeiro de 2006, e os tristes acontecimentos que se lhe seguiram.

Numa época em que vigorava em boa parte da inteligentzia norte-americana a ideia que aquela era uma região onde a realização de eleições era prova cabal da superioridade da sua concepção de sociedade e onde o democrático Estado de Israel sobrevivia a custo (do financiamento estrangeiro e de um dos mais modernos e sofisticados exércitos mundiais) desde a declaração unilateral da sua independência, em 1948, e, tanto mais que na época parecia que a estratégia global para a região passava pela implantação de regimes democráticos por via da bala, a população Palestiniana participou num sufrágio para a eleição dos seus representantes e decidiu dar a sua confiança a um grupo (o HAMAS) que não beneficiava de qualquer simpatia junto dos todo-poderosos e influentes ocupantes da Casa-Branca.

Contra as mais elementares normas democráticas e éticas, estes decidiram que o resultado daquele sufrágio não podia ser aceite (embora os observadores internacionais que acompanharam as eleições tenham assegurado a sua legitimidade[1]) e que o governo que dele resultou deveria ser votado ao ostracismo internacional. Decisão hipócrita e infeliz, reveladora de que para alguns a validade dos actos eleitorais depende directamente dos seus resultados.

De provocação em provocação o processo degradou-se internamente até à ocorrência de escaramuças (acompanhadas do inevitável cortejo de destruição, de mortos e de feridos) entre os partidários das duas principais forças em contenda (a derrotada FATAH e o vitorioso HAMAS) e no plano internacional pouco tardou para que a potência regional vizinha (e ocupante de boa parte do território Palestiniano) agravasse as condições de bloqueio económico e humanitário e depois procedesse mesmo à invasão de parte daquele território.

Tudo isto é história e foi aqui, na devida oportunidade, objecto de alguns “posts[2], mas o que me fez hoje voltar ao tema foi a recordação de uma recente deliberação de uma comissão de inquérito patrocinada pela ONU que concluiu que durante a acção militar levada a cabo entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009 as tropas do exército invasor terão infringido as normas internacionais, praticando o que vulgarmente se designam por crimes de guerra.

Uma equipa internacional, chefiada pelo juiz sul-africano Richard Goldstone, apresentou em meados deste mês um relatório onde condena as práticas de israelitas e palestinianos, durante as semanas que durante a invasão israelita da Faixa de Gaza.

Da reacção palestiniana poucas ou nenhumas referências encontrei na imprensa ocidental (o que faz todo o sentido, pois de um grupo de terroristas não será de esperar outro comportamento que não o desrespeito pelas regras internacionais e pelos direitos humanos) mas de Israel de pronto se ergueram vozes indignadas contra o teor de um relatório que só ocorreu porque, mal ou bem, sempre terá havido alguma mudança de atitude da equipa que agora ocupa a Casa Branca.

Vozes seguramente melhor informadas que a equipa internacional e que nunca encontraram qualquer sinal de abuso ou de violação dos direitos humanos nas estatísticas que publicaram sobre a acção militar, são as que dão conta da contabilização de cerca de 1400 palestinianos e de 13 israelitas mortos durante as três semanas que durou a acção militar.

Não, para estes cidadãos isentos, impolutos e cumpridores da lei (do mais forte...) a discrepância dever-se-á tão-somente à superioridade dos seus meios militares, nunca ao bombardeamento indiscriminado de casas, escolas e hospitais... à transformação dos poucos meios de socorro que operavam no terreno em alvos tão válidos como os grupos que munidos de bandeiras brancas procuravam o refúgio possível entre os escombros das casas destruídas...

Selvajaria? Se a houve foi seguramente dos terroristas islâmicos que se esconderam entre a população, nas mesquitas, nos hospitais, nas instalações da ONU ou se camuflaram nas escolas entre as crianças, como se relatou na altura numa notícia do EXPRESSO.

É óbvio que o governo israelita do actual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, veio defender prontamente a actuação do seu antecessor Ehud Olmert e do ministro da defesa (antigo e actual) Ehud Barak, condenando a ligeireza das conclusões do relatório da ONU e chamando a atenção para o perigo das suas conclusões…

Onde já se viu alguém questionar de forma tão frontal o tão poderoso Estado de Israel?

Ou será que o perigo deriva de Telavive recear uma redução na cobertura que os EUA sempre lhe têm assegurado?

Viveremos tempos um pouco diferentes, mas que Telavive não admite sequer imaginar?

As respostas surgirão (ou não) dentro de dias quando o Conselho de Direitos Humanos da ONU votar o relatório.
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[1] Entre aqueles observadores encontrava-se o ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter que, como pode ser lido nesta notícia do WASHINGTON POST, declarou à Associated Press que as eleições foram «totalmente honestas, livres e sem violência».
[2] Entre eles destaque para «ACONTECEU O IMPENSÁVEL», «IRMÃOS INIMIGOS», «O QUARTETO E A PALESTINA» e «OUTRA OPERAÇÃO MILITAR INÚTIL».

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