domingo, 22 de outubro de 2006

MOHAMMAD YUNUS – O BANQUEIRO DOS POBRES

Mohammad Yunus e o Grammen Bank, instituição bancário que fundou, foram os galardoados com o Prémio Nobel da Paz 2006.

Tanto quanto julgo saber trata-se do primeiro banqueiro galardoado com semelhante tipo de prémio, mas, a distinção não parece tão estranha conhecendo-se o empenho deste economista, natural do Bangladesh (um dos países mais pobres do mundo), na luta contra a pobreza.

A fórmula singular do seu método fica perfeitamente esclarecida quando afirma: «Acredito firmemente que todos os seres humanos têm uma habilidade natural. Chamo a isso a habilidade de sobreviver. O facto dos pobres se encontrarem vivos é a prova da sua própria habilidade. Eles sabem isso naturalmente. Disponibilizando crédito aos mais pobres permitimo-lhes que exerçam as suas próprias capacidades. Então, o dinheiro que ganham é uma ferramenta, uma chave que resolve outros problemas[1]

Detentor de uma sólida formação académica (foi bolseiro na Vanderbilt University, no Tennessee, onde obteve o seu PhD e leccionou durante sete anos), Mohammad Yunus regressou ao seu país, um dos mais pobres do Mundo, onde se confrontou com o dilema de leccionar grandes teorias económicas enquanto milhares de pessoas morriam de fome à sua volta. Um trabalho de campo, desenvolvido conjuntamente como os seus alunos da época, permitiu-lhe constatar que a maioria da população padecia de um crónico problema de falta de capital para poder exercer uma actividade que lhe proporcionasse o sustento e o da sua família.

Não resultando a sua extrema pobreza de nenhuma situação de preguiça ou desinteresse, mas sim de um sistema financeiro no qual apenas os detentores de bens materiais podem aspirar a obter o crédito que necessitam, Yunus concebeu um esquema de financiamento de pequenas quantias baseado num sistema de confiança e de mútua vigilância (do credor sobre os mutuários e destes entre si). Montado sobre apertados planos de pagamento (prestações semanais ou bimensais) e garantindo aos bons cumpridores o acesso a futuros financiamentos de maiores montantes, o Grameen Bank dispõe de mais de 1.400 agências, opera em mais de 50.000 aldeias por todo o Bangladesh[2] e orgulha-se hoje de ter emprestado mais 4,7 mil milhões de dólares e apresentar uma taxa de incumprimento da ordem dos 1% (algo com sonham todos os grandes banqueiros mundiais).

A razão do sucesso deste arrojado, mas extremamente simples, plano de combate à pobreza consiste em ter organizado um sistema transparente e que dispensa a maioria das necessidades associadas à imagem de um banco tradicional.

O Grameen Bank não dispõe de meios sofisticados nas suas instalações e os seus empregados visitam regularmente os clientes nas suas próprias aldeias, onde expõem as regras de funcionamento, entre as quais se contam princípios como o da obrigatoriedade de mandarem os filhos à escola, e procedem às entregas dos montantes emprestados e à recolha regular dos juros devidos. Os incumpridores são afastados do sistema (com o tempo revelou-se que as mulheres eram melhores cumpridores e que os benefícios do crédito eram mais rapidamente sentidos por toda a família) e os bons cumpridores vão-se tornando accionistas do próprio banco que com o tempo começou por alargar a sua actividade aos seguros de saúde. Também o sistema de organizar os devedores em pequenos grupos de quatro tem potenciado a confiança e a entreajuda entre os membros bem como o incremento da responsabilidade individual, uma vez que o insucesso de um penaliza o conjunto do grupo.

As transacções são propositadamente conservadas na sua expressão mais simples; os empréstimos são contratados sempre pelo prazo de um ano e os juros pagos a partir da segunda semana. Este sistema liberta os devedores da pressão e da necessidade de gerir somas maiores, caso os pagamentos fossem de maior periodicidade, e simultaneamente contribui para aumentar o seu próprio grau de confiança. Todos os pagamentos são efectuados em público, em reuniões que juntam entre oito e dez grupos de devedores, pelo que num país onde grassa a corrupção aos mais variados níveis da administração, o Grameen Bank orgulha-se de ser tão transparente quanto possível.

