terça-feira, 13 de junho de 2006

DIVIDIR PARA REINAR

Se bem que nunca tenha deixado as principais páginas dos noticiários, a questão palestiniana conheceu ontem com o assalto das Forças de Segurança do presidente Abbas ao Parlamento e ao edifício do Governo em Ramallah um episódio particularmente preocupante.

Mais grave que o conluio entre forças ditas de segurança (cuja direcção o presidente Mahmud Abbas chamou a si após a vitória do Hamas nas últimas eleições e integradas por elementos da Fatah) e da sua ala militar – as Brigadas Al-Aqsa – é o assalto ao próprio edifício do poder palestiniano, coincidente com a deslocação do primeiro-ministro israelita Ehud Olmert à Europa, em busca de apoios à “proposta” israelita de fixação unilateral de fronteiras.

Numa fase particularmente complicada para os palestinianos, quando o valor e o peso da sua unidade era indispensável para tentar contrariar a política israelita do facto consumado, eis que alguém inventou mais uma fonte de conflito e rivalidade entre o Hamas, a força política que lidera o governo da Autoridade Palestiniana por direito próprio e em resultado das eleições realizadas em 25 de Janeiro deste ano, e a Fatah, aquela que perdeu essas mesmas eleições. Nada, mas absolutamente nada, poderia servir melhor os interesses israelitas que um conflito aberto entre as duas principais forças palestinianas.

Fazendo uso da sua reconhecida capacidade de manipulação e oportunismo, Israel já tinha conseguido da comunidade internacional, após o 11 de Setembro de 2001, a classificação do Hamas como organização terrorista e não deixou de aproveitar de pronto a vitória eleitoral deste como argumento para liquidar qualquer réstia de “negociação” com os palestinianos. Colocado entre dois fogos – a crescente força do Hamas e a pressão internacional (leia-se americana) para reconhecer e aceitar a política de anexações dos governos israelitas – Mahmud Abbas acabou por ir cedendo ponto após ponto até ao quase completo isolamento do actual governo palestiniano, tornado ainda menos operante pela decisão israelita de impedir as deslocações dos seus membros (perigosos terroristas) entre os territórios divididos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Do lado Palestiniano o Hamas procurou fazer valer o voto popular defendendo a necessidade de Israel aceitar duas condições básicas:

  • o recuo para as fronteiras de 1967, o que implica a cedência de Jerusalém Leste aos palestinianos;
  • o regresso dos milhares de refugiados palestinianos provocados pelas ofensivas israelitas nos territórios ocupados.;

para o fim dos atentados e para o reconhecimento do estado judaico, mas o isolamento a que se viu votado pelos EUA e pela Europa, que culminou na suspensão dos apoios financeiros à Autoridade Palestiniana, determinou o colapso da frágil economia palestiniana e agravou ainda mais as já penosas condições de vida das populações. O passo seguinte, traduzido na capitalização do descontentamento popular e na séria limitação da capacidade governativa do Hamas, terá culminado com o anúncio, por Mahmud Abbas da data para a realização de um referendo palestiniano sobre um documento produzido por um grupo de prisioneiros palestinianos com o objectivo de terminar com a crise entre o Hamas e a Fatah, o qual implicitamente consigna a existência do estado de Israel.

Este documento que tem a assinatura de Marwan Barghouti, o mais carismático dos líderes da Fatah preso em Israel, e de outros prisioneiros das diversas facções políticas, incluindo o Hamas, prevê o fim dos atentados em Israel e o estabelecimento do futuro Estado Palestiniano nos territórios ocupados em 1967.

É bem possível que para o cabal entendimento do agravamento das tensões entre o Hamas e a Fatah, que num momento ou outro parecem sobrepor as suas agendas e diferendos políticos acima do interesse comum – o fim da ocupação judaica – haja que procurar outras explicações além do fundamentalismo islâmico do primeiro e os elevados níveis de corrupção do segundo.

Do que não fica qualquer dúvida é da bem sucedida estratégia de dividir para reinar protagonizada por Israel. Recorde-se que desde os Acordos de Oslo de 1993 que os sucessivos governos de Israel foram adiando a continuação do processo negocial com vista ao estabelecimento do estado palestiniano, pretextando ora as acções das diferentes forças de guerrilha, ora o apoio de Yasser Arafat a essas acções, ora a incapacidade da Autoridade Palestiniana para prevenir aquelas acções. Esta prática dilatória, associada aos regulares “raids” do exército israelita sobre os territórios ocupados foram gerando entre a população palestiniana um crescente movimento de resistência e uma natural apetência para a continuação das acções de guerrilha. Reentrados em novo círculo de violência e a pretexto da invenção pela administração de George W Bush da Guerra contra o Terror, Israel acelerou o processo de isolamento internacional dos palestinianos que chegou a assumir a forma de cerco militar a Yasser Arafat e a interferência na organização da própria administração palestiniana quando impôs (via EUA) a nomeação de uma segunda figura (o moderado Mahmud Abbas) que rapidamente transformou em alternativa política e negocial a Arafat

Com a morte em 2004 do líder histórico da palestina, Israel, já sob a liderança de Ariel Sharon (ex-guerrilheiro e ex-comandante do exército israelita responsável pelos massacres nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila e agora transmutado em reconhecido defensor da paz), intensificou a pressão sobre a Autoridade Palestiniana e a sua nova primeira figura (o mesmo Mahmud Abbas que deixava de ser um “moderado”), iniciando a construção de um muro de separação entre os territórios sob administração judaica e palestiniana, sob a alegação de necessidades de protecção contra os atentados suicidas palestinianos, e aniquilando a viabilidade económica da Autoridade Palestiniana. Esta iniciativa, continuada por Ehud Olmert, sucessor de Sharon, ainda não se encontra concluída mas tudo o indica será coroada de sucesso.

Enquanto as organizações palestinianas continuarem a disputar o poder entre si, enquanto Abbas e Haniyeh mantiverem um diferendo sobre os respectivos poderes e competências (independentemente de a qual assista a razão) os israelitas vão prosseguindo a sua política de anexação territorial e de extermínio palestiniano (seja com recurso a acções militares, à prática de assassínios selectivos, ou à mera asfixia financeira e alimentar da daquela população) com o beneplácito da comunidade internacional que admite classificar de agressores os agredidos.

Conhecendo-se o respeito e prestígio de que gozam os prisioneiros políticos entre a população palestiniana, a ponto dos detidos eleitos para o parlamento se encontrarem presentes em fotografias de grande porte em todas as sessões, como constante recordação da prepotência israelita, um grupo desses prisioneiros apresentou uma proposta de conciliação.

Infelizmente, tudo o indica, os esforços de Marwan Barghouti serão infrutíferos e na ausência de um povo determinado e de uma liderança forte e concertada a estratégia israelita vai frutificar e a criação de um estado palestiniano viável ficará novamente adiada “sine die” e sujeita aos desenvolvimentos que política internacional venha a registar.

Contrariamente ao esforço de unificação que teve em Arafat o seu grande expoente, os actuais líderes palestinianos parecem pouco capazes de se concentrarem no essencial – o futuro da Palestina – e esquecerem as disputas acessórias.

Nunca o grito LIBERTEM BARGHOUTI terá feito tanto sentido, nem a sua condenação por Israel a 5 penas de prisão perpétua, se terá revelado tão útil aos interesses israelitas!

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