Têm-se avolumado nas últimas semanas notícias sobre a premência da retirada das tropas americanas no Iraque. Seja devido ao crescente número de atentados e de baixas entre as forças ocupantes (desde o início do mês já terão morrido mais de uma centena de soldados ocidentais, com particular destaque para os americanos), seja devido à agenda eleitoral americana e à pressão da sua opinião pública, o facto é que vão aumentando as referências a essa hipótese e os próprios governantes iraquianos vão colaborando nesta estratégia, mesmo quando confessam a inutilidade do plano de pacificação proposto pelo governo de Nouri Al Maliki.
Há pouco mais de três meses George W Bush, na sequência da morte de Abu Mussab al-Zarqawi (o declarado líder da Al Qaeda no Iraque), garantia que não existia qualquer calendário para a retirada das tropas americanas daquele território, porém, o aumento da actividade da resistência e a sua crescente eficácia poderá estar a proporcionar à administração norte-americana um bom pretexto para a retirada.
Quando há poucos dias George W Bush já admite que o Iraque se poderia transformar no Vietname do século XXI (passem as abissais diferenças que estiveram na origem dos dois conflitos e que para os americanos parecem de todo em todo imperceptíveis) e quando se confirma a posição iraniana de não abdicar do seu programa de pesquisa nuclear, as principais peças do complicado puzzle do Médio Oriente começam a encaixar-se e a proporcionar uma visão cada vez mais clara do que poderá ser o futuro próximo da região.
Para completar esta realidade, até dos aliados ingleses vêm opiniões contrárias à manutenção da ocupação, como foi o caso do Chefe do Estado-Maior inglês (Sir Richard Dannatt) que em recentes declarações ao DAILY MAIL e à BBC defendeu uma rápida retirada das tropas por considerar que a presença inglesa no Iraque agrava os problemas de segurança.
Porque será que de repente toda a gente parece ter começado a encarar a situação no Iraque numa perspectiva diferente?
Será que a actual situação de guerra civil e de total incapacidade para a constituição de uma forma de governo estável naquela região do Mundo consiste na melhor opção do ocidente para combater o “terrorismo”?
Será que os analistas norte-americanos esperam que a Al-Qaeda substitua os previstos ataques contra os seus interesses estratégicos e económicos por acções que a imiscuam numa luta entre facções religiosas islâmicas?
Ou pelo contrário, a agora prevista retirada militar do Iraque não é mais que outro movimento preparatório para a próxima etapa na escalada de violência há muito defendida (e preparada) pelos grupos neo-conservadores americanos?
Fazendo fé nas notícias e nos trabalhos de observadores e analistas, continuam a manter-se intactas e em crescendo as possibilidades da administração americana passar a uma nova fase no cenário de guerra que já é o do Médio Oriente e, em resposta aos constantes apelos e em cumprimento do plano inicialmente estabelecido, iniciar o “assalto” ao Irão e à Síria. Tantas vezes prometido e outras tantas ameaçado, parece agora cada vez mais próximo o dia da sua concretização.
Muitos são os grupos de reflexão que têm vindo a publicar estudos e relatórios sobre esta infeliz possibilidade. Em qualquer das perspectivas, económica, militar e política, que se analise a situação é uma realidade que os sinais são cada vez mais evidentes e já ultrapassaram há muito os meros discursos dos políticos. Assim ao longo dos últimos meses vários têm sido os exercícios militares (vulgarmente designados por manobras ou jogos de guerra), desde os habituais da NATO até aos do Irão, passando pelos realizados por outras alianças militares[1] que englobam países da região e da Ásia e onde Rússia e China assumem papéis de liderança, tendo todos tido em comum um misto de preocupação com a operacionalidade e com a exibição de força.
Para quem entenda desvalorizar os tais “jogos de guerra”, como prática usual das respectivas estruturas militares, convém recordar que paralelamente com eles os EUA e a NATO têm estado a concentrar forças navais de dimensão anormal no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental. Sob comando americano os porta-aviões Enterprise e Eisenhower (e as respectivas frotas de apoio) encontram-se no Golfo Pérsico enquanto uma armada da Nato (integrada por navios franceses, alemães e turcos) ocupa posições no Mediterrâneo Oriental, ao abrigo do mandato da ONU e integrados na força da UNIFIL de interposição entre Israel e o Líbano.
Não é assim de estranhar o interesse norte-americana em adiar o fim do conflito que opôs o exército israelita às forças milicianas do Hezbollah, bem patente na forma como protelou além do admissível a sua intervenção no Conselho de Segurança da ONU no sentido de pôr fim aos bombardeamentos com que Israel flagelou o sul do Líbano, durante os quais, como agora se comprovou, aquele estado usou munições de fósforo (que muitos pretendem ver incluídas entre as armas químicas interditas pela Convenção de Genebra) e contra alvos não exclusivamente militares.
