Analisada friamente a questão, a resposta apenas pode ser pela negativa. E senão, vejamos: para que serviu mais esta ofensiva militar levada a cabo contra os palestinianos?
Apresentada como uma acção necessária face à constante flagelação do seu território praticada pelos grupos palestinianos mais radicais, aparte a eliminação de mais de uma centena de palestinianos, conseguiu o governo israelita por cobro ao disparo de rockets a partir daquele território?
Não parece ser essa a conclusão que retira o enviado especial do LE MONDE à Faixa de Gaza quando titula uma das suas reportagens com: O exército israelita retirou de Gaza sem ter posto fim aos tiros palestinianos.
O uso da força militar, traduzida no recurso aos ataques com mísseis a partir dos helicópteros Apache ou dos drones teleguiados, ou no uso de blindados e buldozers para destruir habitações que supostamente albergarão as famílias dos militantes – medida há muito usada pelo Tsahal como via de intimidação e de punição colectiva – parece ter voltado a falhar, pelo menos a avaliar pelo facto noticiado pelo jornal suíço LE TEMPS[1] de que só no passado domingo foram lançados 24 rockets contra o sul de Israel, com a agravante de agora também estar a ser utilizada uma versão iraniana dos célebres Katiushka, com um alcance da ordem dos 22 Km e maior poder destrutivo. Esta escalada armamentista do Hamas teve como consequência imediata o aumento da tensão em Israel e da pressão sobre o seu governo para o desencadear da operação.
Em meados de Janeiro, nas vésperas do início do bloqueio imposto à Faixa de Gaza pelo governo de Olmert, o jornal israelita HA’ARETZ recordava que desde o lançamento em 2001 do primeiro Qassam, caíram em território israelita cerca de 5.900 rockets, provocando 18 mortos e cerca de 600 feridos, números que comparados com os cerca de 35 mortos mensais em acidentes de viação dão uma boa noção da pouca importância dos primeiros ou que, pelo menos, não são suficientemente graves para justificar a Terceira Guerra Mundial[2].
Mas as próprias reacções da imprensa israelita sobre os recentes acontecimentos revelam-se contraditórias; enquanto o MAARIV[3] (diário conotado com a direita) admite como marco do início das hostilidades um ataque israelita a um veículo onde seguiam destacados dirigentes militares do Hamas e se questiona sobre a situação criada pelo seu próprio governo aos habitantes de Sderot e de Ashkelon[4] e sobre a finalidade de mais esta acção que afirma desproporcionada e sustentada numa mera inequação entre o derramamento de sangue israelita e palestiniano, já o HA’ARETZ[5] (diário considerado de centro esquerda) não poupa a comparação entre os recentes acontecimentos e a invasão do Líbano em 2006, acontecimento em que o governo não mostrou saber para onde ia, nem para onde conduzia os israelitas.
Quando tudo isto ocorre nas vésperas de mais uma ronda das negociações israelo-palestinianas, decididas na sequência da cimeira de Annapolis e que deveria contar com a presença da Secretária de Estado Condoleezza Rice, quem pode duvidar que entre os principais interessados se contam os grupos mais radicais dos dois lados do conflito?
Isto parece tanto mais real quanto apesar de pouco divulgada no exterior das suas fronteiras, existirem no seio da população israelita organizações que vão coligindo informação e noticiando factos particularmente relevantes para a compreensão do real fenómeno que constitui a difícil relação entre judeus e palestinianos. Exemplo disto foi a recente publicação no YEDIOT AHARONOT de um relatório do movimento PEACE NOW revelando que entre 2000 e 2007 os governos israelitas recusaram 94% dos pedidos de construção apresentados por palestinianos moradores nos territórios da Cisjordânia sob controlo exclusivo de Israel e que no mesmo período por cada autorização de nova construção foi ordenada a demolição de 55 já existentes.
Se for necessário tornar mais real a brutalidade destes dados basta referir, como o faz o referido relatório, que durante os 8 anos analisados foi permitido aos palestinianos a construção de 91 habitações enquanto nos colonatos judaicos foram edificadas 18.472 habitações. Perante tamanha injustiça e prepotência contra uma população de credo diferente quem ousará condenar a classificação da actuação das autoridades judaicas como puro genocídio[6]?
Perante estas evidências como entender o recente empenho da administração Bush no aprofundamento de um processo negocial conducente à criação de um estado palestiniano destituído de quase todas as condições de sobrevivência, senão como via para a manutenção um importante aliado militar na região. Só assim fazem sentido as recentes declarações da Secretária de Estado Condoleezza Rice, citadas pela BBC NEWS, que à chegada ao Egipto afirmou continuar «...a acreditar que é possível alcançar um acordo até ao final do ano, se todos estiverem empenhados nisso» quando são públicas e notórias as divisões entre os palestinianos – com a Fatah e o Hamas a dividirem a administração da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e divididos quanto questões fundamentais como o estatuto de Jerusalém, o direito de retorno dos palestinianos e o reconhecimento do Estado de Israel – e a fragilidade dos negociadores, sejam eles a Autoridade Palestiniana – entidade liderada pela Fatah mas desprovida da indispensável legitimidade após a vitória eleitoral do Hamas – ou governo de Ehud Olmert – abalado por questões de natureza interna ligadas à corrupção e ao recente fracasso no Líbano do habitualmente todo-poderoso Tsahal – a que deverá ser acrescido o natural avolumar de dúvidas quanto à exequibilidade da solução dois povos - dois estados, subitamente tão do agrado de judeus e americanos...
Enquanto Israel e o ocidente persistem na estratégia de hostilizar o Hamas (e de rejeição dos resultados eleitorais que conduziram aquele grupo ao poder por alegadamente este não reconhecer o Estado de Israel) e de apoiar a Fatah, num perigoso jogo de gato e de rato que já levou ao confronto armado entre os dois grupos (do qual resultou a expulsão da faixa de Gaza das milícias afectas à Fatah), do mesmo tipo do que realizam as milícias do Hamas com o Tsahal, a situação do milhão e meio de palestinianos que vive na Faixa de Gaza não pára de se degradar, empurrando um número cada vez maior de palestinianos para as acções de guerrilha, que após o aumento das medidas de segurança e a construção do famigerado muro de separação se converteram no lançamento de rockets em substituição dos atentados suicidas.
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[1] Ver a notícia na íntegra aqui.
[2] Citado a partir de uma notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[3] As referências a esta publicação foram retiradas desta notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[4] Sderot e Ashkelon são as duas localidades israelitas mais próximas da fronteira com a Faixa de Gaza (a primeira há muito constitui um alvo habitual para os Qassam (mísseis de fabrico artesanal) palestinianos enquanto a segunda começa agora a constituir um alvo potencial para os novos Grad (os referidos mísseis do tipo Katiushka de fabrico iraniano) ampliando a sensação de insegurança) que há muito constituem um problema delicado para os governos israelitas manietados entre a pressão dos seus habitantes para abandonarem os locais e a impossibilidade política de admitirem a incapacidade para os protegerem.
[5] As referências as esta publicação foram retiradas desta notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[6] De acordo com a Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição dos Crimes de Genocídio entende-se este como qualquer acção que intente: destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso; matar membros do grupo; causar sérios prejuízos físicos ou mentais a membros do grupo; infligir intencionalmente aos membros do grupo condições de vida que provoquem danos físicos; impor medidas destinadas a controlar a natalidade e impor a transferência de crianças de um grupo para outro.
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