A Palestina (e em especial a minúscula Faixa de Gaza) voltou ao centro das atenções dos órgãos de comunicação nacionais e estrangeiros desde que há cerca de duas semanas um soldado israelita foi capturado por militantes palestinianos na sequência de uma escaramuça junto a um posto fronteiriço no sul da Faixa de Gaza. De então para cá o exército israelita (Tsahal) tem multiplicado as acções naquele território palestiniano e na Cisjordânia, as quais percorrem o vasto espectro de possibilidades determinado pela esmagadora superioridade bélica e técnica de que dispõe; assim, em resposta à captura daquele militar, Israel tem-se desdobrado em bombardeamentos de artilharia, incursões de infantaria mecanizada e em ataques aéreos especificamente orientados para as parcas infraestruturas de que os territórios palestinianos dispõem. Entre estas conta-se a única central eléctrica do território, escolas e edifícios públicos, entre os quais o do próprio primeiro-ministro Ismael Haniyeh, rusgas em hospitais, habitações e outras acções destinadas apenas a tornar impraticável a vida corrente aos palestinianos.
As acções israelitas têm contado com a resposta possível dos guerrilheiros palestinianos, pelo que se tem registado um recurso crescente ao lançamento de “rockets” Qassam (material bélico de produção artesanal) sobre território israelita, tendo-se tornado particularmente notados aqueles que nos dias 4 e 5 atingiram a cidade de Ashkelon, no sul de Israel, apesar de não ter provocado vítimas ou danos materiais. Tal como vem sendo hábito o governo israelita, dirigido por Ehud Olmert, clamou contra o «bárbaro ataque» que colocou em risco civis e crianças judaicas e ordenou a intensificação das acções militares que passarão pela criação de uma “zona de segurança” fronteiriça que implicará a expulsão das populações palestinianas das localidades de Beit Hanun e de Beit Lahiya, no Norte de Gaza, as quais segundo as palavras de Zeev Boim, um dos elementos do Gabinete de Segurança israelita citado pelo DIÁRIO DE NOTÍCIAS, «podem começar a fazer as malas».
A desproporção dos meios utilizados por Israel para, oficialmente, responder à captura de um seu soldado começa a ser alvo de alguma contestação a nível internacional. Após as primeiras reacções do governo palestiniano, que de pronto acusou os israelitas de visarem com as suas acções o derrube do governo liderado pelo Hamas (movimento islâmico que Israel apelida de terrorista e conseguiu ver reconhecido como tal na sequência do 11 de Setembro) eis que anteontem, 4 de Julho, a Suíça, pela voz do seu ministro dos negócios estrangeiros, conforme noticiou a BBC, fez saber que o governo helvético entende que Israel não tomou as devidas precauções para evitar que, ao abrigo das leis internacionais, as suas acções militares atingissem populações e infraestruturas civis.
John Dugard, enviado especial do Conselho dos Direitos Humanos, apresentou no dia 6 em Genebra o relatório da sua visita à Faixa de Gaza, no qual não poupou críticas a Israel e aos membros do Quarteto (EUA, Rússia, UE e ONU) pela sua passividade face às acções militares israelitas naquele território. De acordo com a notícia já citada, aquele diplomata classificou o comportamento de Israel como “moralmente indefensável” e afirmou que «(m)ais de 1500 tiros de artilharia foram lançados sobre Gaza. As bombas sónicas aterrorizam as pessoas, os transportes foram seriamente prejudicados com a destruição de estradas e pontes. A situação sanitária está ameaçada», os mantimentos e os medicamentos escasseiam, «…assim como a água e a electricidade desde que, no início da operação "Chuva de Verão", há uma semana, Israel bombardeou a única central eléctrica de Gaza».
Mas mais importante que a descrição das acções que de parte a parte têm vindo a ser desencadeadas e a condenação dos actos, parece-me ser a melhor compreensão possível da reacção israelita ao ataque a Ashkelon.
A utilização pelos grupos de guerrilheiros palestinianos de um tipo de “rocket” de fabrico artesanal, denominado Qassam a partir do nome da ala militar do Hamas, remonta ao início da segunda Intifada (em 2000) e tem servido principalmente como meio fácil e económico de atingir territórios que os palestinianos reivindicam, provocando essencialmente um clima de instabilidade e insegurança entre os colonos judaicos, uma vez que os prejuízos materiais e humanos podem ser considerados irrelevantes (segundo fontes do exército israelita, entre Junho de 2004 e Março de 2006, aquele tipo de ataques não terá provocado mais de oito mortos).
Dado o seu reduzido raio de alcance, cerca de 9 km, até agora a única localidade digna de menção e normalmente alvo prioritário dos ataques era Sderot; porém, o desenvolvimento de uma nova geração de “rockets” Qassam, ao que se diz equipados com dois motores, colocou a cidade de Ashkelon no raio de alcance deste tipo de armamento. Embora de maior dimensão (115.000 habitantes), a importância desta cidade vai além da assumida pelo governo israelita – a existência de uma importante infraestrutra eléctrica. Na realidade Ashkelon está apontada como o centro de uma futura rede de redistribuição de produtos petrolíferos (petróleo e gás natural) resultante de uma ramificação do oleoduto de Baku-Tbilisi-Ceyhan, que liga o Azerbaijão, no Mar Cáspio, à Turquia, no Mediterrâneo.
Este projecto que prevê a instalação de um “pipeline” submarino entre Ceyhan e Ashkelon e a posterior ligação entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho em Eilat, poderá transformar Israel num fornecedor de energia aos países asiáticos, logo um parceiro importante na estratégia anglo-americana de controlo dos hidrocarbonetos originários do Médio-Oriente.
O projecto turco-israelita que ligará o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, infraestrutura na qual a BP detém grandes interesses, apresenta ainda a vantagem de literalmente transformar o exército israelita em protector principal daquela infraestrutura e dos interesses das petrolíferas anglo-americanas e simultaneamente contribuir para reduzir a importância do papel dos territórios da Ásia Central como fornecedor de hidrocarbonetos à Índia e à China.
Assim, à luz desta realidade, também se torna mais compreensível a importância da retirada e redução da influência da Síria do Líbano (cujo actual governo é profundamente pró-ocidental) como forma de “estabilizar” a região, tornando-a mais atractiva àqueles capitais anglo-americanos.
Encaixada neste jogo de “gigantes”, à minúscula Palestina (assinalada a verde no mapa) apenas parece possível sonhar com o dia em que o agora todo-poderoso “ouro negro” seja substituído por outra fonte de energia, para então talvez ninguém mais prestar grande atenção ao martírio dos judeus que foi o holocausto e passar a considerar o actual tratamento que o estado judaico inflige aos palestinianos como um acto tão abominável e condenável quanto aquele o foi.
Sem comentários:
Enviar um comentário