quinta-feira, 15 de junho de 2006

A ARMADILHA DA AJUDA

Enquanto se aguarda a decisão da ONU relativa à situação e ao futuro de Timor-Leste, mesmo parecendo que a tese australiana da incapacidade timorense de auto-governo não virá a vingar e que a ONU se preparará para uma nova intervenção administrativa que ajude a reerguer as estruturas governativas e as infraestruturas básicas, importa continuar a reflexão sobre o que aconteceu naquele território.

A imprensa mundial, com particular destaque para a australiana e a indonésia, reflecte as divisões no seio da população timorense, em particular as resultantes do passado recente de ocupação indonésia, e advoga a necessidade de intervenção dos respectivos países no sentido da reconstrução do país. Em Portugal faz-se eco do fracasso do sistema constitucional que ao optar por um modelo semi-presidencialista criou as condições para a constituição de dois blocos de poder, que em caso de antagonismo seria dificilmente resolúvel por um país tão jovem.

As principais figuras timorenses – Xanana Gusmão, Mari Alkatiri ou Ramos Horta – procuraram minimizar os efeitos dos trágicos acontecimentos enquanto procuram uma solução política, cujo primeiro passo terá sido o pedido formal de auxílio estrangeiro e a concentração em Xanana Gusmão do controle do exército e das forças policiais.

Já após o desembarque das primeiras tropas estrangeiras em Díli, verificaram-se dois tipos de incidentes distintos: os que envolveram timorenses, com novos confrontos e a repetição dos actos de vandalismo e de pilhagem, e os que envolveram as tropas australianas e a força da GNR. Este último poderia ter sido evitado caso o governo português tivesse cedido na questão da subordinação daquela força ao comando australiano; entendeu o governo de José Sócrates que tal não fazia sentido na ausência de uma força organizada sob o beneplácito da ONU e apesar da situação algo ridícula que resultou terá servido para clarificar posições e distanciar Portugal de qualquer possível tentação de futuro domínio australiano.

Incidente à parte, continua a haver quem se interrogue, e bem, sobre a valia e a utilização dos mais de 3 mil milhões de dólares de donativos que Timor terá recebido desde a sua separação da Indonésia, em1999.

A questão é pertinente à luz da actual instabilidade, para a qual a situação de extrema carência de grande parte da população muito terá contribuído, mas também o seria na sua ausência, quando se sabe que, por uma razão ou outra, segundo um inquérito realizado em 2001 80% das aldeias timorenses terão sentido carências de comida em alguma parte do ano.

Esta situação parece tanto mais estranha quanto a maioria do milhão de habitante de Timor-Leste (cerca de 85%) se dedica à agricultura; porém se recordarmos as práticas anteriormente seguidas pelos colonizadores portugueses e indonésios – a introdução de monoculturas, como a do café – fácil se torna entender a situação de extrema depauperação de solos e a total dependência dos produtores face aos preços internacionais das suas colheitas.

Sob a sábia supervisão de consultores internacionais e com o beneplácito de insuspeitas organizações, como o Banco Mundial e o FMI, em Timor-Leste foram aplicadas todas as modernas receitas para o desenvolvimento da economia: liberalização económica e aumento das exportações. O débil sector agrícola passou a depender da importação de factores produtivos (adubos e sementes) e a concorrer num mercado aberto com as produções do exterior. A débil economia timorense passou a depender dos baixos salários praticados para tentar concorrer (em vão) com os produtos importados (a maior parte das vezes a preços inferiores ao que se conseguia produzir localmente) e ainda de sofrer a pressão internacional pela falta de dinamismo e empreendorismo revelada pelos seus naturais.

Mas os problemas de Timor-Leste não são apenas de natureza económica, uma vez que um recente relatório da Comissão Europeia sobre o Trust Fund for East Timor, referia que aquele fundo, gerido pelo Banco Mundial, gastou cerca de 1/3 do seu montante em remunerações aos consultores internacionais. Quando se sabe que as ”doações” para estes fundos são sempre acompanhadas de algumas aquisições obrigatórias, imagine-se o que realmente sobrou para ser utilizado no desenvolvimento de Timor-Leste.

Este modelo de desenvolvimento “envenenado” não é inédito nem começou a ser aplicado com o início da chamada globalização. Há muitos anos que as ex-colónias dos países mais desenvolvidos têm vindo a ser habilmente dirigidas para situações de insustentabilidade económica e social por via dos “apoios” concedidos pelos ex-colonizadores e outros países igualmente beneméritos! Vejam-se as situações que se vivem em África, na América Latina e no Ásia do Sul, regiões do mundo onde se concentram as populações mais pobres e onde regularmente, sob a capa de conflitos étnicos, religiosos ou outros, têm surgido conflitos armados que a par do subdesenvolvimento desses países mantém a prosperidade da indústria mundial de armamento e de tráfico de armas.

Para além das dificuldades de natureza económica, Timor-Leste vive também uma situação precária no que respeita às próprias condições de vida das suas populações, bem traduzida na baixa esperança média de vida, apenas 49 anos, e na altíssima taxa de mortalidade infantil, que se situa nos160 por mil.

Perante este cenário muito pouco animador resta-nos denunciar este tipo de práticas e esperar que daquela resulte uma crescente oposição da opinião pública mundial e assim se obtenha alguma melhoria para as populações atingidas.

Sem comentários: