domingo, 30 de abril de 2006

A PROPÓSITO DA FALÊNCIA DA SEGURANÇA SOCIAL

O governo de José Sócrates apresentou na semana que terminou um programa de intervenção para resolver a situação de crise da Segurança Social. Segundo o governo e grande número de especialistas, a segurança social vive o risco de insolvência a prazo mais ou menos curto, derivado do facto de haver um número cada vez maior de aposentados e pensionistas e um número cada vez menor de trabalhadores activos (fenómeno agora ainda mais agravado pelo aumento do desemprego), situação que se deverá ao envelhecimento da população nacional (fenómeno traduzido na chamada inversão da pirâmide etária) e é fruto do decréscimo no número de nascimentos.

Não dispondo dos números indispensáveis à confirmação ou rectificação dos cálculos em que governo e especialistas se terão baseado, admito que os respectivos cálculos possam estar correctos, facto que nem por isso resolve uma parte significativa das minhas dúvidas. Senão vejamos: quando o governo afirma que num futuro muito próximo os valores recebidos pela Segurança Social se revelarão insuficientes para fazer face aos encargos assumidos está a raciocinar segundo o princípio de que as pensões de reforma são suportados pelos trabalhadores no activo, o qual contraria a lógica segundo a qual cada trabalhador (e respectiva entidade patronal) realiza entregas regulares à Segurança Social com as quais esta deverá constituir aplicações para no final da vida activa de cada trabalhador lhe entregar a quota-parte descontada devidamente capitalizada. Se assim foi procedido, o que correu mal?

Terão sido os contribuintes da Segurança Social que não cumpriram esta regra? Ou foi esta que falhou na sua função de capitalização dos fundos recebidos?

Para quem queira recordar o nosso passado recente, sempre vou lembrando duas realidades. Após o 25 de Abril governos houve que decidiram que todos os cidadãos deste país tinham direito a receber uma reforma no final da sua vida activa; tratou-se de uma decisão de carácter político mas de evidente relevância social, uma vez que durante o período de vigência do Estado Novo (aquele pelo seu carácter corporativista era suposto conciliar os interesses divergentes de patrões e trabalhadores) não era obrigatória a prática de descontos para a Segurança Social, facto habilmente aproveitado pela classe patronal para evitar o pagamento da sua parte para aquele organismo, sob a alegação de que eram os próprios trabalhadores que não queriam realizar tais descontos. Pior ainda, após o início da Guerra Colonial tornou-se prática corrente o recurso aos fundos daquele organismo para financiamento do esforço de guerra. Da conjugação destas realidades facilmente se entende que a Segurança Social nunca terá disposto dos meios financeiros indispensáveis ao correcto cumprimento da sua função – receber comparticipações, executar as respectivas aplicações com vista à capitalização das receitas e pagamento futuro dos encargos assumidos – a menos que o Estado, após a decisão de generalizar o direito a receber aposentação a todos os trabalhadores, tenha dotado financeiramente aquele organismo dos meios para tal indispensáveis.

Se assim aconteceu, como se justifica a falência que agora se anuncia?

Além da hipótese (mais que óbvia) de o Estado se ter revelado relapso no cumprimento da sua obrigação, existe ainda uma outra – a Segurança Social revelou-se incapaz de assegurar a aplicação correcta dos fundos disponíveis. Tal pode ter acontecido por incapacidade técnica (ausência de especialistas em aplicações financeiras), por ausência de rigorosos critérios de risco que tenham conduzido a que as aplicações realizadas não tenham resultado da forma esperada (aplicações financeiras em mercados com elevado risco e cujo incumprimento tenha prejudicado o objectivo final), ou por pura e simples gestão dolosa do património da Segurança Social.

Em qualquer dos casos a situação de falência agora anunciada carece de correcção e terá andado bem o governo de José Sócrates em vir agora propô-la. O pior é que como vem sendo hábito entre nós, a proposta de solução vai onerar, uma vez mais, os mesmos… e depois de termos assistido no último ano a uma corrida de às aposentações “especiais” de figuras tão impolutas e defensoras da proposta agora apresentada como o são os ex-governantes, deputados, autarcas e demais políticos de pacotilha e baixa qualificação moral e ética.

Na ausência de uma explicação fundamentada e detalhada das razões que conduziram ao actual estado das coisas que revele a todos os erros cometidos e os respectivos responsáveis (para que estes nunca mais possam voltar a desempenhar tais funções ou equivalentes), a solução, por melhor que ela seja não pode ser recebida sem grandes reticências, forte contestação e, pior que tudo, com a quase segura evidência que os nossos governantes continuam a “carregar” sobre a parte mais fraca o ónus de resolução de um problema para o qual esta apenas terá contribuído de forma indirecta, ou seja, quando os escolheu para dirigirem os destinos deste cada vez mais pobre país!

Argumentar com a subida da esperança média de vida da população portuguesa para justificar o aumento do período da vida útil de trabalho (o chamado aumento da idade da reforma) é injusto não só para os que agora se aproximam do final dessa vida útil, como para todos os que trabalham ou se aprestam a iniciar o período de vida útil de trabalho, quando se conhecem as pressões actualmente exercidas para a obtenção de ganhos de produtividade e qualidade do trabalho (sempre à custa do aumento dos horários de trabalho), que quando alcançados raramente se convertem em melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores. Aquele argumento revela-se igualmente canhestro para quem no dia a dia conhece as pressões que são colocadas sobre os trabalhadores de idade mais avançada, tendencialmente classificados como pouco hábeis ou capazes de responder às “inovações” introduzidas nos processos produtivos e que em situações de redução dos quadros de trabalhadores das empresas são, normalmente os primeiros a serem dispensados.

Estou em crer que com uma avaliação justa e cuidada do problema seria possível elaborar uma solução que TODOS entendêssemos como razoável e indispensável e ainda seria mais fácil se novamente os nossos governantes não viessem apresentar soluções elaboradas com base no aumento dos sacrifícios da generalidade da população quando mantém intactas prerrogativas, benesses e demais mordomias de uma minoria de arrivistas, demagogos e falsos “salvadores da Pátria”.

Diz o ditado popular que «em tempos de crise vão-se os anéis»; mas atenção senhores ministros, ex-ministros e futuros ministros, cada vez mais serão vocês os anéis.

quinta-feira, 27 de abril de 2006

PATRAQUIM, POETA DA LUSOFONIA

A poesia de Luís Carlos Patraquim é como um mergulho num processo de transculturação (não confundir com aculturação, que significa apenas a aquisição de uma cultura distinta em que a original se perde ou fica desenraizada), percorrendo as diferentes fases do processo transitivo de uma cultura para outra, com a consequente criação de novos fenómenos culturais.

