domingo, 3 de fevereiro de 2008

COMO VAI FUNCIONAR O ESTÍMULO DE BUSH

Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, é inegável que a nível mundial o assunto de todos os dias é a crise da economia.

Se para os desempregados, cujo número continua a crescer, a existência de uma crie é já uma realidade, para quem trabalha, sente-a nos cada vez mais parcos rendimentos que vai auferindo enquanto acompanha o seu desenvolvimento pelas notícias.

Estas vão referindo as oscilações dos mercados de capitais, que ora apresentam fortes descidas ora ensaiam tímidos movimentos de subida, as reacções dos bancos centrais, com o FED a persistir na estratégia de descida das taxas de juro e em regulares injecções de moeda no sistema bancário, medida em que tem sido acompanhado pelo BCE e pelo Banco de Inglaterra (para só falar nas moedas mais fortes), e mais recentemente o anúncio pela administração norte-americana de medidas concretas para contrariar a situação.

Assim, acompanhando a actuação do FED a administração Bush decidiu implementar um programa para estimular a economia norte-americana. Qual New Deal[1] da era moderna, Bush anunciou que o seu governo vai implementar um programa de 150 mil milhões de dólares para relançar aquela economia.

Para os mais incautos importa esclarecer que não vai haver qualquer alteração na política económica da administração norte-americana, nem se registará nenhuma inversão na filosofia de desregulamentação e de desmembramento do sector público que a actual administração tem conduzido. Sempre na esteira dos mais elementares ensinamentos de Milton Friedman, o que o programa anunciado incluirá são incentivos de natureza fiscal para os investidores e uma redução da carga fiscal para as famílias.

Longe, muito longe, de qualquer programa de investimento directo na economia, o que a ultraliberal administração americana se propõe fazer é oferecer incentivos fiscais a quem pretenda realizar novos investimentos e permitir aos americanos conservar mais algum do seu dinheiro a fim de aumentar o consumo privado.

Com esta intervenção minimalista – sempre na estrita observância dos princípios de não intervenção governamental na economia – a administração Bush espera que o segmento mais endinheirado da população americana aumente as suas despesas de investimento, enquanto dos restantes se espera que gastem o suficiente para tornar mais lucrativos os investimentos dos primeiros.

Este esquema muito simples até poderia funcionar, não se desse o caso da economia americana atravessar uma fase de profunda desagregação, em resultado das políticas de deslocalização da sua produção industrial. Cumprindo as regras essenciais da chamada globalização, há décadas que as indústrias americanas deixaram de operar naquele território e mediante recurso a mão-de-obra nacional; procurando incessantemente a maximização dos ganhos dos seus accionistas, a produção foi deslocalizada para regiões como a do sudoeste asiático pelo que os futuros investimentos terão um efeito muito mais mitigado que o desejado e os fundos necessários ao seu financiamento terão ainda o indesejável efeito de agravar o défice externo.

Pior, porque totalmente dependente de financiamento estrangeiro a economia americana não só verá agravada sua situação deficitária como parte significativa dos ganhos gerados no consumo serão “exportados” para os países produtores dos bens e equipamentos que os EUA hoje importam em larga escala.

Será interessante observar no futuro os efeitos perversos desta política (que o caricaturista Jeff Danziger descreve aqui de forma divertida, mas dramaticamente real) e talvez então, trabalhos que investigadores e economistas vêm publicando há várias décadas[2] sobre os efeitos da actuação de organizações como o FMI e o Banco Mundial, que preconizam a aplicação de medidas daquele tipo às economias em desenvolvimento, se tornem ainda mais esclarecedores e até um pouco premonitórios do que espera os americanos.

Opinião igualmente pouco abonatória é a apresentada por Rodrigue Tremblay, professor de economia na Universidade de Montreal e o autor de THE NEW AMERICAN EMPIRE que assegura que os EUA atravessam já uma situação de estagflação[3] e para o demonstrar recorda a situação de desequilíbrio do orçamento norte-americano – fortemente agravado pelo custo das guerras no Afeganistão e no Iraque[4] e pelas reduções fiscais oferecidas às grandes empresas – o sobre endividamento do conjunto da economia americana associado a uma taxa de poupança global próxima de zero que tem originado o crescimento a dívida externa e a queda continuada da cotação dólar que longe de contribuir para o reequilíbrio está a agravar a balança de pagamentos.

Por tudo isto, salienta aquele autor, as políticas monetárias orientadas para provocar o crescimento das economias através do aumento da oferta de moeda em circulação estarão condenadas ao fracasso, porque o seu principal e mais evidente resultado será uma subida generalizada de preços e, acrescento eu, um mais que duvidoso efeito sobre uma economia fragilizada pela globalização.

O acumular de efeitos como o resultado da loucura que representa a escalada do défice americano, a rapina que tem sido praticada sobre o sector público, a debilidade no controlo das crises financeiras, o crash do mercado imobiliário, a queda do dólar e a subida do preço do petróleo, tudo contribui para que o ano de 2008 marque a confirmação de uma situação de crise que a queda dos mercados financeiros no passado mês de Dezembro veio demonstrar que não é um exclusivo da economia americana mas um problema da economia mundial.
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[1] New Deal foi a designação pela qual ficou conhecido o conjunto de programas com os quais o presidente Roosevelt decidiu enfrentar a Grande Depressão que sucedeu à crise de 1929 e que consistiu no lançamento de grandes investimento em infraestruturas (electrificação e outras obras públicas) por todo o território norte-americano, seguindo as teorias de John Maynard Keynes que preconizava a intervenção do Estado na economia em períodos de crise como forma de criação de emprego e de aumento da produção e da riqueza distribuída.
[2] Entre estes estou a recordar-me de trabalhos como A ARMADILHA DA DÍVIDA EXTERNA, de Cheryl Payer (publicado na década de 70 do século passado), O HORROR ECONÓMICO, de Viviane Forrester (trabalho da década de 90 do século passado) e o mais recente THE SHOCK DOCTRINE, que Naomi Klein publicou no ano passado
[3] Termo criado durante a década de 1970 para definir económica em que se conjugam as características de uma recessão, traduzida na redução do nível de actividade económica, com o aumento da inflação.
[4] Segundo a BBC NEWS um relatório produzido pelo grupo Democrata do Congresso Norte-Americano estimou o custo do esforço de guerra americano em 1,5 biliões de dólares (1,5x1012), valor que além de muito superior aos 840 mil milhões de dólares previstos, poderá ainda elevar-se aos 3,5 biliões durante a próxima década.

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