domingo, 16 de março de 2008

OS BANQUEIROS E A CRISE

Movimentações sociais - expressas em manifestações e diversas greves sectoriais – e aniversários governativos aparte, a semana que findou terá ficado assinalada pelo VI Fórum da Banca e Mercados de Capitais, organizado pelo DIÁRIO ECONÓMICO e que oportunamente reuniu a nata dos banqueiros nacionais.

Ao que relatou aquele jornal económico, durante a reunião terá sido colocada a questão de saber «Porque é que uma família em Ohio que não tem capacidade para pagar a sua hipoteca leva a que uma família em Évora pague mais pelo crédito?»

Questão idêntica já há meses fora colocada pelo caricaturista Chappatte nas páginas do jornal suíço LE TEMPS:

Mas a diferença é que desta vez o ministro português das Finanças, também convidado para o evento, admitiu que a crise do “subprime” já chegou a Portugal e que a situação é preocupante e até o autor do artigo explica que a factura será suportada pela «economia real que está aberta e exposta aos choques externos; a banca, cujo negócio foi directamente beliscado pelo incumprimento nas hipotecas de alto risco; e os clientes que vão ter mais dificuldades em conseguir novos empréstimos e que vão pagar mais, por exemplo, nos contratos para a compra de casa».

Definitivamente afastados os tempos em que houve quem dissesse que «num mês não se falará nesta crise do crédito»[1] e em que as agências internacionais de rating anunciavam a Banca a salvo da ameaça do “subprime”, vive-se agora a inevitável necessidade de enfrentar a situação e os banqueiros nacionais foram unânimes em afirmar que terão que ser os clientes dos bancos que suportarão o acréscimo dos custos, seja através de maiores restrições ao crédito seja através da subida dos custos.

É verdade! Perante a dura realidade, explicada pelos erros cometidos pelos banqueiros na concessão de crédito a clientes de muito alto risco e no refinanciamento desta actividade mediante a titularização daqueles créditos e na ocultação do risco subjacente, pretendem os mesmos manter os níveis anormalmente elevados dos seus lucros através das já muito faladas subidas de juros e aumentos de comissões, medidas que transferirão na prática os custos dos riscos indevidamente assumidos para os clientes.

Esta prática, de quase assalto à mão armada, que os bancos se preparam para implementar constitui apenas mais um dos muitos atentados contra o saudável funcionamento das economias.

É que os banqueiros, não contentes com o facto de há vários anos estarem a acumular ganhos resultantes de terem exaurido a liquidez da economia, preparam-se agora para continuarem despudoradamente a arrecadar ganhos de uma situação de crise da qual são os principais responsáveis e enquanto pretendem estar apenas a exercer a sua real função na economia – a de agentes de ligação entre aforradores e investidores.

Se isto fosse efectivamente verdade e não tivesse sido desenvolvida uma intrincada teia de produtos financeiros, cuja real necessidade é a de escamotear a avaliação do respectivo risco e não a de facilitar a referida função de ligação, a crise resultante do excesso de especulação no sector imobiliário não estaria a assumir as proporções que esta apresenta, nem a suscitar as muitas e pertinentes questões sobre os seus efeitos e as suas consequências.

Entre estas contam-se as que o ex-primeiro ministro francês, Michel Rocard, formulou num artigo de opinião recentemente publicado no JORNAL DE NEGÓCIOS e muito oportunamente intitulado «O Desastre Capitalista», que concluiu assim:

«A cada quatro ou cinco anos, a legitimidade do sistema precisa de ser confirmada através de eleições. Mas estará o sistema a perder de tal forma essa legitimidade, devido à crise económica e social, que nem as eleições voltarão a ser viáveis?
É claro que o capitalismo continua a ser mais compatível com a liberdade pessoal do que o comunismo alguma vez foi. Mas é agora perfeitamente óbvio que o capitalismo está demasiado instável para sobreviver sem uma forte regulação pública. É por isso que, depois de anos e anos a ser negligenciado como uma opção viável, é altura de delinear um projecto social-democrata para o palco político

Se os próprios actores, que ao longo dos últimos anos desempenharam importantes papeis na farsa que se tem revelado o modelo de economia global, começam a revelar claros sinais de descontentamento e inquietude, como se pode esperar que o comum dos cidadãos continue serenamente à espera de mais notícias desastrosas sobre a economia norte-americana enquanto assiste a uma subida generalizada dos preços das matérias-primas, produtos alimentares incluídos, mas nunca dos seus salários?

Como se pode entender (e aceitar) a hipocrisia dos patrões de um sector de actividade, como o financeiro, que há vários anos vem apresentando crescimentos da ordem dos dois dígitos nos seus resultados, como é o caso numa economia periférica como a portuguesa, mas continua a impor aos seus trabalhadores actualizações salariais sempre inferiores à inflação registada, senão como parte de uma bem arquitectada estratégia orientada para a crescente concentração da riqueza produzida num número cada vez menor de cidadãos. Esta estratégia de empobrecimento geral tem sido levada a cabo mediante o recurso a teorias e políticas económicas que tendem a apresentar a desregulamentação e a generalização do recurso ao crédito como sintomas de progresso e bem estar, quando na realidade apenas tem conduzido a generalidade das economias nacionais para a regressão e a agressão militar.

Já em Setembro do ano passado, num post intitulado «HAVERÁ FUTURO NA CRISE?» questionei esta realidade e chamei a atenção para os trabalhos de alguns economistas que têm vindo a procurar demonstrar a irracionalidade do actual modelo económico e a apresentar sugestões para a resolução da situação. Entre estes conta-se Richard C Cook[2] que nos últimos anos vem apelando para a necessidade de entender e converter o crédito num bem de utilidade pública[3], ideia que em certa medida parece ter sido agora retomada por Michel Rocard quando apela à necessidade de um novo plano social-democrata.
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[1] Esta afirmação, além de referida no post «CRISE? QUAL CRISE…», foi ainda alvo de especial atenção neste outro «JUVENTUDE OU LEVIANDADE»
[2] Richard C. Cook é um estudioso e consultor de empresas de nacionalidade norte-americana. Licenciado na Universidade William and Mary (uma das universidades públicas mais prestigiadas nos EUA) este antigo analista governamental (durante a presidência de Jimmy Carter) que também desempenhou funções na Food and Drug Administration, na NASA (onde esteve envolvido na denúncia dos defeitos que culminaram com o desastre do vai-vem Chalenger) e no Departamento do Tesouro dos EUA abandonou funções governamentais em Janeiro de 2007 e tem desenvolvido desde então uma actividade de escritor, orador e consultor em matérias de administração pública, mudança organizacional e resolução de conflitos. Pelo seu papel nos trabalhos da comissão federal nomeada para a investigação do acidente do Chalenger e na divulgação das respectivas explicações, foi galardoado em 1991 com o prémio Cavallo Foundation Award for Moral Courage in Business and Government. Alguns dos seus trabalhos podem ser lidos (em inglês) aqui.
[3] Como contributo para esta questão proponho a leitura deste outro post «CRISE? QUAL CRISE…» que antecedeu e complementa o anteriormente citado e ainda «O PRÓXIMO DOMINÓ VAI SER AINDA PIOR» e «COMO VAI FUNCIONAR O ESTÍMULO DE BUSH» que não tendo directamente a ver com esta questão apresentam alguns contributos para compreender a possível evolução da crise do sistema financeiro e a debilidade das medidas propostas para a contrariar.

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