Quem assim define a obra de Patraquim é Adelto Gonçalves - autor brasileiro de vários trabalhos sobre Literatura Portuguesa - definição que estende ao trabalho de outros poetas moçambicanos da mesma geração, nomeadamente Eduardo White e Nelson Saúte, que avançaram pelos trilhos abertos por Luandino Vieira e José Craveirinha, a maioria sob uma certa influência dos brasileiros Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.

Na poesia de Patraquim, pode-se surpreender a presença de vocábulos procedentes não só de línguas africanas, como o macua e o ronga, mas também do inglês e do africaner, como se vê na antologia «O osso côncavo e outros poemas».

Por ter passado para a poesia esse processo transculturador vivido em África, Patraquim tornou-se, desde que apareceu no cenário cultural lusófono no começo da década de 1980, uma das vozes mais inovadoras da poesia moçambicana, afastando-se do tom triunfalista de carácter eminentemente ideológico que marcou a produção poética da fase pós-independência.

Como escreveu um dia Ana Mafalda Leite (co-autora com Patraquim e Roberto Chichorro de «Mariscando luas») tratou-se uma “escolha porventura difícil, subvertendo a monção favorável do slogan, da palavra de ordem e, diga-se também, o vazio editorial que, na altura, o primeiro livro do poeta veio preencher”; a escrita de Patraquim “é alimentada por uma força pictórica e simbólica e por uma rítmica que faz dos textos espaços de mediação reflexiva e onírica, em que o sentido se vislumbra e anuncia, refeito num movimento de recordações de leitura”.

Poeta fino, às vezes hierático, Patraquim é um consumado artista do verso que sabe como pagar o seu mais íntimo tributo, evocando aqui e ali Whitman, Cesário Verde, Pessoa, Camões, Drummond, sem esquecer os luso-africanos que vieram antes dele como Rui Knopfli, David Mestre, José Craveirinha e outros.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

terça-feira, 25 de abril de 2006

O MEU 25 DE ABRIL

Mais de três décadas após o 25 de Abril de 1974, já tudo (ou praticamente tudo) terá sido dito sobre ao assunto. Para os que o viveram foi sem dúvida um marco importante nas suas vidas (quer o tenham abraçado ou rejeitado), tanto mais que pouco voltou a ser como era.

Apoiando ou contestando, defendendo ou criticando, toda uma geração cresceu e amadureceu à sua sombra. Sinal dos tempos ou revolta de um povo… golpe militar ou revolução… parece-me difícil negar a relevância do acontecimento, em especial para aqueles, como eu, que o viveram na alvorada da maturidade.

Haverá algo mais arrebatante que a sensação de escrever a história? Mesmo quando mais tarde a realidade nos atinge de modo brutal e nos derruba, a forma como nos erguemos não é igual há de milhões de outros que não foram derrubados, mas também não o viveram!

Para os que estivemos com um «pé cá» e outro «pé lá» (fosse por causa da guerra colonial ou outro motivo), termos ficado, rido e chorado, ajudarmos a construir uma democracia que só conhecíamos de «ouvir falar», pode ter sido um momento alto nas nossas vidas, que temos a obrigação de ensinar aos mais novos. Assim, o debate sobre as modificações da sociedade portuguesa seria tema interessante mas cuja extensão e polémica ultrapassa em muito a intenção de um breve post sobre o 25 de Abril, mas para o futuro (e espero que com a concordância de todos) ficaram as importantes mudanças de natureza cultural. Enterrado o ruralismo retrógrado e bacoco tão glorificado pelo Estado Novo, foram abertos caminhos para a exploração de outras realidades; o «lá fora» deixou de ser uma miragem para muitos e naturalmente foram-se criando oportunidades para os de «cá de dentro» ensaiarem perspectivas culturais diversificadas (com sucessos proporcionais ao empenhamento dos seus mentores) e potenciadoras de novos caminhos e novas experiências.

Com tudo o que de bom e de mau teve o período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, deverão a actual e as futuras gerações entendê-lo como uma época em que após meio século de ditadura e repressão, a liberdade chegou à rua...

E que melhor forma de a recordar e de a preservar que com as palavras de José Régio:
«Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí
»

25 DE ABRIL

domingo, 23 de abril de 2006

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Terá hoje nascido um livro novo?

O MÉDIO-ORIENTE E OS LOBBIES JUCAICOS

A escolha de uma nova personalidade – Jawad Al Maliki – para tentar formar um governo no Iraque poderá constituir uma boa notícia para os que têm aguardado impacientemente a resolução da crise governativa naquele país. Acontece é que existem dois grupos com interesses antagónicos naquela solução:
  1. os que desejam a formação de um governo com o objectivo de resolver o antagonismo entre as facções xiitas, sunitas e curda, com vista a melhorar a situação num país que continua ocupado por tropas estrangeiras e dividido quanto à definição do objectivo prioritário;
  2. os que desejam que do apaziguamento, ou da acalmia interna, advenham as condições para passar ao próximo objectivo.

Falando de forma clara, os primeiros serão basicamente os iraquianos que pretendem recuperar a sua soberania, mesmo na ausência de uma clara definição de como poderá funcionar profundamente dividido como se encontra, enquanto os segundos são os que há muito prosseguem a uma estratégia orientada para a redefinição do mapa geopolíticos do Médio-Oriente. Este grupo, a crer em recentes trabalhos desenvolvidos em universidades americanas e noutras estruturas internacionais que se dedicam ao estudo e análise dos fenómenos políticos e económicos globais, é fundamentalmente constituído pela classe governante israelita, a comunidade judaica e um conjunto de personalidades que gravitam nas suas órbitas.

Dois investigadores de duas insuspeitas universidades americanas – John Mearsheimer, da Universidade de Chicago e Stephen Walt, de Harvard – apresentaram em Março de 2006 um trabalho de investigação intitulado «THE ISRAEL LOBBY AND U. S. FOREIGN POLICY», no qual concluem que remonta aos tempos da presidência de Bush pai a intenção de “orientar” a política e a estratégia americano no sentido de “redesenhar” o mapa do Médio-Oriente em benefício exclusivo de Israel. Apresentada assim, de forma directa, esta tese parece demasiado impossível para ser verosímil; porém, se nos lembrarmos que na sequência do 11 de Setembro de 2001 a administração de George W Bush se apressou a decretar a invasão do Afeganistão e antes mesmo de poder reclamar o controle efectivo daquele território (e ainda menos o desmantelamento da Al-Qaeda) avançou com um assalto ao Iraque (sob pretexto da existência de armas de destruição em massa, sem aval da ONU e da comunidade internacional), contando apenas com o apoio do Reino Unido e que actualmente a mesma administração americana se está a envolver numa espiral de conflituosidade com o Irão, começa a tornar-se mais do que óbvia a questão: a quem serve a generalização do conflito no Médio-Oriente?

Aos EUA e à UE?

O que podem esperar estes países senão aquilo que estão já a obter; o aumento da instabilidade (nomeadamente a nível interno a que é provocada por comunidades de emigrantes que se identificam religiosa ou culturalmente com o Médio-Oriente, ou por grupos de opositores à escalada militar), o agravamento do risco de segurança dos seus interesses económicos na região do Médio-Oriente e o aumento dos custos da matéria-prima energética de que todos dependem totalmente, a ponto de pôr em causa o crescimento das suas próprias economias.

Aos países produtores de petróleo do continente africano e sul-americano, que o máximo que conseguirão será ver aumentados os seus proveitos alguns cêntimos por barril de crude extraído?

Às companhias petrolíferas, que sabem que os ganhos extraordinários que estão a obter se podem virar contra si próprias (o aumento exagerado no preço dos combustíveis fósseis vai tornar cada vez mais rentável o desenvolvimento de outras energias alternativas) se a tendência altista dos preços se mantiver?

Excluídos estes interessados que outros ficam?

A Rússia, que na qualidade de fornecedor de gás natural poderá ver, também ela, incrementados os seus ganhos com o aumento da procura e o desvio da atenção ocidental das suas repúblicas satélites para outra região, ao custo de verem aumentada a instabilidade na zona do Cáucaso? A China, cada vez mais dependente das importações de petróleo de manter o crescimento da sua economia?

E agora, o que resta senão Israel e a sua ancestral política expansionista?

Quem poderá negar que a deposição de Saddam Hussein constituiu uma apreciável vantagem para o regime judaico, ampliada ainda pela situação de instabilidade instalada, e que convulsões em países como o Irão e o Iraque não podem senão agradar a quem de forma mais ou menos velada ainda não terá perdido as esperanças de poder vir a anexar mais territórios.

A eventual fragmentação do Iraque, solução que na própria Casa Branca já há quem a defenda, poderá ser a cereja no bolo da destituição de Saddam Hussein. Esta hipótese é de momento tão realista quanto qualquer outra, mesmo que depois se possa colocar a questão da constituição de um estado curdo (algo que sempre aterrorizou a nação árabe) e cuja oposição feroz da Turquia garantirá a continuidade do processo de desestabilização na região.

O trabalho dos dois investigadores americanos não constitui novidade na vertente que explora o interesse judaico na região (muitos outros investigadores e autores de diferentes origens têm abordado essa questão, referindo-se mesmo em algumas circunstâncias situações particularmente estranhas ocorridas no recém ocupado Iraque que mais não têm servido que para alimentar a tenção entre as facções no terreno, como foi o caso da atentado no Mausoléu do Imã Ali em Samarra), mas apresenta especial importância ao expor as ligações e o modus operandi dos lobbies judaicos nos EUA. Fazendo fé naquele trabalho, foi a aplicação de uma estratégia muito bem concertada entre os referidos lobbies e os governos israelitas que conduziu à situação que vivemos, nomeadamente quando a própria Mossad (serviços secretos israelitas) terá contribuído para cimentar a ideia da existência das armas de destruição em massa iraquianas junto da CIA, táctica que deverá estar igualmente a ser utilizada na questão iraniana.

Analisando friamente o que temos assistido nestes primeiros meses de 2006 resume-se a um avolumar de “casos” que pretendem justificar o desferir de um próximo golpe sobre o Irão, isto depois de durante 2005 se ter assistido à constante circulação de notícias em torno da Síria e do envolvimento dos seus serviços secretos e do presidente Bashar Al Assad no assassínio do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri. Tal como no cenário anterior, toda a agitação se centra nos países que rodeiam Israel e que ao longo dos anos se têm revelado pouco cooperantes com a política expansionista judaica.

Este tipo de análise, tal como a executada por Mearsheimer e Walt, é o que os grupos judaicos apelidam imediatamente de anti-semitismo (para estes, tudo o que não signifique um apoio incondicional às suas teses, que há muito deixaram de ser a defesa e o direito à existência do estado judaico, para passarem a ser a aplicação dos princípios da existência da Grande Israel - ler texto complementar aqui - é de imediato apelidado como tal). Por incrível que possa parecer as sociedades ocidentais mantém como que um sentimento colectivo de culpa relativamente ao período negro que os judeus viveram sob o regime nacional-socialista alemão e as organizações judaicas têm aproveitado ao máximo tal vantagem, quando não é o próprio estado de Israel a reclamar um tratamento preferencial com base nesse episódio.

Não se tratando de negar o holocausto judaico, perece-me de ter em linha de conta outros factos (muito mais actuais) para apreciar e formar opinião sobre o que acontece, ou está em vias de acontecer no Médio-Oriente. O que hoje se passa na Palestina é uma situação em que o Estado de Israel assume o papel de ocupante de um território sobre o qual não tem qualquer jurisdição (ocupação que já foi alvo de mais que uma condenação pela ONU), onde pratica de forma sistemática violações dos direitos humanos, usando de meios militares postos à sua disposição por uma potência imperial que continua a executar de forma obediente as políticas que melhor sirvam os interesses daquele estado, contra um povo cujo direito à autodeterminação foi reconhecido pela ONU, mas que a comunidade internacional, sob a liderança americana, persiste em lhe negar na prática. O que aconteceu no Iraque foi a ocupação de um país sob o argumento de que dispunha de armas de destruição em massa, que nunca ninguém logrou encontrar. O que pode em breve acontecer no Irão é o uso abusivo da força no pressuposto de que aquele estado poderá vir a obter armamento nuclear.

Em poucas palavras, de moto próprio ou por influência judaica, os americanos têm vindo a envolver o planeta num clima crescente de violência e numa espiral intrusiva de que dificilmente alguém poderá augurar algo de bom.

A solução, como a apontam Mearsheimer e Walt, é ampliar o debate em torno da influência dos lobbies judaicos na política externa americana e os seus efeitos na região, esperando que este acabe por expor os limites e as contradições entre interesses (judaico e americano) muitas vezes longe de coincidentes. Por mim, acho que este tipo de debate deve ser levado ainda um pouco mais longe e questionar o direito de quem quer que seja (americanos, judeus ou outros) definirem as formas de organização social, política e económica que deverão vigorar fora das fronteiras dos seus próprios estados.

sexta-feira, 21 de abril de 2006

A OCDE E O ENSINO EM PORTUGAL

O PUBLICO noticiou hoje, com particular destaque, o facto do relatório da OCDE sobre Portugal recomendar a necessidade de aumentar as propinas no ensino superior, como forma de aumentar a justiça social e a eficiência daquele nível de ensino.

Os técnicos daquele organismo – cuja principal finalidade é a de coordenação de políticas económicas e a produção de estudos orientadores para os estados membros – defendem aquele princípio por entenderem que os custos que o Estado suporta com aquele grau de ensino beneficiam as camadas sociais de rendimentos mais elevados e cujos jovens virão, mais tarde, a colher largos benefícios monetários e ainda porque do aumento das propinas deverá resultar uma maior pressão sobre as escolas para melhorarem a qualidade do ensino e maiores disponibilidades financeiras para estas realizarem os investimentos de que necessitem e contratarem os melhores professores.

Porque se trata de um organismo minimamente credível a OCDE adiciona à proposta de aumento das propinas universitárias o lançamento de programas de bolsas de estudo e empréstimos, a cargo do Estado, para apoiar os estudantes com menores recursos.

Observando a realidade do nosso país através de estatísticas e outra informação da mesma natureza, a proposta da OCDE parece fazer todo o sentido, inserindo-se mesmo no princípio liberal, bem na moda, do utilizador-pagador; porém, como nós que aqui vivemos bem o sabemos, uma coisa é a observação asséptica da realidade portuguesa e outra a forma como as coisas realmente acontecem. No caso concreto o montante actual de propinas no ensino superior é fixado por cada uma das escolas, havendo um valor máximo determinado pelo Governo. Tendencialmente todas as universidades fixam as respectivas propinas no valor máximo, ou muito próximo dele. Já existem apoios estatais, como sugere a OCDE, para os estudantes de rendimentos mais baixos sob a forma de bolsas (a opção de financiamento ainda reveste a forma de monopólio bancário) pelo que parece não estarmos tão longe quanto isso do modelo proposto; porém, a realidade bem diversa do que aparenta.

O montante anual das propinas universitárias ronda já os 1.000 euros (valor que não sendo exagerado representa mais que um salário mínimo nacional) podendo ser reduzido em cerca de 50% caso o aluno beneficie de bolsa de estudos.

Ora bem, é aqui que começam as singularidades do nosso país, uma vez que:
  1. os principais beneficiários dessas bolsas são os alunos cujos progenitores apresentam menores valores de rendimentos declarados em sede de IRS, mas não obrigatoriamente os que auferem rendimentos mais baixos, que o mesmo é dizer que a maioria dos trabalhadores por conta de outrem (que não beneficiam da escandalosa vantagem de poderem usufruir de rendimentos não sujeitos ao citado imposto) acabam por suportar maiores custos de educação;
  2. as estatísticas em Portugal garantem uma elevada taxa de desemprego (75%) aos recém licenciados, facto que anula de imediato o argumento dos grandes benefícios salariais que virão a auferir;
a estas gritantes desigualdades acresce que nenhuma universidade portuguesa apresenta características idênticas às suas congéneres anglo-saxónicas (países que adoptaram há muito modelos como o que sugere o relatório da OCDE), que paralelamente com a vertente de ensino dispõem de infra-estruturas (residências estudantis e outras estruturas de apoio) destinadas aos seus alunos e disponibilizam elas próprias mecanismos de financiamento, além de outras formas de apoio (bolsas de estudo) em regime de mecenato.

É evidente que uma universidade com maiores disponibilidades financeiras, sejam elas resultantes de propinas, de subvenções públicas ou mecenatos empresariais, tenderá sempre a dispor de melhores equipamentos (edifícios e materiais didácticos), de melhores professores e, “last but not least”, de melhores alunos, só que ainda estamos muito longe de semelhante cenário… e continuaremos a afastar-nos enquanto se permitir a quase anarquia que tem sido a proliferação de cursos superiores em escolas que os oferecem não para responder à procura dos estudantes mas para induzirem essa mesma procura.

quinta-feira, 20 de abril de 2006

BOAS NOTÍCIAS, MÁS NOTÍCIAS

No mesmo dia em que se deveria registar algum regozijo pelo facto de finalmente a administração americana ter publicado a lista dos “combatentes inimigos” detidos em Guantanamo, algo que se poderia assemelhar com a reposição de alguma legalidade (descontando o facto destes se encontrarem detidos sem julgamento há cerca de 4 anos) em todo este processo, eis que outras notícias nos chegam das terras do Tio Sam que eliminam de imediato qualquer arremedo de sorriso.

Figuras gradas da administração de George W Bush, entre as quais Condoleezza Rice, já tornaram público que os EUA poderão invocar o direito de autodefesa para atacarem o Irão, seja de forma isolada seja integrando uma coligação militar.

Esta hipótese não é para mim um dado novo, basta recordar que o ataque ao Iraque em 2003 foi precedido de uma tentativa de atribuição de um mandato internacional pela ONU e que perante tal impossibilidade americanos e ingleses avançaram em total desrespeito pelo direito internacional, facto que nem por isso o torna menos preocupante nem menos vil.

Não nutro grandes dúvidas que o objectivo último do regime iraniano será a produção de armamento nuclear, mas daí a admitir que existe hoje um risco potencial maior do que existia antes, parece-me estúpido e os argumentos avançados pelos defensores de tal tese apenas convencerão aqueles que quiserem ser convencidos. A título de exemplo recordo que no período que antecedeu a invasão do Iraque também a administração americana se desdobrou em discursos e profissões de fé sobre o armamento químico do Iraque (terão esquecido que o “stock” de armas químicas que forneceram a Saddam Hussein durante a Guerra Irão-Iraque terá sido consumido na íntegra) que depois não conseguiu encontrar nem provar que existia.

Curiosamente os americanos pretendem cobrir com o manto da legalidade uma operação militar abusiva, quando negam a legalidade do direito do Irão produzir energia a partir da tecnologia nuclear, conforme o estipula o tratado de não-proliferação nuclear. O próprio organismo da ONU encarregue de controlar o uso civil daquela energia, a AIEA, e o seu director, Mohamed El Baradei, não confirmam que o Irão esteja a violar os termos daquele tratado.

Na falta de argumentos sólidos e face à recusa da China – cujo presidente Hu Jintao, de visita aos EUA, apenas admitiu a disponibilidade do seu país para utilizar a sua influência junto de uma Coreia do Norte que também já dispõe de armamento nuclear – e da Rússia – que hoje mesmo rejeitou a hipótese de suspender as suas ligações ao programa nuclear iraniano – que persistem em não aceitar a aplicação de sanções contra o Irão, os EUA vêm empolando o tom das suas ameaças na expectativa de com elas criarem um facto político que fundamente o ataque a outro país do Médio-Oriente.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

O QUE TERÃO EM COMUM A FRANÇA E O NEPAL?

Quando as teses relativas à globalização parecem começar a criar raízes, mesmo nos locais “a priori” menos prováveis, eis que novas áreas da actividade humana começam a aproveitar os conceitos subjacentes àquela.

Para quem duvide, veja o que se passa no Nepal, onde a população, importando o modelo francês de sublevação contra o CPE, iniciou há cerca de duas semanas uma greve geral e continua a realizar diariamente manifestações a favor da instauração de um regime democrático. O Nepal, monarquia sobejamente conhecida pela curta duração dos seus governos (o mais prolongado durou dois anos), vive desde Fevereiro de 2005 sob o estado de emergência, declarado pelo monarca na sequência da destituição do governo liderado por Sher Bahadur Deuba, acusado de inoperância com a guerrilha maoísta, viria ser colocado em prisão domiciliária, julgado e condenado por corrupção em Agosto e libertado em Fevereiro deste ano.

Tal como em França, o governo do rei Gyanendra, alvo principal de todas as críticas, tem respondido com acções policiais contra os manifestantes, feito uso do recolher obrigatório e procedido a algumas detenções. Nada que na prática esteja a fazer baixar o entusiasmo e o empenho das populações que parecem ter aprendido uma importante lição com os recentes acontecimentos naquele país.

A própria comunidade internacional já deu início a procedimentos de natureza diplomática com vista à resolução desta crise; os omnipresentes EUA já terão feito sentir ao regime nepalês a necessidade proceder a algumas mudanças e a vizinha Índia já enviou um emissário para contactos com o governo, o qual também deverá defender a urgência na introdução de mudanças. ONG’s como a Amnesty International, a Human Rights Watch e a Commission Internationale des Juristes, têm vindo a denunciar a violência e as detenções arbitrárias (fala-se em milhares de opositores detidos) e a defender a aplicação de sanções internacionais.

Entretanto a população continua a sair à rua exigindo eleições para uma assembleia constituinte, em consonância com a posição de sete dos partidos nepaleses que recusaram uma recente proposta do monarca para a realização de eleições, defendendo a necessidade de uma nova constituição.

COMENTÁRIO RÁPIDO - I

O PORTUGAL DIÁRIO titulava hoje pelas 19h53m:

Deputados não são «um bando de malandros»

Comentário: Pois não, nunca tal me passou pela cabeça! Os deputados estão demasiadamente bem organizados para se assemelharem a um bando!

terça-feira, 18 de abril de 2006

SUICIDA… OU SEM SAÍDA?

Mais um atentado suicida em Israel - perpetrado por um jovem de 16 anos - justifica toda a atenção que possa ser dada à questão palestiniana.

As partes em conflito (judeus e palestinianos) têm-se envolvido desde meados do século passado em confrontos que a comunidade internacional nunca logrou mediar de forma eficiente. Sendo certo que esta não é uma situação inédita, a verdade é que o conflito não tem uma génese natural, os seus intervenientes não se encontram em posição minimamente equitativa, nem a comunidade internacional tem revelado uma actuação que conduza a uma solução aceite pelas partes.

As raízes do conflito remontam a 1947, data em que a ONU aprovou uma resolução criando um estado judeu num território sob administração inglesa, e às acções terroristas perpetradas por organizações judaicas como a “Haganah” para a obtenção da independência. Em 1949, um ano após a independência, eclode o primeiro conflito israelo-árabe com o qual começa o processo de ocupação de territórios. Seguir-se-á em 1956 a Guerra do Suez e em 1967 a Guerra dos Seis Dias, que Israel aproveita para ocupar os Montes Golã (à Síria), a parte oriental de Jerusalém, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (aos palestinianos) e a península do Sinai (ao Egipto). Com a ocupação de todos estes territórios a sua área cresceu quatro vezes em relação ao território que detinha em 1949.

A estas seguiram-se a Guerra do Yom Kippur, em 1973, e a Guerra do Líbano, em 1982, ano em que Israel completou a sua retirada da península do Sinai, ocupada desde 1967. Aproveitando estes conflitos com as vizinhas nações árabes, Israel foi ocupando a totalidade dos territórios que a ONU destinara ao povo originário da região: os palestinianos. Estas violações determinaram que até esta data o Conselho de Segurança da ONU já tenha emitido 57 resoluções proibindo toda e qualquer ocupação feita por Israel desde a sua criação em 1947, as quais porém nunca foram cumpridas, graças à sempre pronta intervenção dos EUA que bloquearam qualquer hipótese para que o estado judaico fosse punido internacionalmente, como o foi o Iraque quando em 1991 invadiu o seu vizinho Kuwait.

A política expansionista do estado judaico determinou o êxodo de milhares de palestinianos para os países vizinhos e a formação de diversos movimentos de resistência armada que em 1969 acordam concertar esforços para a libertação dos territórios ocupados, nascendo assim a OLP (Organização de Libertação da Palestina) que foi chefiada por Yasser Arafat até à sua morte em 2004. Actuando inicialmente como movimento guerrilheiro foi responsável por inúmeras acções contra alvos judaicos; porém a acção que maior sucesso alcançou foi a Intifada iniciada em 1987 (que muitos atribuem a um movimento espontâneo e que consistiu na expressão da revolta palestiniana por meio do lançamento de pedras sobre as tropas ocupantes e numa rígida aplicação de boicotes a produtos israelitas), que em 1988 conheceria a aceitação de o Plano de Partilha da ONU que viria a permitir, em 1993, com o Acordo de Paz de Oslo, a constituição da Autoridade Palestiniana e a definição de territórios (Faixa de Gaza e Cisjordânia) sob a sua administração. Esta etapa marcou uma certa alteração na forma como a comunidade internacional encarava o problema palestiniano, mesmo não tendo respondido na íntegra às suas pretensões, saldou-se com um número de baixas estimado de 1.160 palestinianos e 160 judeus, números que diz bem da desproporção dos meios e da vontade colocada no confronto.

Com o assassinato em finais de 1995 do primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin (uma das figuras do Acordo de Oslo), a chegada ao poder das facções judaicas mais conservadores, em 2000 e em resposta a uma deslocação provocatória de Ariel Sharon (então líder do partido conservador judaico, Likud) à esplanada da Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Ocidental, inicia-se a segunda Intifada, também conhecida por Intifada de Al-Aqsa. Eleito em 2001 para o cargo de primeiro-ministro de Israel, Sharon pretextando necessidades de segurança contra atentados palestinianos volta a ocupar territórios Palestinos e inicia a construção do Muro da Cisjordânia. Após a morte de Yasser Arafat, em 2004, e sob pressão americana (os EUA estavam particularmente empenhados em melhorar o seu relacionamento com os países árabes após as invasões do Afeganistão e do Iraque), Sharon inicia em 2005 a retirada de colonatos da Faixa de Gaza e Cisjordânia (sobre esta matéria existem algumas incertezas uma vez que sectores palestinianos alegam que o que se verificou foi uma concentração de colonos em zonas de maior segurança). No início de 2006 Sharon sofre um acidente vascular que o incapacita definitivamente e o Hamas, movimento rival da Fatah (principal força que integra a OLP), de orientação mais fundamentalista, vence as eleições legislativas realizadas nos territórios ainda ocupados.

