terça-feira, 5 de dezembro de 2006

QUE FUTURO PARA AS NOSSAS URBES?

A propósito das migrações populacionais debruçou-se ontem Perez Metelo na sua crónica no DIÁRIO DE NOTÍCIAS sobre a questão da desertificação urbana, com especial reflexo no caso lisboeta.

Afirma o autor que aquela cidade sofre de «…um mercado da habitação esquizofrénico, no qual impera o pousio de fogos vazios, com a complementar cartelização de preços proibitivos para o seu arrendamento…» e questiona-se sobre quando intervirá o Estado para solucionar o problema.

Observando este fenómeno de forma menos localizada facilmente concluímos que do mesmo mal padecem a generalidade dos centros urbanos nacionais. Desde a capital às cidades e vilas do interior, passando por todas as capitais de distrito, não haverá nenhuma que possa afirmar-se livre do fenómeno que dá pelo nome de ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA e salvo algumas vilas que têm merecido tratamento especial pela sua envolvente histórica aquilo a que assistimos é à regular aparição de verdadeiros atentados urbanísticos, que vão da simples “maison” do emigrante bem sucedido até à construção de edifícios totalmente despropositados na sua volumetria face à restante malha urbana.

O problema da desertificação dos centros urbanos não sendo um fenómeno novo nem por isso parece constituir motivo de preocupação (e de intervenção) dos poderes públicos (Estado e Autarquias), pelo que continuamos a ver os núcleos mais antigos das nossas urbes em estado avançado de degradação, com imóveis que oferecem mínimas condições de habitabilidade (maioritariamente ocupados por idosos e/ou famílias que não foram encontrando recursos para disporem de outra habitação melhor), mantendo-se muitos deles apenas pelas obras de modernização realizadas nas lojas localizadas ao nível do chão (os que de tal beneficiam) ou a aguardarem a inevitável ruína como recentemente sucedeu em Coimbra.

Este exemplo não é de modo algum extremo, aqui mesmo em Almeirim bom número de habitações da zona mais antiga encontra-se abandonada e muitas delas apresentam já evidentes sinais de ruína. Infelizmente todos bem sabemos as razões para este estado de coisas, que podendo ter começado por uma genuína falta de capacidade económica para a recuperação dos edifícios se transformou hoje em mera manobra de especulação imobiliária, incentivada não só pelas empresas do sector mas também em boa parte pelos própria gestão autárquica muitas vezes condenada a viver das receitas do licenciamento da construção.

Esta via enviesada de financiamento autárquico agravou ainda mais um problema de solução já de si complicada – o da recuperação do património imobiliário – e está a originar outro tipo de problemas. Ao licenciarem construção de volumetria superior à média as autarquias que numa primeira fase beneficiam com o encaixe financeiro originaram sobrecargas nas redes de saneamento, de distribuição de água e energia e viária que lhes acarretarão aumento nos custos de manutenção e renovação das referidas redes.

Além da descaracterização das malhas urbanas, o que se obteve com facilitismos e políticas desregradas foi a degradação da qualidade de vida das populações. Para exemplificar esta situação nem é preciso lembrar os casos extremos do Algarve (região onde tudo foi sacrificado aos interesses de um turismo de muito duvidosa qualidade e nulo proveito ambiental), basta caminharmos pelas ruas da nossa cidade e observarmos a disparidade entre os edifícios tradicionais (com um ou dois pisos) e os ditos modernos, que mais parecem participar numa desenfreada corrida em altura.

Espaços que anteriormente albergaram uma família vêm agora esse número multiplicado por três ou quatro e depois rapidamente surgem as queixas sobre a fraca pressão da água nas canalizações e o inevitável aumento dos custos com a energia ditados pela instalação de bombas de pressão ou, mais normal e económico, chovem as “queixas” sobre a ineficácia da Câmara.

Outro problema não menos grave surge com a sobrecarga na rede viária resultante do aumento da concentração populacional e da falta de espaços de estacionamento uma vez que a construção habitacional raramente é acompanhada da indispensável criação de áreas de estacionamento nos próprios edifícios, seja porque a isso não são obrigados os construtores, seja porque as entidades licenciadoras vão facilitando uma imposição que reduziria os lucros daqueles.

Desde que se generalizou entre nós o conceito de que a aquisição de habitação própria é a forma normal das famílias portuguesas acederem à habitação (em qualquer parte do Mundo faz-se o mesmo por via do arrendamento) que não têm parado de se cometer atentados e atropelos ao bom senso (e ao bom gosto) em nome de algo que talvez para muitos seja um sinal de progresso, mas para mim não passa de mais uma manifestação do proverbial “provincianismo” português.

Quando em matéria de urbanismo se chegar à conclusão que raramente o moderno é que é bom e bonito, já será demasiado tarde para inverter a destruição que fizemos não apenas do património imobiliário mas também da qualidade de vida que houve nas nossas cidades e vilas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho apenas um reparo a este post: não concordo que "raramente o moderno é que é bom e bonito". A questão é saber enquadrar o moderno. Há peças de arquitectura moderna fabulosas. A questão é saber enquadrá-las.Creio também que seria necessário classificar correctamente o que é efectivamente património. Antigo não é necessariamente sinónimo de património.De qualquer forma prefiro uma peça moderna, mesmo que mal enquadrada, a outra sem qualquer conteúdo, amorfa e cinzentona aumentando a monotonia da paisagem de muitas das nossas urbes. Ilustrando, diria que prefiro um quadro bonito sobre uma parede feia do que um quadro feio sobre essa mesma parede.