Para entendermos a real dimensão deste risco convém lembrar o efeito potenciador que teve a política de juros baixos, praticada pelo FED até 2006, sobre o desenfreado crescimento dos volumes de capital aplicados nos mercados financeiros e esclarecer o que são os CDS.
Estes contratos foram criados após o rebentamento da bolha das dot.com[1] e consistem num produto destinado à cobertura do risco de incumprimento no mercado obrigacionista americano; sendo os seus principais intervenientes instituições financeiras não existe qualquer mercado organizado para a sua transacção, pelo que não estão sujeitas a qualquer regulamentação ou controlo.
Especialistas da área financeira estimam um volume deste tipo de contratos em vigor na casa dos 50 mil milhões de dólares (2,5 vezes o valor até agora reconhecido ao mercado subprime), número que ganha a sua verdadeira expressão quando a dimensão do mercado do activo subjacente cujo risco pretende cobrir, a tal dívida privada titulada por obrigações, não ultrapassa os 5 mil milhões de dólares.
A existência de uma relação de 1/10 – um dólar obrigacionista por cada dez dólares de especuladores – dá uma boa imagem da enormidade deste “mercado” e do colossal risco nele envolvido, porque apenas 10% destes contratos foram originados pela real necessidade de cobertura de risco. Os restantes 90% não passam de “jogadas” exclusivamente orientadas pela febre especulativa e pela crescente pressão no interior do sistema financeiro para a realização de cada vez maiores mais-valias.
Esta crescente tendência para desligar o mercado dos produtos derivados dos respectivos activos subjacentes tem sido responsável pelas crises financeiras que a economia mundial tem registado nos últimos anos[2], mas contrariamente à lógica, a cada nova crise não se sucedeu um período de contenção e racionalização da actividade mas antes uma nova escalada para patamares sucessivamente mais altos nos valores envolvidos e nos respectivos riscos.
Este mecanismo verdadeiramente perverso não só está a corroer o sistema financeiro originado em Bretton Woods, no rescaldo da II Guerra Mundial, e a revelar as fragilidades dum sistema baseado numa moeda internacional que é controlada exclusivamente por um estado (o dólar americano, que o FED emite consoante as necessidades da economia nacional e os objectivos militares da sua administração) como originou uma fase de especulação desregrada, totalmente desligada da economia real e que já deu sobejas provas de quão perigosa pode ser para as restantes economias.
É que os CDS além de usados como via especulativa contra as empresas norte-americanas podem igualmente funcionar como veículo especulativo contra os seus emitentes (bancos e outras sociedades financeiras) e detentores por outras instituições financeiras e esta situação será tanto mais real quanto maior for a desproporção entre o volume do activo subjacente e o volume de contratos em vigor.
Confirmando-se aquela proporção de 1/10, sabendo-se da inexistência de qualquer mecanismo de controlo sobre os CDS (tratando-se de produtos derivados não sujeitos a um mercado organizado estão fora de qualquer controlo oficial, por mais complacente que este seja, e nem sequer figuram no balanço das empresas envolvidas o que as isenta da constituição de provisões) e que estes, por analogia com outros produtos e outros mercados, terão já originado outros produtos derivados[3], numa espiral que apenas poderá conhecer um fim catastrófico.
A interpenetração dos mercados financeiros, natural pela dominância de uma moeda e tornada inevitável pelo processo de globalização, e dos produtos neles negociados, associada à ineficácia dos mecanismos de controlo[4] estiveram na origem das crises anteriores e vão voltar a fazer-se sentir porque a própria conjuntura de subida de juros a propicia e porque a inexistência de qualquer provisão para as perdas transformará os primeiros prejuízos numa catástrofe que se repercutirá a enorme velocidade, à semelhança de um efeito dominó.
Talvez seja a isto que se referiu o anterior presidente do FED, Alan Greenspan, numa entrevista à estação de rádio NPR[5] em finais do ano passado, quando disse: «…devo prevenir que algo inesperado vai-nos atingir (…) as hipóteses de tal acontecer aumentam porque estamos a entrar em áreas vulneráveis. (…) O que pretendo sublinhar é que estamos numa fase de mudanças e que os crescimentos extraordinários dos últimos 15 anos são transitórios e isso vai mudar (…) todo o processo vai começar a inverter-se.» e quando a propósito da evolução das taxas de juro acrescentou que «…são determinadas pelos fluxos mundiais de investimento, com um peso bem superior aos esforços concertados dos bancos centrais, FED incluído, o que implica perdermos o controlo sobre as forças que aumentam os preços»…
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[1] Designação atribuída ao período de especulação bolsista em torno das acções das empresas ligadas ao crescimento da Internet e que culminou em 2001. O seu apogeu verificou-se no ano de 1999 quando as empresas do sector viram as suas cotações aumentar de forma exponencial, coincidindo com a criação e a admissão à cotação de muitas empresas cujas cotações subiram em fecha para rapidamente caírem a preços inferiores aos que tinham iniciado a negociação.
[2] Para informação e um breve historial sobre as crises, ver os posts que publiquei aqui e aqui.
[3] O desenvolvimento recente dos mercados financeiros e a premente necessidade de cada vez maiores volumes de aplicações, tem determinado o recurso à prática da titularização de créditos para posterior revenda a outras entidades (principalmente fundos de investimento e hedge funds), fenómeno a que também não será estranho o período de juros particularmente baixos que se viveu e que o designado «Yen carry trade» - estratégia que consistia no endividamento em yens a um juro muito próximo de 0% para o financiamento de actividades meramente especulativas – catapultou para níveis ainda maiores na medida em que potenciava os ganhos por via de um crédito a custo quase nulo.
[4] Esta característica de ineficácia dos organismos reguladores e fiscalizadores dos mercados não é apenas fruto da tendência desregulamentadora que atravessa o sistema capitalista, mas também das características intrínsecas dos próprios produtos derivados, cuja complexidade os torna particularmente difíceis de controlar.
[5] NPR – National Public Radio é uma estação de rádio norte americana sem fins lucrativos, financiada por capitais públicos e privados.
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