Actualmente assiste-se a um braço de força entre Israel (conjuntamente com os seus aliados EUA e EU), e o Hamas para que este movimento renuncie à luta armada e reconheça o estado de Israel. Os EUA e restante países ocidentais decidiram suspender a ajuda financeira à Autoridade Palestiniana, atitude que além de deteriorar a qualidade de vida dos palestinianos está a contribuir para reforçar a posição política do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, que é membro da Fatah.

É neste cenário de crescente incerteza e de rápida deterioração das já muito precárias condições de vida de uma população forçada a viver num território paupérrimo de recursos naturais, enclausurada por um muro de betão armado que a converte em virtual prisioneira na sua própria casa, na ausência de vislumbre de solução (ou mesmo de tratamento equitativo) que ocorreu ontem o atentado em Telavive.

Num cenário de conflito como o que ocorre entre judeus e palestinianos, onde os primeiros desenvolvem uma guerra de ocupação e repressão, suportada por uma moderna e bem equipada máquina de guerra que inclui armamento nuclear, e os segundos uma guerra de libertação, recorrendo aos meios de que dispõem, mais dramático do que o inevitável número de mortos e de feridos é o facto deste conflito continuar a arrastar-se, sem vislumbre de solução e sem que a comunidade internacional logre vencer as peias em que tem sido manietada por uma bem montada campanha de propaganda pró-judaica que, meio século volvido sobre a última grande perseguição de que foram alvo, ainda persiste em agitar os fantasmas do anti-semitismo perante toda e qualquer manifestação de crítica ou hipótese de sanção.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

ATENÇÃO À PUBLICIDADE!

Da leitura de alguns dos “posts” anteriores, muitos poderão ter-se interrogado sobre a lógica (e a real existência) de uma corrente de pensamento que defende (e pratica) o princípio da criação dos factos políticos de forma a originar (e justificar) as acções militares. Esta tem sido a prática do círculo interno dos conselheiros da administração Bush, a qual consiste na utilização de uma técnica comum no campo publicitário – induzir a necessidade para alcançar a venda do produto.

Este tipo de actuação, eticamente condenável e de duvidosos resultados para o conjunto da sociedade, tem-se vindo a estender do âmbito publicitário para o campo político (com os resultados que vemos noticiados no dia-a-dia) e foi recentemente denunciado como prática corrente também no campo da saúde.

Na passada semana, marquei para leitura e posterior pesquisa um artigo no DIÁRIO DE NOTÍCIAS que referia o teor de um estudo divulgado durante uma conferência médica que decorria na Austrália. Entre os oradores participantes encontravam-se David Henry e Ray Moynihan, autores de um estudo que denuncia a existência de uma teia de influências entre a indústria farmacêutica e grupos de publicidade, visando a produção de campanhas orientadas para a criação de necessidades para depois aquela indústria apresentar a solução milagrosa.

Os autores (o médico David Henry – professor na Universidade de Newcastle, na Nova Gales do Sul - e o jornalista Ray Moynihan – especializado em assuntos médicos) defendem a tese de que cada vez mais o mercado da saúde se encontra subordinado à lógica do crescimento das vendas (e dos lucros) da indústria farmacêutica, que para o conseguir recorre muitas vezes à técnica da indução da doença na opinião pública.

Para fundamentarem a sua tese citaram:
  • o facto das campanhas de sensibilização sobre as doenças financiadas pela indústria farmacêutica serem regularmente mais orientadas para a venda de medicamentos que para o esclarecimento, informação ou educação sobre a sua prevenção;
  • o crescente número de “doenças dos tempos modernos” de difícil comprovação (com particular destaque para as disfunções de carácter sexual), mas para as quais os laboratórios já estão a desenvolver medicamentos “adequados”;
e referiram o acréscimo do risco resultante de diagnósticos incorrectos por força das campanhas que condicionam médicos e consumidores a sobrevalorizarem sintomas normais, como é o caso de comportamentos hiperactivos e perda de atenção nas crianças.

Em jeito de conclusão aqui ficam dois locais (http://www.plos.org/disease-mongering/ - http://www.diseasemongering.org/) onde podem encontrar informação mais detalhada sobre o tema, e ainda o alerta para a necessidade de combatermos este e qualquer outro tipo de comportamento induzidos.

domingo, 16 de abril de 2006

A PROPÓSITO DA PÁSCOA

Li atentamente, como há muito tenho hábito, o artigo de opinião que Maria José Nogueira Pinto assinou na passada sexta-feira (uma especial Sexta-Feira Santa como assinala o calendário religioso) no DIÁRIO DE NOTÍCIAS.

O tema era, evidentemente, relacionado com a data e consistindo numa reflexão pessoal sobre o dogma católico da morte e ressurreição de Cristo, que a autora levou mais longe que o simples repositório de factos/lendas que diversas igrejas ao longo dos séculos elevaram à figura de dogmas. Dando-nos uma visão pessoal do acontecimento torna impraticável a crítica fria ou mordaz, mas sobreleva a sua vertente de fé (que para muitos infelizmente é mera crendice) e interioridade, matéria sobre a qual cada um deve ser livre de interpretar como entender.

Sucede porém que é precisamente neste particular da liberdade individual da cultura religiosa que ao longo de séculos todas as igrejas (e em especial as monoteístas) têm usado e abusado do princípio da imposição da interpretação mais conveniente. Felizmente o processo de desenvolvimento do Homo Sapiens e das sociedades que tem criado, tem permitido que outras interpretações, interrogações e formulações vão surgindo.

O desenvolvimento da investigação e do pensamento científico (alicerçado em factos comprovados e/ou comprováveis experimentalmente) contribuiu para novas formulações e a construção de diferentes hipóteses explicativas da vida no nosso planeta e da forma de pensar e entender fenómenos naturais e “sobrenaturais”. Hoje ninguém legitimamente se pode espantar e apelidar de sacrílegos (face aos actuais padrões religiosos) os povos que desconhecendo o meio que os rodeava, veneraram fenómenos naturais como o fogo (a própria religião católica ainda representa manifestações da divindade dessa forma – a sarça ardente que “falou” a Moisés e o Espírito Santo que “desceu” sobre os apóstolos), pelo que deve ser igualmente legítima a formulação de novas hipóteses de explicação, sobre factos ancestralmente dados como adquiridos, à luz de novas descobertas ou de novas processos interpretativos.

No momento em que uma vez mais os cristãos comemoram a morte e ressurreição do fundador da sua religião e em que recentemente a imprensa fez eco da tradução de um papiro, datado de há 1700, anos que apresenta um visão diferente da oficialmente aceite e divulgada pela Igreja Católica sobre os factos então ocorridos – de acordo com o texto citado, Judas, o apóstolo que segundo a tradição terá traído Jesus aos seus adversários, mais não terá feito que agir segundo instruções do seu mestre – faz ainda mais sentido reflectirmos sobre outras formulação que ao longo do século XX historiadores e investigadores dos fenómenos bíblicos foram apresentando.

E se autores como Lynn Picknett e Clive Prince têm razão quando formularam a hipótese da existência de descendência de Jesus e Madalena no livro «O SEGREDO DOS TEMPLÁRIOS”?

E se Jesus não morreu na crucificação, como Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln defendem no seu «O SANGUE DE CRISTO E O SANTO GRAAL» e tudo não passou de uma bem urdida encenação para cumprir os requisitos das antigas profecias judaicas?

Esta hipótese, por absurda que pareça, ajuda a explicar situações pouco claras nas narrativas constantes nos evangelhos incluídos no Novo Testamento (aqueles que a hierarquia da igreja católica entendeu aceitáveis), nos evangelhos ditos gnósticos, como os de Nag Hammadi, ou no mais recentemente descoberto. Assim, torna-se compreensível a deslocação de Jesus para Jerusalém, local onde o risco de confronto com a ortodoxia judaica era maior, mas onde poderia contar com o apoio de alguns seguidores mais poderosos (José de Arimateia e Maria Madalena) e utilizar a seu favor os jogos de poder numa época particularmente conturbada.

E se, como pretendem Lynn Pickett e Clive Prince, os descendentes (ou a própria família) de Jesus terminaram os seus dias no Sul de França? Local onde terão originado uma outra forma primitiva de culto cristão que séculos mais tarde terá estado na origem do catarismo. Esta hipótese ganha contornos de franca probabilidade se recordarmos que este movimento que defendia o regresso à simplicidade e pureza da forma de vida de Cristo foi alvo no século XIII de uma cruzada ordenada pelo papa Inocêncio III e que apenas seria completamente debelado anos mais tarde pela acção de uma força papal especial – a Inquisição.

Visto à luz de todas estas interrogações e formulações alternativas, o agora traduzido Evangelho de Judas, vem adicionar novas peças a este intricado puzzle, tanto mais que a desmontagem e remontagem das peças conhecidas vai esbarrar em três tipos de posições: 1) os que genuinamente formulam dúvidas sobre o rearranjo agora proposto, onde Jesus perde a sua característica divina, ganhando em contrapartida uma nova dimensão humana e política (provável descendente de uma linhagem real e opositor ao ocupante romano da palestina) e possível iniciador de uma linhagem que originaria a futura família real merovíngia; 2) os que liminarmente rejeitam qualquer reinterpretação dos factos bíblicos, por persistirem (ou não se atreverem a contestar) nos conceitos feitos dogmas ao longo de séculos; 3) os que, por nunca terem duvidado da origem humana de Jesus, julgam exequível boa parte da estrutura narrativa mas demasiado rebuscada (e já agora muito proveitosa aos defensores da origem divina do poder real) a hipótese da linhagem dos antigos reis merovíngios remontar a Jesus.

Para concluir diga-se que outros investigadores, partindo de algumas destas premissas caminharam em sentidos distintos para elaborarem teses não menos relevantes. Centrando estas na figura feminina de Maria Madalena e na importância da mulher na cultura religiosa, Margaret Starbird, no livro «A MULHER DO VASO DE ALABASTRO» deixa uma inquietante reflexão sobre a desvalorização do feminino na igreja primitiva e da sua perpetuação no tempo.

No seu conjunto estas, e outras teses, devem ser lidas e entendidas como trabalhos muito válidos para a compreensão de um passado que continua hoje a ser forte condicionador do nosso presente e não devemos permitir que continue a ser limitador do futuro.

sábado, 15 de abril de 2006

PORQUE NÃO RESULTAM AS CRÍTICAS A RUMSFELD?

Nestes últimos dias voltaram a avolumar-se nos EUA as críticas à Guerra do Iraque e ao principal responsável pela sua condução, o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld.

Pela segunda há quem insista na necessidade da demissão de quem conduziu os EUA a uma posição cada vez mais inconfortável. Como se não bastasse a total ausência de provas para o lançamento da ofensiva (dado mais que comprovado e que altos responsáveis americanos já admitiram) e o escândalo resultante do tratamento infligido aos prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib (seguramente idêntico ao que sofrem os detidos em Guantanamo, mas que a administração americana persiste contra tudo e contra todos a considerar que não são prisioneiros de guerra), eis que vão agora surgindo antigos comandantes americanos a exigir o afastamento de Rumsfeld da condução da secretaria de estado.

Como é seu hábito, contra ventos e marés o Presidente Bush persiste na defesa do seu homem forte (um dos grandes responsáveis pela sua “eleição” em 2001 e ex-secretário da defesa nos tempos de Gerald Ford), dizendo mesmo que este está a fazer um óptimo trabalho num período particularmente difícil para os EUA.

Ora a opinião de um grupo de generais, agora na reserva, é precisamente a oposta. Apontam a Rumsfeld, a quem acusam de arrogância, prepotência e de incompetência aos níveis estratégico, operacional e táctico, a principal responsabilidade pela situação no Iraque.

Numa palavra os antigos responsáveis pelo planeamento e a condução no terreno da invasão do Iraque, vêm agora revelar o que há algum tempo se tornara evidente para muita gente – os EUA possuem capacidade militar para ocupar territórios, mas continuam a revelar extremas dificuldades para os gerir no período após a ocupação.

A reacção da Casa Branca é perfeitamente normal se lembrarmos que Donald Rumsfeld tem construído toda a sua vida (política e empresarial) mediante a elaboração de uma intricada teia de interesses e “trocas de favores”. Quem já esqueceu o seu papel na aprovação pela FDA (Food and Drugs Administration, organismo oficial pela aprovação de medicamentos para consumo nos EUA) da comercialização do aspartame enquanto substituto do açúcar produzido por uma empresa farmacêutica, a Searl, quando a passou a dirigir? E dos ganhos (fala-se em 5 milhões de dólares) da venda daquela empresa à Monsanto, operação intermediada por um banco para o qual passa a assegurar as funções de conselheiro? E o papel que desempenhou (ainda e sempre graças à sua rede de conhecimentos e influências na administração americana) mais tarde num negócio envolvendo a definição do padrão futuro das emissões de tv, graças ao qual os patrões da empresa que dirigia quintuplicaram o seu investimento com a posterior venda, negócio no qual se estima que Rumsfeld tenha embolsado uns módicos 7 milhões de dólares?

