domingo, 3 de dezembro de 2006

TERÁ COMEÇADO O DIÁLOGO?

Desenrolaram-se esta semana alguns eventos que poderão, a prazo, ter alguma influência na situação no Médio Oriente.

Fazendo jus ao tradicional papel de moderador iniciado durante o governo de Hussein, a Jordânia, agora sob o governo do rei Abdullah II, foi a anfitriã de um encontro entre George W. Bush e o primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki. Como resultado deste encontro, foi apresentado o plano para acelerar a transferência de poderes para o governo iraquiano, podendo anunciar-se esta intenção como uma via desesperada para encontrar forma dos americanos saírem do Iraque salvando a face.

Atendendo ao cenário político americano resultante das últimas eleições, a importância deste encontro não deriva tanto das conclusões mas de muitos outros acontecimentos que o rodearam. Antes de se deslocar a Amã, Al-Maliki teve um encontro em Ancara com o primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que ficou marcado pela frontal oposição da Turquia a qualquer tentativa de divisão do Iraque e em particular à constituição de um estado curdo.


Quase em simultâneo o presidente iraquiano, o curdo Jalal Talabani, encontrou-se em Teerão com o seu homólogo Mahmoud Ahmadinejad e, obviamente, a questão central foi a situação no Iraque, tendo Teerão manifestado o seu apoio à estabilização naquele território, mas exigindo uma alteração na “política agressiva americana”.

Antecedendo aquela reunião o próprio Abdullah II tornou pública a visão do seu país sobre a situação na região. Numa entrevista a uma cadeia de televisão norte-americana o rei não foi tímido e falou abertamente num cenário de eclosão de três guerras civis na região – Iraque, Líbano e Palestina – enfatizando a necessidade dos EUA analisarem a situação de forma global e não parcelarmente como o têm feito.

Na imprensa americana começaram a surgir as primeiras notícias sobre o conteúdo das conclusões da “Comissão Baker”. Como previsto as hipóteses ventiladas apontam para a preparação da retirada das tropas americanas mediante o aprofundamento de soluções diplomáticas, sendo que a grande questão centrar-se-á na dificuldade de encetar processos negociais sem se conhecerem as partes envolvidas. Quando em resultado da invasão americana foi destruído todo o aparelho governamental e militar do regime de Saddam, corre-se agora o risco de haver mais negociadores que lugares à mesa das negociações.

Talvez prevendo já este cenário deputados e ministros do governo iraquiano afectos ao grupo xiita liderado pelo clérigo Moqtada Al-Sadr, abandonaram os trabalhos parlamentares e governativos em protesto pelo encontro entre George W Bush e Al-Maliki. No plano interno o Iraque continua a registar um número elevadíssimo de vítimas diárias da luta entre sunitas e xiitas e o real poder do governo limita-se à zona de alta segurança em Bagdad sob estrito controlo americano - a chamada “zona verde”.

Paralelamente, no Líbano acentuam-se os sinais de conflito entre partidários pró-sírios e anti-sírios, forma eufemista de referir uma das principais clivagens da sociedade daquele país – divisão entre “islâmicos “ e pró-ocidentais. No primeiro grupo encontram-se os partidários do Hezbollah, do Amal e de outros pequenos grupos islâmicos mais radicais e no segundo os árabes moderados e os cristãos, com particular destaque para os maronitas. Neste alinhamento foi recentemente introduzida uma significativa perturbação no “establishment” político, definido nos termos do Acordo de Taif que em 1989 pôs fim à guerra civil, nomeadamente no recente realinhamento das forças cristãs de Michel Aoun com o Hezbollah e o Amal na exigência de revisão dos termos de partilha dos lugares no governo libanês.

O grande sinal desta mudança pode estar agora mesmo em curso, quando uma manifestação convocada por Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, para dia 1 de Dezembro, se converteu num “sit in” exigindo a demissão do governo, actualmente liderado pelo sunita Fouad Siniora.

Enquanto isto nos territórios palestinianos parece estarem-se a dar alguns passos no sentido de resolver a crise resultante das eleições legislativas do princípio deste ano. Com a vitória do grupo islâmico radical Hamas, os países ocidentais que conjuntamente com Israel fomentaram a derrota da Fatah (grupo palestiniano moderado) decidiram a aplicações de sanções económicas com vista a forçar a substituição no governo da Autoridade Palestiniana. Após terem forçado ainda em vida de Yasser Arafat a criação de uma liderança bipartida entre o governo e a figura do presidente, os EUA e a UE (principais financiadores do estado palestiniano) aplicaram uma política de boicote financeiro que conduziu a insípida economia palestiniana ao colapso e ao agravamento das tenções entre os partidários dos dois principais grupos – Hamas e Fatah. Embora este diferendo possa vir a ser resolvido em breve com a constituição de um governo de unidade, dificilmente serão ultrapassadas as diferenças, muitas delas fomentadas do exterior.

Mesmo que se retome o parco diálogo entre o primeiro-ministro israelita Ehud Olmert e o presidente palestiniano Mahmoud Abbas, o reduzido campo de manobra interno de Olmert poderá determinar a continuação das incursões do exército israelita na Faixa de Gaza e as retaliações palestinianas (ou vice-versa), mediante recurso ao disparo de mísseis rudimentares (Qassam) que em nada têm contribuído para uma acalmia num conflito que se arrasta há mais de duas gerações e que continua sem dar efectivos sinais de abrandamento. Enquanto israelitas e palestinianos continuam a trocar acusações mantém-se por resolver a questão da captura de um soldado israelita que os palestinianos insistem em só trocar pela libertação de um número significativo dos milhares de prisioneiros palestinianos detidos em Israel. A disputa que divide estes dois povos mantém-se em aberto e questões como o direito de retorno dos milhares de palestinianos forçados a fugir pelas sucessivas incursões judaicas é apenas uma dos muitos entraves à realização de eficientes conversações de paz.

Neste cenário triplamente conturbado os políticos norte-americanos mostram-se cada vez menos capazes de formular um plano de acção e tentar cumpri-lo. Terá sido precisamente para responder a esta incapacidade que foi criada a “Comissão Baker” cujas conclusões deverão ser anunciadas em breve. Especulações à parte, conhecendo-se o carácter eminentemente conciliatório de James Baker não será estranho que as conclusões a apresentar não incluam nem uma retirada imediata das tropas americanas estacionadas no Iraque, nem um reforço dos seus efectivos e do seu envolvimento no processo de pacificação do Iraque.

Contrariamente à opinião de muitos especialistas militares que agora defendem o reforço do contingente de tropas no Iraque, como meio para alcançar o desmantelamento dos grupos de resistentes que persistem em flagelar as tropas de ocupação, entre os quais se conta Anthony Zinni, general na reserva que inicialmente se opôs à invasão, a posição a adoptar pelo Pentágono e pelo presidente George W Bush pode variar entre uma de três:
  • “GO BIG” – aumentar o efectivo militar para jugular a revolta popular;
  • “GO LONG” – preparar-se para prolongar a permanência das tropas americanas por tempo indeterminado;
  • “GO HOME” – abandonar o Iraque à sua sorte;

tendo presente que todas elas têm vantagens e inconvenientes e que dificilmente George W Bush aceitará sair do Iraque sem poder reivindicar uma vitória.

O novo equilíbrio de forças em Washington não se traduzirá numa significativa alteração da política norte-americana para o Médio Oriente, pelo que em qualquer dos três estados referidos – Iraque, Líbano e Palestina – não se deverão registar significativas alterações a curto prazo, ou pelo menos estas não deverão ocorrer antes da resolução da crise nuclear iraniana.

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