O assassinato de mais um jornalista russo, no passado fim-de-semana, parece ter feito soar as trombetas da indignação. Talvez por desta vez se tratar de Anna Politkovskaia, uma bem conhecida jornalista do “NOVAIA GAZETA” que se especializara na cobertura e na denúncia de abuso dos direitos humanos na Tchtchénia.
A imprensa internacional tem-se feito eco (grande eco) deste acontecimento, salientando principalmente o lado bárbaro do atentado e as características de execução de que se rodeou. De pronto se trouxeram à primeira linha das análises o carácter autoritário, xenófobo e de impunidade que o regime russo atravessa, chegando mesmo o LE MONDE a referir que aquele país está a cair num fascismo galopante.
Anna Politkovskaia já tinha sido alvo de várias ameaças de morte, tendo inclusive vivido algum tempo refugiada na Áustria; viu alguns dos seus trabalhos premiados pelo PEN CLUB INTERNATIONAL (em 2002) e a OSCE (em 2003) e foi distinguida com outros prémios como o «Prémio Coragem em Jornalismo» da INTERNATIONAL WOMEN´S MEDIA FOUNDATION (também em 2002) e o Prémio Olof Palme para os direitos do homem (em 2004). Além do seu trabalho jornalístico (ou talvez em consonância com ele) a jornalista envolveu-se ainda em várias iniciativas em defesa das vítimas da guerra na Tchetchénia e participou nas negociações durante a crise dos reféns do Teatro da rua Melnikov, não chegando a intervir na crise em Beslan por ter sido alvo de uma tentativa de envenenamento durante a deslocação àquela localidade da Ossétia do Norte.
De acordo com os trabalhos jornalísticos de Anna Politkovskaia, o regime do presidente Putin mais não tem feito que usar o pretexto do combate contra o terrorismo para exercer um poder autocrático e brutal em territórios como a Tchetchénia. Este território tem sido flagelado por uma luta visceral entre o poder central russo e um movimento oposicionista de matriz islâmica, a qual atravessou a formação do Império Russo e a constituição e a desagregação da União Soviética, e que actualmente se encontra muito associada (pelo menos em termos de órgãos de informação ocidental) a alguns atentados de grande impacto mediático como foi o caso do assalto ao Teatro de Moscovo (2002), o atentado no Metro da capital russa (2004) e o assalto à Escola de Beslan (2004). A sua principal figura, Shamil Basayev, foi morto em Julho deste ano numa explosão cuja autoria ainda não foi definitivamente confirmada.
Sendo inegável o envolvimento das autoridades russas na questão tchetchena e o oportunístico aproveitamento que o Presidente Putin fez da política norte-americana de confronto aberto com o «terrorismo internacional», não será de espantar que aquelas autoridades não vissem com muito bons olhos o trabalho e as denúncias que Anna Politkovskaia vinha fazendo. Também não seria a primeira vez que este, ou outro governo, recorreria a uma solução tão extrema para eliminar “opositores” incómodos, pelo que nada me leva a acreditar que o assassinato daquela jornalista possa ter tido outras “motivações”.
Porém a imprensa russa indicia outros potenciais interessados no acto, nomeadamente exilados políticos, como o ex-oligarca Boris Berezovski ou Leonid Nevzline, ex-vice presidente de Ioukos, interessados na desestabilização do governo de Putin, ou círculos militares russos e grupos extremistas nacionalistas (como refere esta notícia do LE MONDE) que consideravam a jornalista como inimiga da Rússia face à repercussão que os seus artigos jornalísticos tinham ma imprensa internacional.
Parecendo inegáveis os contornos políticos deste assassinato, talvez ele possa marcar alguma alteração nas relações entre o poder e os jornalistas em Moscovo (algo que não tenho por muito garantido), mas a sua condenação deverá igualmente ser entendida como mais uma manifestação em prol da liberdade de imprensa e dos jornalistas exercerem a sua actividade de forma responsável, mas independente dos poderes estabelecidos, algo que cada vez mais se revela difícil até entre os regimes democráticos ocidentais.
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