Pois é, se o Quarteto espera que os estados árabes do Médio Oriente acolham Tony Blair qual “pomba da paz”, correm o sério risco que estes não o vejam com melhores olhos que aqueles que usou o caricaturista Dave Brown, no THE INDEPENDENT
onde o retratou como aquilo que muita gente o vê – o caniche de Bush.
Este erro grosseiro, que além de ter degradado ainda mais as já muito precárias condições de vida das populações palestinianas, de ter conduzido a uma situação de confrontação armada entre os dois principais grupos palestinianos (Hamas e Fatah)[4], ainda se traduz no mais completo desrespeito daquilo que o ocidente diz defender – a democracia – pois o governo liderado pelo Hamas resultou de um processo eleitoral que a generalidade dos observadores ocidentais classificou como o mais democrático até então realizado em países árabes.
Questões como esta e um longo historial de apoio incondicional às políticas israelitas conduziram à situação de impasse na região e à óbvia degradação da imagem do ocidente entre os povos islâmicos. Mesmo sem querer defender a diferença pela diferença, tanto mais que vou aqui recorrer a uma citação de alguém absolutamente insuspeito nessa área, recordo o que há tempo escreveu Adriano Moreira numa sua crónica sobre o indispensável diálogo entre o Islão e o Ocidente: «é indispensável reformular o diálogo e diminuir os erros de comunicação e de compreensão (…) para que minorias indisciplinadas sejam identificadas como minorias pela opinião pública, de modo a que as solidariedades intercomunitárias se fortaleçam no apoio à paz da sociedade civil e às leis do Estado». Ora o ocidente, e o seu Quarteto, parece cada vez mais apostado numa estratégia de fraccionar os palestinianos e não na construção de verdadeiras vias para a pacificação da região.
Mesmo sendo certo que Tony Blair apresenta no seu currículo a “pacificação” da Irlanda (mesmo carecendo do aprofundamento da sua real influência no processo, algo que só o tempo revelará), ninguém negará que a realidade no Médio Oriente é bem mais complexa e que a sua resolução apenas deverá ocorrer quando árabes e judeus forem “forçados” a negociar numa posição de maior igualdade, nunca enquanto os segundos se sentirem protegidos pelos seus “irmãos” ocidentais.
Persistindo numa estratégia de privilegiar a facção da Fatah (liderada pelo presidente da Autoridade Palestiniana) em detrimento do Hamas, sob a alegação de aquele é um movimento terrorista (quando o principal argumento para tal é a recusa no reconhecimento do Estado de Israel), não só este grupo tenderá a assumir posições cada vez mais radicais, como se estará a entregar a condução do processo de formação de um estado palestiniano a uma força política que a população acusa de práticas de corrupção e cujos líderes já demonstraram a sua incapacidade na condução do processo de pacificação resultante dos Acordos de Oslo.
Embora neste último caso quer o já falecido Yasser Arafat quer Mahmoud Abbas não sejam os únicos responsáveis pelo fracasso (Ariel Sharon e Ehoud Olmert partilham enormes responsabilidades nesta matéria), o facto é que as populações palestinianas continuam a viver em situação muito precária e num estado de total dependência do governo de Israel. A decisão deste governo de libertar duas centenas dos milhares de prisioneiros palestinianos que detém, poderá ter grande efeito na opinião pública ocidental mas dificilmente se traduzirá num movimento para a normalização da vida palestiniana (e principalmente da vida política) enquanto a nova geração de líderes, responsável pelo lançamento e condução da segunda Intifada, permanecer encarcerada. Mesmo admitindo que homens como Marwan Barghouti não resolvam por si só a crise, a sua intervenção directa na vida política palestiniana não poderia deixar de ser positiva; o verdadeiro problema é que Israel quase sempre tem preferido uma estratégia de confrontação (particularmente adequada a quem quase meio século volvido sobre a II Guerra Mundial persiste em se apresentar como mártir exclusivo da política de genocídio dos não-arianos decidida pela Alemanha nazi) como forma de justificar as acções de represália indiscriminada que regularmente exerce sobre os territórios palestinianos e a manutenção no poder de um líder fraco e contestado como Mahmoud Abbas é-lhe particularmente vantajosa.
A questão agora é saber se o Quarteto e o seu “enviado especial” conseguirão (ou quererão) aproveitar os novos tempos… ou se iremos voltar a assistir aos inúteis desfiles de personalidades que além dos seus pomposos discursos pouco mais produzirão de útil para a resolução de uma das mais complicadas sequelas da II Guerra Mundial e para o justo tratamento dos cerca de cinco milhões de palestinianos (dados da UNRWA[6] disponíveis aqui) que se viram expulsos do seu território e forçados a viver como refugiados nos países vizinhos.
Para quem tanto tem lamentado a diáspora hebraica e tudo tem feito para a reparação dessa injustiça, quando começará a pensar enfrentar a resolução da diáspora palestiniana?
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[1] Designação que a par com a de Quarteto do Médio Oriente designa o conjunto dos EUA, UE, Rússia e ONU, grupo constituído em finais de 2002, numa altura em o conflito na região do Médio Oriente recrudesceu de intensidade, que é suposto procurar uma solução para o conflito israelo-palestiniano.
[2] A Aliança de Civilizações é uma iniciativa do secretário-geral da ONU, apoiada pelos governos espanhol e turco, que pretende incentivar vontades políticas e mobilizar acções concertadas para combater os preconceitos entre culturas e religiões. Foi lançada em 2005 por Kofi Annan e actualmente é seu Alto Representante o ex-presidente Jorge Sampaio.
[3] Ver o texto integral aqui (versão em inglês)
[4] Ver o post IRMÃOS INIMIGOS
[5] As referidas crónicas, em número de oito no seu formato original, estão agora disponíveis em livro (com tradução em português e edição da QUASI) sob o título ISRAEL PALESTINA – PAZ OU GUERRA SANTA e na sua introdução escreve o autor «Estive quinze dias em Israel/Palestina, entre 30 de Agosto e 15 de Setembro de 2005, para escreve esta reportagem. (…) Embora esperasse que a minha reportagem fosse alvo de críticas, fiquei surpreendido com a sua quantidade e virulência de algumas delas, sobretudo aquelas que conhecendo a minha trajectória de solidariedade para com Israel, me acusam de ter passado para o inimigo. Qualquer pessoa que leia este livro de forma desapaixonada comprovará que essa acusação é absurda. (…) As minhas críticas ao governo israelita pela política que leva a cabo em relação à questão palestiniana são inspiradas nos mesmos princípios de amor à liberdade e à justiça que me levaram a defender Israel contra aqueles que o caricaturaram como um mero peão do imperialismo no Próximo Oriente. E, claro, não aceito a chantagem a que recorrem muitos fanáticos que chamam «anti-semitas» a todos aqueles que denunciam os abusos e crimes que comete o Governo de Israel.» texto que é bem revelador do clima de pressão internacional que os grupos judaicos exercem sobre a opinião pública ocidental.
[6] A UNRWA –United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East é uma agência especializada da ONU no apoio à educação, saúde, serviços sociais e ajuda de emergência a mais de 4,4 milhões de refugiados palestinianos que vivem na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria.
1 comentário:
Meu caro, em duas notas:
1- Eleições americanas a começar a marcar a agenda
2- Blair reconciliando-se com a história, eis o futuro Nobel da Paz.
Quanto ao resto, tudo vai ficar na mesma.
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