quarta-feira, 19 de março de 2008

FOI HÁ CINCO ANOS...

Quem ainda duvidará que cinco anos volvidos sobre a abertura das hostilidades no Iraque aquela invasão não realizou os benefícios sonhados e ainda não terá revelado todas as consequências, pois não é apenas a “semente” da democracia que tarda em florescer.

Ausculte-se a opinião dos iraquianos sobre as muitas promessas por cumprir e enquanto isso tarda (quem na realidade quer conhecer a opinião dos povos atacados) vejam-se alguns indicadores que a OXFAM incluiu num seu relatório apresentado em meados de 2007 denunciando a seguinte situação:

  • 4 milhões de iraquianos (15% da população) não conseguem adquirir comida suficiente;
  • 70% não dispõem de abastecimento adequado de água, contra 50% em 2003;
  • 28% das crianças apresentam sinais de má nutrição, comparados com os 19% que se registava antes da invasão em 2003;
  • 92% das crianças iraquianas sofrem de problemas de aprendizagem, principalmente devido ao clima de medo;
  • mais de 2 milhões de pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, foram deslocados no interior do país;
  • outros 2 milhões encontram-se refugiados no exterior, principalmente na Síria e na Jordânia.

Além destes dados reveladores da evidente degradação das condições de vida de uma população a que os ideólogos “neocons” se propunham oferecer a democracia à bomba, como é habitual em todos os cenários de conflito (e o do Iraque não constitui excepção) existe ainda o grave problema das baixas civis. Se pairam fundadas dúvidas sobre o número real de baixas entre os contendores (de acordo com o Iraq Coalition Casualty Count estão contabilizadas mais de 4 mil baixas[1] e 29 mil feridos entre os soldados da coligação e pouco mais de 8 mil iraquianos membros das forças de segurança abatidos desde a queda do regime de Saddam Hussein, ou seja, não incluindo as baixas iraquianas registadas durante o período dos combates com o exército daquele país); também no que respeita à contabilização das baixas civis os números variam entre os 34 mil mortos anunciados pelo governo iraquiano e os 150 mil reportados pela OMS em meados de 2006, enquanto para o independente Iraq Body Count[2] o número de mortos civis desde o início da invasão situar-se-á entre os 80 e os 90 mil mortos.

Mas a dimensão mais dramática desta absurda iniciativa militar é a que é dada pelo número de refugiados. Segundo a AMNISTIA INTERNACIONAL existirão no país 4,2 milhões de refugiados (cerca de 15% da população total), dos quais mais de 2 milhões nos países vizinhos da Síria (1,4 milhões) e Jordânia, totalmente dependentes da ajuda humanitária, a que acrescem os 8 milhões de iraquianos totalmente dependentes da ajuda humanitária para sobreviverem em consequência da destruição da economia nacional.

A esta evidente, e de todo em todo evitável, catástrofe humanitária deverão ainda ser acrescentados outros factos relativos ao processo de ocupação do Iraque.

Começando pelo gravíssimo precedente que constituiu um ataque perpetrado contra o parecer das instituições internacionais (ONU), iniciativa vergonhosa a que o governo português da época, liderado pelo actual presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, deu o seu aval, decisão cuja gravidade não pode ser reduzida pelo facto de não ter sido o único país europeu a fazê-lo[3], continuando com a total ineficácia na reconstrução da economia e das infraestruturas – dados apontam para que mais de quatro em cada dez iraquianos sobrevive com um dólar por dia e dois em cada três não têm qualquer acesso a água potável - uma vez que a maioria dos fundos destinados a esta tem sido canalizada para a área da segurança[4] (fenómeno a que não será estranha a proliferação de empresas privadas de segurança a operar no país) em detrimento da melhoria das condições de vida, da saúde e da educação dos iraquianos.

Não menos preocupante (e atentatório dos sempre tão louvados e invocados direitos humanos) foi a reintrodução em 2004 da pena de morte, facto que associado a um sistema de justiça pouco fiável já terá assegurado a eliminação de algumas centenas de iraquianos.

Em resumo, a violência, a impunidade e a situação de pobreza extrema em que vive a generalidade dos iraquianos leva a Amnistia Internacional a classificar de desastrosa a situação dos direitos humanos no Iraque e a afirmar que nem o decréscimo de violência registado nos últimos meses parece querer inverter esta situação.

Embora todos nós sejamos um pouco responsáveis pela situação que se vive no Iraque – se alguma vez nos manifestámos efectivamente contra a invasão não teremos feito de forma suficientemente empenhada para que se obtivesse o sucesso – existem algumas personalidades que são especialmente responsáveis. Isso mesmo o afirmou Mário Soares num recente artigo de opinião quando, apontando a responsabilidade de George W Bush, Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso, escreveu: «Talvez um dia - quem sabe? - o Tribunal Penal Internacional se lembre de os julgar, pelo mal que fizeram à Humanidade. »

Como de momento é remota, muito remota, essa possibilidade aos que se encontram directamente envolvidos naquela situação, e em especial aos soldados norte-americanos, restará esperar para ver o que o futuro lhes reservará e talvez, para cúmulo da ironia, nem sequer as próximas eleições presidenciais norte-americanas tragam assinaláveis ventos de mudança...

…é que talvez apenas os 500 mil milhões de dólares já gastos, a necessidade de continuar a suportar gastos mensais da ordem dos 10 mil milhões de dólares, a situação de crise que atravessa a economia norte-americana e o volume da sua dívida externa (que já ultrapassa os 19 biliões de dólares) acabe por determinar o fim da enorme insanidade em que a administração de George W Bush e os “neocons” nos mergulharam a todos.
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[1] As baixas contabilizadas estão assim distribuídas: 3988 soldados norte americanos, 175 ingleses e 133 de outras nacionalidades.
[2] Iraq Body Count é um projecto não oficial, criado por John Sloboda e Hamir Dardagan, com o objective de manter e actualizar a maior base de dados pública sobre baixas civis durante a Guerra do Iraque. Os dados são obtidos através da imprensa, relatórios hospitalares, morgues, ONG’s e dados oficiais, de cujo cruzamento se pretende obter uma base de dados credível.
[3] Esta decisão de Durão Barroso é passível de maior crítica ainda pelo facto da própria UEE se apresentar dividida sobre a matéria – o Reino Unido de Tony Blair e a Espanha de José Maria Aznar alinharam com os EUA, contra a opinião dos restantes países membros – e esta posição constituir uma inegável demonstração das dificuldades na concertação de um política externa comum aos países membros.
[4] Neste capítulo merece óbvia referência as notícias que regularmente vêm dando conta da prática rotineira de tortura nos centros de detenção e prisões no Iraque, além de outros abusos e uso desmedido da força contra as populações.

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