domingo, 20 de setembro de 2009

BARROSO, HÉLAS!

Foi com esta exacta expressão que o prestigiado e insuspeito jornal francês LE MONDE titulou o seu editorial no dia da recondução de Durão Barros à frente da Comissão Europeia para um segundo mandato de cinco anos.

É que, apesar do reforço da posição dos partidos de direita no Parlamento Europeu, a maioria que agora reconduziu Durão Barroso é inferior à que o elegeu há cinco anos (53,2% contra 58,3%) e, pior, constituída principalmente por eurocépticos.

Este resultado, confortável do ponto de vista matemático e formal, não deixa de constituir um paradoxo interessante e bem revelador do modo de funcionamento da União Europeia; atente-se que durante a sessão parlamentar que antecedeu a votação, Durão Barroso pediu aos eurodeputados um «...“mandato forte” para a sua “agenda de transformação da Europa”, prometendo uma cooperação estreita com o PE para a desenvolver. “Se querem uma Comissão forte, que se imponha aos Estados-membros, que se imponha aos egoísmos nacionais, devem dar à Comissão o apoio forte que precisa”»[1], obtendo o apoio dos sectores mais conservadores (por definição mais avessos à mudança) e menos empenhados no aprofundamento do processo de construção europeia... e obteve-o!

Os anacronismos da União Europeia são há muito matéria de vasta reflexão e abundante polémica, pelo que o que agora ocorreu não constitui novidade nem deve ser nada que preocupe o muito flexível Durão Barroso, mesmo quando tem pela frente a complicada tarefa de constituir uma equipa de comissários que agrade a todos os seus apoiantes (aos governos dos 27 estados-membros e aos grupos parlamentares que agora lhe deram o seu voto) enquanto ainda ecoam as declarações do presidente do grupo liberal (o belga Guy Verhofstadt), exigindo «mais audácia e uma Comissão com mais ambição» para manter o voto favorável dos seus 84 parlamentares na data da apresentação da nova Comissão e do respectivo programa .

Para complicar este habitual jogo de influências e de sobe e desce de apoios e de votos, Durão Barroso (e toda a nomenclatura europeísta) está ainda dependente do resultado do referendo que terá lugar na Irlanda no próximo dia 2 de Outubro, data em que se voltará a referendar a aprovação do Tratado de Lisboa, quando estão em aberto todas as dúvidas sobre o seu desfecho.
Embora a questão a rejeição do Tratado de Lisboa não implique o fim da UE – a prova é que esta tem continuado a funcionar e de forma perfeitamente normal nos termos do Tratado de Nice – os defensores do neoliberal Tratado de Lisboa pretendem impor a sua aplicação, pelo que depois de terem conseguido a aprovação por mera via parlamentar na generalidade dos estados-membros pretendem agora induzir os irlandeses a mudar o sentido do seu voto de 12 de Junho de 2008
[2].

Ainda que possa parecer desajustada a mistura da reeleição de Durão Barroso com a questão da repetição do referendo irlandês, estas são apenas o reflexo da mentalidade que impera em Bruxelas e dirige há vários anos os destinos de quase 500 milhões de habitantes; não é apenas uma questão de escolher uma personalidade melhor ou pior preparada para conduzir os destinos de uma união económica, é também a definição do modelo de governação política e económica que se pretende para uma das maiores regiões económicas num mundo profundamente agitado pela fragilidade da hiper-potência que tentou ser os EUA e pela disputa entre os candidatos (China, Rússia e Europa) a um futuro papel de orientação global.

Estando em causa problemas desta natureza não se pode, sob que argumento seja, aceitar como válidas argumentações em defesa e louvando a reeleição de Durão Barroso como pude ler no editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, do passado dia 17, ou no artigo que Teresa de Sousa assinou no PUBLICO, que em resumo defendem que todos (portugueses) devemos estar não só felizes e contentes, mas também orgulhosos, por estar na presidência da Comissão Europeia um neoliberal “cinzentão”, dúctil e passivo Durão Barroso...

Em jeito de conclusão quase me apetece citar (adaptando) Almada Negreiros; se o Durão (Dantas) Barroso é português… eu quero ser espanhol!
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[1] Citado do artigo do PUBLICO: «Parlamento Europeu elege Barroso hoje, mas exige mudança de política».
[2] Sobre o referendo irlandês ver o “post”: «E ISTO NÃO ERA UMA CONSTITUIÇÃO…»

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