Contrariando as previsões e a clássica perspectiva do sector bancário de que os que não têm recursos não são suficientemente credíveis para assegurar um financiamento bancário, o modelo desenvolvido e implementado através do Grameen Bank tem apresentado resultados na redução da pobreza. Estudos independentes, realizados pelo Banco Mundial, indicam que cerca de metade dos mais de 2 milhões de pessoas que o Grameen Bank financiou conseguirão num prazo de 5 anos ultrapassar o nível de pobreza, enquanto outros 25% estarão próximo dessa linha.
Entre as razões para o sucesso deste esquema de microcrédito, Yunus aponta o facto da «...pobreza revestir os pobres de uma imagem de incapacidade e falta de iniciativa. Porém, se obtiverem crédito voltarão lentamente à vida, Até os que parecem menos adaptados são bastante inteligentes e dotados na arte da sobrevivência. O crédito é a chave que desbloqueia a sua humanidade
[3]

O conceito de microcrédito lançado por Mohammad Yunus vai muito além do que vulgarmente é praticado por outro tipo de operadores (prestamistas, familiares, bancos, etc.) no mercado. Yunus denomina-o “Grameencrédito” e define-o como aquele que:

- promove o crédito como um direito humanitário;
tem por missão ajudar as famílias mais pobres a ultrapassarem a pobreza;

- não é baseado na existência de qualquer garantia real ou contrato formal, mas sim na confiança;

- tem prazos curtos (um ano), destina-se à criação do próprio emprego e à geração de rendimento para as famílias e não orientado para o consumo;

- implica a adesão a um grupo de devedores e está associado a um plano de poupança, com uma dupla componente (obrigatória e facultativa), é sujeito a planos de amortização semanais ou quinzenais e a correcta amortização assegurará o acesso a novos empréstimos;

sempre dentro do princípio que:

- a caridade não é uma resposta adequada para a lutar contra a pobreza, pois apenas ajuda a sua perpetuação;

- a caridade cria dependência e anula a iniciativa individual para romper o ciclo de pobreza;

- a solução passa pela força de vontade e a criatividade de cada ser humano para lutar contra a pobreza.

Talvez por esta razão, Yunus tem assumido frontalmente a crítica à ideia do perdão da dívida do terceiro mundo, preferindo substituí-la por um mecanismo que canalize os montantes pagos para um fundo destinado à promoção do microcrédito nesses países. Por considerar que a maior parte das verbas envolvidas nos processos de ajuda externa não chega aos que delas mais necessitam afirma: «A maior parte foi gasta com consultores externos, burocratas ou na compara de equipamento. Apesar de agirem em nome dos pobres, os únicos beneficiários desta ajuda são os que já são ricos».[4]

A filosofia subjacente ao funcionamento do Grameen Bank, que criou um sistema mutualista e de entreajuda dos grupos e subverte todas as regras da banca comercial, tem vindo a ganhar consistência e actualmente o microcrédito começa a diversificar-se, abrindo linhas de crédito à habitação, produtos de poupança, seguros de saúde e crédito para a aquisição de equipamentos de energia solar e telemóveis. Paralelamente estão também a nascer novas empresas no seu universo, vocacionadas para outros sectores de actividade como as pescas, a indústria têxtil, as telecomunicações, as energias renováveis e a Internet.

Mohammad Yunus é particularmente duro quando afirma que «...podemos afirmar que as pessoas são pobres hoje devido ao fracasso do apoio que as instituições financeiras lhe deram no passado. Tal como o direito à comida, ao vestuário, ao abrigo, à educação e à saúde, o acesso ao crédito devia ser reconhecido como um direito humano fundamental».[5]

Se é certo que a eliminação das condições de pobreza extrema em que vivem milhões de seres humanos poderá constituir um forte contributo para a redução das tensões sociais e económicas que muitas vezes conduzem aos conflitos armados, não é menos verdade que o trabalho de Mohammad Yunus demonstrou a validade de toda uma formulação teórica em torno do fenómeno do empobrecimento e do método para a resolução do ciclo infernal do subdesenvolvimento.

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[1] Traduzido de Good Banker, de Alan Jolis in The Independent on Sunday Supplement, 5 May 1996 (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=2)
[2] Este conceito encontra-se já difundido em 52 outros países (situados na Ásia, América do Norte e do Sul, África, Europa e Oceânia), entre os quais os EUA onde, a convite do ex-presidente Clinton, então governador do Arkansas, opera desde 1980, em Pine Bluff, a rede do Good Faith Fund.
[3] Traduzido de Good Banker, de Alan Jolis in The Independent on Sunday Supplement, 5 May 1996 (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=2)
[4] Traduzido de “TWENTY GREAT ASIANS – THE LENDER – Muhammad Yunus” in Asiaweek (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=3)
[5] ibidem

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