quinta-feira, 5 de outubro de 2006

APELO À PAZ NO MÉDIO ORIENTE

Segundo noticiou ontem a TSF, mais de uma centena de personalidades mundiais subscreveram um documento publicado no FINANTIAL TIMES apelando a uma rápida resolução do conflito no Médio Oriente.

Mesmo na ausência do texto, que procurei sem sucesso, parece-me justificar-se alguma reflexão sobre o conteúdo daquela notícia, a começar pela pouca precisão do termo «conflito no Médio Oriente». Quererão os subscritores do documento, entre os quais se contam o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, o antigo primeiro-ministro britânico John Major, o ex-líder soviético Mikhail Gorbachov, o antigo secretário-geral da ONU Boutros-Ghali, o Dalai Lama, o bispo sul-africano Desmond Tutu, oito galardoados com o Prémio Nobel da Paz e os ex-presidentes portugueses Mário Soares e Jorge Sampaio, ver cessar toda a actividade bélica que assola aquela região – desde o infindável conflito israelo-palestiniano até ao recentemente criado com a injustificável invasão americana do Iraque?

Da forma como a TSF desenvolve a notícia parece que a preocupação dos autores do documento é, fundamentalmente, a do conflito que tem oposto Israel aos palestinianos; tanto mais que o apelo à urgência da acção internacional parece muito ligada à situação que se vive nos territórios palestinianos e à importância que esta terá na proliferação de ideias extremistas, quando refere de forma explícita a ligação destas com o fenómeno do chamado «terrorismo islâmico».

Como proposta deixam a ideia da rápida realização «de uma conferência internacional, com a participação dos actores mais importantes do conflito do Médio Oriente para pôr em marcha negociações detalhadas sobre um acordo de paz global» que permita alcançar a «segurança e o reconhecimento pleno do Estado de Israel, com fronteiras reconhecidas, o fim da ocupação do território palestino, com a criação de um estado soberano, independente e viável, e a devolução à Síria do território perdido».

Além do pedido para que seja posto fim ao boicote financeiro que americanos e europeus têm imposto à Autoridade Palestiniana desde que o Hamas (grupo que consideram «terrorista») ganhou as últimas eleições legislativas na Palestina, pouco mais de verdadeiramente novo parece conter o documento.

Que o conflito originado pela instalação do Estado de Israel na Palestina (como se de um território abandonado se tratasse) se arrasta à demasiado tempo, ninguém tem dúvida!

Que o fim das hostilidades (sejam elas mais evidente ou mais latentes) não tem passado de uma quimera, também ninguém duvida!

Que a solução deveria passar por um processo negocial, todos estamos de acordo!

Bom… todos talvez não! Pelo menos a avaliar pela forma como as sucessivas administrações americanas foram tratando a questão. Desde as mais favoráveis a processos negociais que conduzissem a concessões de ambas as partes, às abertamente favoráveis à supremacia israelita sobre os palestinianos, todas conduziram o processo por forma a responder primeiro aos interesses judaicos, depois as seus próprios interesses e por fim (mas muito por fim…) aos interesses árabes e palestinianos.

Assim, a realização de uma conferência internacional, além de ser um manifestado atestado de incapacidade à ONU, dificilmente poderá resolver de forma eficaz o conflito se os seus participantes persistirem nas posições que se lhes conhecem.

O sucesso da proposta depende da conjugação de múltiplos factores e da alteração de muitas mentalidades, o que não ocorrerá de forma instantânea, tanto mais que muitas daquelas condições vão variando ao longo do tempo.

De forma parcelar poder-se-ia dizer que:
  • enquanto os EUA puserem os interesses económico-financeiros e energéticos das grandes empresas acima dos interesses globais da comunidade internacional – a paz – as hipóteses de sucesso serão nulas;
  • se os israelitas continuarem a rejeitar a hipótese de um acordo estável, seja pela persistência de continuarem a sentir-se rodeados de «inimigos» (como se até hoje tivessem feito algo para passarem a vê-los apenas como seres humanos), seja por colocarem os seus mitos religiosos (a proclamação como povo eleito e o princípio do Grande Israel) acima da realidade, a reunião agora sugerida de nada servirá;
  • quando os povos da Palestina e da generalidade dos Estados Árabes entenderem que poderão tirar vantagens do reconhecimento do Estado de Israel e do fim de um clima de conflito, situação que aumentará a necessidade dos diversos governos implementarem internamente novas políticas económicas e sociais, estarão criadas as condições para iniciar um verdadeiro processo para pacificar o Médio Oriente;

até lá, parece-me muito mais eficaz a tentativa de formação de um movimento da opinião pública internacional que pressione todos os intervenientes mais directos no sentido de os “forçar” a assumir novas políticas e novas posturas face ao conflito.

Como ficou demonstrado em diferentes ocasiões, a vontade de milhões de cidadãos espalhados um pouco por todo o Mundo poderá revelar-se bem mais eficaz para a resolução deste diferendo, tanto mais que o problema do Médio Oriente não se limita à questão palestiniana.
Esta tem sido um puro joguete dos interesses envolvidos na região e raramente uma preocupação assumida por árabes e ocidentais. Desde a declaração unilateral da independência de Israel, em 1948, que se sucederam os conflitos abertos com os vizinhos estados árabes, sem que efectivamente tivesse estado em causa os interesses das populações palestinianas.

Atendendo à estratégia israelita de crescente isolamento das populações palestinianas, que da criação de áreas reservadas (autênticos “bantustões”) e da imposição de medidas restritivas à circulação das populações passou à construção de muros de betão para garantir um ainda maior isolamento (sempre sob a alegação de que se tratam se simples medidas de protecção e defesa, como se um estado militar necessitasse de alguma forma especial de protecção contra pessoas armadas de pedras) e a progressiva transformação dos territórios palestinianos em meras prisões a céu aberto.

Como seria de esperar a cada nova medida repressiva os palestinianos têm vindo a responder com as “armas“ possíveis (mesmo as mais condenáveis como os atentados suicidas). Após a fase de euforia que se seguiu aos Acordos de Oslo e à constituição da Autoridade Palestiniana sob a liderança de Yasser Arafat, a realidade das insuficientes condições para o desenvolvimento dos territórios palestinianos (sufocados pelas restrições de todo o género colocadas pelos governos israelitas que controlam as fronteiras e o espaço aéreo) tem vindo a traduzir-se em novas vagas de insurreições e no aumento da repressão israelita.

Com a morte de Arafat (que melhor ou pior era aceite como pólo aglutinador pelos palestinianos) e as constantes manobras israelitas para dividir a Autoridade Palestiniana, de que a pressão para a criação de uma direcção bicéfala foi o primeiro passo e agora serve de meio de pressão sobre o governo eleito pela maioria palestiniana, Israel tem conseguido “manobrar” as divisões internas palestinianas a ponto de nos últimos dias estarem a crescer os conflitos entre simpatizantes da OLP e do Hamas.

O facto destes dois grupos personificarem posturas diversas (um de raiz mais moderada e laica, o outro de natureza religiosa e mais radical) traduz bem a real dimensão dos diferendos internos no Médio Oriente, região onde cada vez mais as correntes radicais islâmicas recolhem apoiantes e às quais a política belicista norte americana mais não tem feito que fornecer argumentos cada vez mais poderosos.

Assim, com as recentes invasões do Afeganistão e do Iraque e as constantes ameaças ao Irão e à Síria, a questão da solução para a paz no Médio Oriente não pode mais ser entendida como a resolução da questão palestiniana; não que esta tenha deixado de ser fundamental (tanto mais quanto as condições de vida das respectivas populações se estão a degradar de dia para dia) mas porque se tornou mais vasta e complexa quando de uma simples questão de natureza territorial foi progressivamente transformada numa questão energética (o controlo das fontes e reservas de hidrocarbonetos e das redes de distribuição), numa questão nuclear (várias têm sido as tentativas para alguns estados árabes acederem a essa tecnologia, a mais recente das quais é a do Irão) e agora, por via da inépcia de George W Bush e da sua equipa de conselheiros, numa questão civilizacional.

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