O mandato que dá cobertura à presença de uma frota de guerra junto às fronteiras marítimas da Síria está já a ser utilizado como forma de bloqueio à Síria, pelo menos a avaliar por um despacho da REUTERS, que refere a captura de um navio mercante que transportava equipamento militar (anti-aéreo) para aquele país.
Melhor que quaisquer palavras, o mapa do Médio Oriente mostra à evidência o desenvolvimento de uma estratégia de cerco às regiões ricas em hidrocarbonetos[2], sendo que o recente “affaire” diplomático entre a Geórgia (país que pretende integrar a NATO) e a Rússia constitui apenas mais um degrau na caminhada para a deflagração do conflito.
No plano económico, o LEAP – Laboratório Europeu de Antecipação Política, divulgou recentemente mais um estudo onde situa o início de uma crise para o próximo mês de Novembro, fazendo-a coincidir com a data das eleições norte-americanas. Segundo aquele organismo europeu a crise terá uma duração mínima de seis meses e máxima de um ano e afectará os mercados financeiros (principalmente os fundos detentores de dívida americana, denominada em dólares e em regime de taxa fixa) e as relações estratégicas entre aquele país e a Europa e a Ásia.
Falível, como toda e qualquer outra previsão, nem por isso o trabalho do LEAP deixa de revelar consequências da intervenção americana no Afeganistão e no Iraque, o agravamento ditado pela incapacidade negocial dos EUA com a Coreia do Norte e o Irão (tudo fruto da crescente militarização do Médio Oriente e da Ásia), expressas nas dificuldades que a economia norte-americana, altamente endividada e totalmente dependente da captação de financiamentos no exterior, atravessa e na difícil “ginástica” que tem vindo a ser executada pelo secretário de estado das finanças, Henry Paulsen, para “mascarar” a situação perante o eleitorado norte-americano.
Tudo isto acaba por constituir apenas mais uma razão (fazendo fá na habitual forma americana de resolver as crises económicas domésticas) para o eclodir de uma nova campanha militar.
Esquecida na estratégia de «luta contra o terror» a urgente captura de Ossama Bin Laden, disfarçadas as dificuldades registadas no Afeganistão e no Iraque (o número de baixas de soldados norte-americanos naqueles dois conflitos – 341 no Afeganistão e 2810 no Iraque – já ultrapassará o número de mortos na queda do Wall Trade Center) e a importância da “democratização” daqueles dois países, George W Bush, os seu amigos neo-conservsadores, o indefectível aliado que tem sido a Grã-Bretanha de Tony Blair e agora a generalidade dos governos dos países da União Europeia aprestam-se a atacar novos territórios no Médio Oriente, talvez na expectativa de saltarem de desaire em desaire até à vitória final.
Independentemente da maior incerteza militar que deverá rodear a investida sobre o Irão, é natural que tal como tem acontecido em situações anteriores o exército americano acabe por alcançar vantagem no terreno, mas restará responder a algumas questões:
Será desta vez que os “marines” vão conseguir uma efectiva ocupação territorial ou vamos voltar a assistir a nova encenação de conferência de imprensa onde George W Bush (imitando as figuras de Hollywood tão caras à população americana) declarará o final de uma guerra que ainda não começou?
Será que os neo-conservadores americanos conseguirão instalar em Teerão e em Damasco figuras mais relevantes que os fantoches Hamid Karzai e Nouri Al Maliki, em Cabul e Bagdad, respectivamente?
Com que custos, humanos e materiais, tal desiderato será alcançado?
Ficaremos todos nós mais seguros com a substituição dos regimes iraniano e sírio, ou pelo contrário tudo o que conseguirão os apologistas deste conflito será um novo agravamento das condições globais de segurança e o aumento dos lucros dos sectores económicos ligados à produção e distribuição de hidrocarbonetos, à fabricação de armamento e à prestação de serviços de segurança?
Das respostas que cada um de nós der a estas questões e da capacidade que revelarmos para desmistificar muita da desinformação que circula sobre o assunto poderá depender o eclodir de mais um conflito.
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[1] As organizações em causa são a CSTO (Collective Security Treaty Organization) que engloba a Rússia, Kazaquistão, Kirguistão, Tajiquistão, Arménia e Uzbequistão e a SCO (Shanghai Cooperationa Organization) que engloba parte dos membros do CSTO (Rússia, Kazaquistão, Kirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão )e a China.
[2] Ver o “post” A REALIDADE ALÉM DAQUILO QUE VEMOS, de 9 de Julho de 2006.
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