domingo, 18 de junho de 2006

COPIANÇO, CAUSA OU CONSEQUÊNCIA?

Cerca de duas semanas depois a problemática da fraude escolar (vulgo “copianço”) volta a ser tema e editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e notícia no PUBLICO e no DIÁRIO DIGITAL.

Talvez pela época de exames escolares que atravessamos, talvez pela polémica que envolve professores e ministério da educação, talvez pela publicação de novos estudos sobre a matéria…

Sendo tantas as probabilidades para explicar este crescente interesse pelo tema que lamento não encontrar nenhuma abordagem que de forma clara e sem subterfúgios coloque o problema na sua real dimensão.

Pese embora o esforço feito pelo recente trabalho de investigação da Faculdade de Economia do Porto que além de abordar o fenómeno ainda estabelece uma relação directa entre a sua prática e as características das sociedades onde este ocorre com maior frequência, concluindo pela existência de uma correspondência directa entre o “copianço” e o nível geral de corrupção na sociedade. É natural que sociedades mais permissivas (ou passivas) ao fenómeno geral da corrupção o acabem também por ser relativamente à fraude escolar, mas não creio que esta seja a única (e mais importante) explicação para o fenómeno.

Remontando à minha experiência pessoal e aos distantes anos que passei pelo sistema de ensino secundário em Portugal, recordo um professor de inglês que nos dizia que os exames em Inglaterra eram feitos em salas sem qualquer vigilância especial e que nem por isso os alunos aproveitavam para “melhorar os seus resultados”. De acordo com o estudo citado tal ocorreria também porque os níveis de corrupção da sociedade inglesa seriam baixos; não negando tal evidência estou em crer que a principal razão seria (será) porque os alunos ingleses se preparam para os exames e encaram estes como uma etapa importante no seu percurso escolar.

Os muitos anos em que acompanhei, enquanto encarregado de educação e responsável por associações de pais) os processos de ensino e de formação dos nossos jovens levaram-me a encarar este fenómeno por outro prisma. Para a generalidade dos alunos que frequentam as nossas escolas estas apresentam uma atractividade fraca ou nula, seja por considerarem os programas desinteressantes ou difíceis, seja por rapidamente “descobrirem” que graças à existência da figura do ensino obrigatório e das malfadadas estatísticas do insucesso escolar terão a vida facilitada até à conclusão daquele grau de ensino. Para os professores seja devido à desmotivação criada por processos mais ou menos anacrónico nas suas colocações anuais (finalmente esta prática parece vir a ter os dias contados), seja pela enormidade da tarefa de ensinar “montanhas” de jovens desmotivados e desinteressados, agravada pelas constantes alterações programáticas e pedagógicas (a maior parte das vezes ao sabor e velocidade da mudança dos ministros), o fundamental passou a ser “sobreviver neste meio” e assegurar alcançar a idade da reforma. Para os governos, mais interessados na melhoria das estatísticas que na educação e formação das futuras gerações, o fundamental tem sido garantir o funcionamento do sistema de educação sem grandes sobressaltos e sem qualquer capacidade crítica dos resultados que possa comprometer a sua própria existência; os milhares de jovens que anualmente aquele sistema lança no mercado do desemprego têm sido pouco relevantes.

Num ambiente desta natureza como se pode esperar que os alunos quando confrontados com um exame não recorram a todo o tipo de expedientes para ultrapassar a dificuldade? Tanto mais que a sociedade em que se inserem premeia o sucesso rápido e fácil (senão veja-se a ideia que os jovens das nossas escolas têm do futuro e que uma imprensa sensacionalista lhes transmite) onde poucos são os exemplos transmitidos de trabalho e esforço e muitos os do sucesso instantâneo.

Se aos alunos foi permitido (facilitado mesmo) a realização de um percurso escolar durante nove anos sem dificuldades ou entraves, como esperar que depois revelem capacidades de trabalho, sacrifício e ética superiores para não recorrem à batota quando surgem as primeiras dificuldades?

Em que medida a recente ideia das universidades revelarem o grau de “empregabilidade” dos seus licenciados não vai ainda agravar mais este fenómeno?

Não tenho qualquer óbice à realização deste tipo de estudos, nem ao estabelecimento de comparações internacionais, mas parece-me muito mais útil que na posse dos mesmos fosse lançado um vasto processo de debate sobre os resultados e sobre as respectivas origens.

Que utilidade tiraremos deste tipo de trabalhos?

Qual dos responsáveis (actuais e passados) pelo sistema de ensino em Portugal virão à praça pública debatê-los?

Quando ouvirei responsáveis pelo sistema de ensino em Portugal afirmar e lançar políticas que:

  • valorizem o trabalho de aprendizagem dos jovens;
  • dignifiquem o trabalho de ensino dos professores;
  • obriguem à realização de exames onde se apele à capacidade de relacionamento, comentário e crítica às matérias programáticas em substituição daqueles onde a resposta é directa e apela à capacidade de memorização;
  • excluam do sistema de ensino alunos e professores sem condições para o integrarem;

e já agora quando teremos um governo para o qual as políticas de ensino e investigação sejam realmente uma paixão?

Não uma paixão eleitoral e passageira, mas capaz de inflectir práticas anteriores e lançar as sementes de gerações capazes de virem a enfrentar o tal “mundo global” como aquilo que ele realmente é – a selva que tenderá a aniquilar todos os que pensarem de forma diferente.

Ou será que tudo o que tem estado a acontecer, aparentemente em resultado da falta de políticas correctas, é afinal a política certa para alcançar o objectivo para que alguns querem que caminhemos?

Sem comentários: