sexta-feira, 9 de junho de 2006

A ELIMINAÇÃO DE AL-ZARQAWI FARÁ ALGUMA DIFERENÇA?

A imprensa (e outros meios de comunicação) mundial têm saudado nos últimos dias a morte de Al-Zarqawi, o alegado responsável pela Al-Qaeda no Iraque.

Vários foram os jornais que incluíram declarações dos principais líderes mundiais sobre a sua morte, mas poucos os que terão analisado o facto noticiado e estabelecido qualquer tipo de paralelismo entre esta acção e o malogro de que se têm revestido as tentativas para capturar ou eliminar o líder da Al-Qaeda – Ossama Bin Laden.

De acordo com fontes ocidentais foram determinantes para o sucesso da operação as informações obtidas pelos serviços secretos jordanos (país de origem de Al-Zarqawi e onde este terá feito detonar bombas, em Novembro do ano passado, em três hotéis de Amman), demonstrando a validade de uma política internacional de assistência e entreajuda e beneficiando de possíveis dissensões no seio do grupo, para aumentar a eficácia do combate ao terrorismo.

Não faltaram, porém, observadores a nível internacional que questionassem a questão da excessiva relevância do papel atribuído pelos americanos a Abu Musab Al-Zarqawi, figura inquestionavelmente menor no grande cenário de conflito em que a invasão americana transformou o Iraque. Por muito relevante que possa ter sido a influência de um elemento de forte personalidade e convicções profundamente arreigadas (sejam as de luta contra os ocupantes ocidentais sejam as de profunda oposição à corrente xiita muçulmana), dificilmente a morte de Al-Zarqawi representará o fim da agitação que se vive no Iraque. Facto que parece ser confirmado pelo elevado número de mortes registadas pouco após o anúncio da sua liquidação e os muitos cuidados postos na forma como aquela “vitória” foi encarada no ocidente.

Aparte o comportamento perfeitamente irracional registado nos mercados financeiros (descida do preço do “crude” e subida da cotação do dólar americano), pouco ou nada mudou para a realidade iraquiana. Nem mesmo o facto de da eliminação de Al-Zarqawi quase ter coincidido com a notícia da divulgação dos três ministros ainda em falta no governo dito de unidade nacional de Nuri Al-Maliki.

Um breve parêntesis para recordar que foram necessários quase seis meses de complicadas negociações entre os partidos das comunidades xiita (vencedores das eleições legislativas), sunita e curda, e a permanente “vigilância” norte-americana, para se lograr um acordo para a formação de um governo para o qual só agora foram encontrados os titulares das pastas da defesa, segurança e administração interna. Esta situação é reveladora da fragilidade da vida política no Iraque pós-Saddam, das muitas contradições que separam xiitas, sunitas e curdos e, ainda, da importância que a actividade de grupos de guerrilheiros oposicionistas da presença americana mantém no território.

A existência e a clara actividade destes grupos (sistematicamente associados ao nome de Al-Zarqawi) ficará melhor clarificada se recordarmos que desde o início deste ano existe uma organização, designada por Conselho Mujahedin e com o objectivo de unificar aqueles grupos, a qual nunca reconheceu grande influência a Al-Zarqawi. A própria Al-Qaeda, ou pelo menos alguns dos seus mais influentes membros, sempre manteve uma distância prudente das tácticas e práticas extremistas do grupo liderado por Al-Zarqawi, que só em finais de 2004 se assumiu como “seguidor” de Bin Laden e da sua organização.

Curiosamente, já em Abril deste ano um artigo de Michel Chossudovsky, chamava a atenção para a figura de Al-Zarqawi e para a excessiva atenção que o Pentágono e a imprensa lhe estariam a prestar, interrogando-se mesmo se aquele personagem não seria mais um “criação” americana para justificar a sua “Guerra contra o Terror”, e recorda que as acções de «…contra terrorismo e guerra de propaganda estão interligadas. O aparato de propaganda alimenta de desinformação as cadeias noticiosas. O objectivo é apresentar os grupos terroristas como “inimigos da América” responsáveis por incontáveis atrocidades no Iraque e em todo o mundo. O objectivo subjacente é galvanizar o apoio da opinião pública à agenda americana de guerra no Médio Oriente.«…» Sem Al-Zarqawi e Bin Laden, a “Guerra contra o Terror” perderia a sua razão de ser. O principal “casus belli” é agitar a “Guerra contra o Terror”.»

Tal como Chossudovsky refere, os ataques suicidas no Iraque são bem reais, mas quem realmente os organiza?

Se Al-Zarqawi correspondesse ao que dele diziam os americanos grande parte dos atentados até agora realizados deveriam cessar e parte significativa das suas preocupações também. Ora as próprias declarações de todos os responsáveis, fossem eles iraquianos, americanos ou ingleses, vieram chamar a atenção para o facto da liquidação de Al-Zarqawi não significar o fim dos atentados nem uma rápida normalização da vida no Iraque. No próprio dia do anúncio da morte ocorreram três atentados com viaturas armadilhadas, como que confirmando as expectativas dos políticos e dos analistas que de pronta chamaram a atenção para a forte probabilidade de novos atentados, como forma de demonstração da operacionalidade da rede.

Seguros parecem ser os seguintes factos:

  1. a liquidação de Al-Zarqawi só terá sido possível com a colaboração dos serviços secretos jordanos e alguma “cooperação” do interior da própria organização;
  2. este último facto e as pouco claras relações entre o grupo de Al-Zarqawi e o recém criado Conselho Mujahedin, indiciam que aquele poderia estar a cair em desgraça;
  3. o desaparecimento de um extremista salafita (corrente extremista que se opõe ao xiismo) como Al-Zarqawi deverá abrir uma janela de novas oportunidades de diálogo com os grupos da resistência iraquiana, mas também de maior união entre os grupos resistentes, logo de alguma intensificação das suas acções;
  4. a imprensa ocidental já começou a “fabricar” o próximo líder da Al-Qaeda na Mesopotâmia e o principal candidato parece ser Abu Al-Masri, que convenientemente também não é iraquiano como Al-Zarqawi; embora com menos hipóteses aparece ainda Abu Abdel Rahman al-Iraqi, tido até ao momento como o número dois da organização;

mas mantém-se uma incontornável questão: Porque será que até esta data, nada nem ninguém parece conseguir “tocar” em Bin Laden? Poderá ser apenas a superioridade da sua organização?

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