Além destes factos são ainda apontadas ligações altamente lucrativas entre Donald Rumsfeld e outros produtos da indústria farmacêutica: um antiviral (cidofovir) particularmente propenso a originar cancros e insuficiências renais, que a FDA também autorizou, e o agora tão falado tamiflu para o tratamento do vírus H5N1 (gripe das aves).

Paralelamente com esta rede, empresarialmente muito lucrativa, Donald Rumsfeld, mantém laços estreitos com outras importantes figuras do grupo dos neoconservadores que tem suportado a administração de George W Bush, entre os quais se contam Paul Wolfowitz (teórico neoconservdor que já aqui foi comentado), Dick Cheney (vice-presidente e com ligações à indústria petrolífera, atarvés da Halliburton, e de segurança, através da KBR) e Frank Carlucci (com ligações ao Carlisle Group que detém interesses na construção civil e é gestor das carteiras de investimento das famílias Bush e Bin Laden).

sexta-feira, 14 de abril de 2006

NOTÍCIAS DO REINO DE SUA MAJESTADE

Para os eventualmente menos atentos, aqui fica a chamada de atenção e o pedido para a consulta de fontes de informação que mencionem dois factos ontem ocorridos no mui liberal reino de Sua Majestade Britânica.

O primeiro foi a entrada em vigor de uma nova lei anti-terrorismo, o «Terrorism Act» que prevê a possibilidade de encarceramento de qualquer suspeito por um período de 28 dias sem culpa formada. O mesmo é dizer que qualquer cidadão, britânico ou de qualquer outra nacionalidade pode ser detido por aquele período de tempo enquanto os diligentes serviços policiais procuram as provas necessárias à sua inculpação, e estas não serão difíceis de encontrar uma vez que o simples facto de difundir publicações terroristas passou a constituir crime grave. Ora como é fácil de entender, qualquer texto que mencione a necessidade de intervenção contra o que o governo do momento entenda como os seus interesses, pode ser entendido como “publicação terrorista” e utilizado contra o seu autor ou difusor.

Para os muitos que há muitos anos vêm negando as evidências, apontadas por poucos, sobre a crescente possibilidade de instauração de regimes opressivos e ditatoriais sob a capa de pacíficos regimes democráticos, este será mais um marco e um passo significativo nesse sentido.

Como uma má notícia nunca vem só, das mesmas paragens chega também a notícia da condenação a oito meses de prisão e posterior expulsão da RAF, do médico aviador Malcolm Kendall-Smith que se recusou a cumprir um período de serviço no Iraque.
Sobre esta matéria e a questão do crescente mal-estar que a ocupação daquele país está a criar em sectores das sociedades americana e inglesa (incluindo as próprias forças armadas) que já aqui fora abordado, importa agora reter o facto do tribunal militar ter recusado o argumento da ilegalidade do acto bélico (como era evidente), mas ainda se ter arrogado o direito de classificar de arrogante a atitude de quem possuindo opinião própria a emite e age em sua conformidade.

Não me espantaria se dentro de uns meses (oito para ser mais preciso) o ex-aviador vier a ser detido ao abrigo do «Terrorism Act» e acusado de difusão de ideias terroristas. O estado “bigbrotheriano” idealizado por George Orwell estará já a ficar ultrapassado.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

QUESTÃO DE QUÓRUM OU DE MORALIDADE?

Uma das notícias hoje mais difundidas foi a da falta de quórum ontem registado na Assembleia da República, que motivou a suspensão dos trabalhos por impossibilidade de realização das votações previstas para o final da sessão.
Não que seja inédita tal situação naquele órgão de soberania (não é rara a necessidade de “arregimentar” os deputados espalhados pelo edifício em momentos de votações), mas convenhamos que pelo momento e pela dimensão se justifica uma apreciação ao que ontem ocorreu para os lados de São Bento.

Nada mais nada menos que a ausência de 107 deputados, a maioria dos quais constava no respectivo registo de presenças. Na prática a maior parte dos deputados “faltosos” tinham estado ao início da sessão, mas com o decorrer do tempo foram-se ausentando a ponto de o presidente da Assembleia se ter visto forçado a adiar as votações agendadas para aquela sessão.
Nada de muito grave, afinal não estava em causa a votação de nada suficientemente importante que justificasse que mais de uma centena de deputados não tivesse optado por iniciar um pouco mais cedo as suas férias pascais. Como é do conhecimento geral os deputados da nação são homens (e mulheres) como todos nós e também procuram evitar os enormes engarrafamentos que nestas épocas de “migração” sempre se verificam nas hipercongestionadas vias de saída de Lisboa; afinal eles apenas o fizeram no superior interesse da redução dos custos e da dependência nacional das importações petrolíferas (toda a gente sabe que qualquer viatura gasta muito mais numa fila de trânsito que se desloca a menos de 2 km/hora que circulando numa constante e segura velocidade de 70 ou 80 km/hora – excepção feita ao “deputado voador”).

Certo é que feitas as contas faltavam 47% dos deputados, a quem os contribuintes nacionais (e apenas estes) remuneram principescamente para debaterem e deliberarem sobre os grandes problemas do país, nada de particularmente grave se o presidente da Assembleia proceder como prometeu, aplicando com o máximo rigor o regime que determina a redução do vencimento aos faltosos. Sucede porém, que aquele mesmo regime estabelece critérios particularmente benignos para a justificação das faltas (quase tudo serve de pretexto para as ausências), raiando mesmo o absurdo de justificar ausências como trabalhos políticos para os partidos (ora como é bem sabido toda e qualquer “conversa” com todo e qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, em todo e qualquer local - até num jogo de futebol em Espanha - reveste os contornos do tal trabalho para o partido – sim, porque mesmo sem eleições próximas o melhor é ir mantendo a “clientela” fidelizada – que é tanto ou mais importante que estar sentado no hemiciclo a votar tudo e mais alguma coisa e da forma que o partido manda).

Como se esta situação não fosse suficientemente absurda, eis que o partido que registou o maior número de “desenfiados” (os tais que assinaram como se estivessem, mas afinal não estavam) vem ainda acusar outro partido da responsabilidade da situação por, dispondo da maioria de deputados não ter assegurado que estes estariam presentes!

Para que se tenha uma noção dos números de que se está a falar aqui ficam as distribuições de deputados e do número de faltosos por partido:
e a referência para o facto do porta-voz do CDS-PP se ter apressado a vir explicar aos microfones da TSF que os 42% dos seus correligionários que faltaram o fizeram ao abrigo do tal regime particularmente benéfico.

Vão lá vocês dizer ao vosso patrão que faltaram por estarem a desenvolver trabalho político, que vão ver a resposta, ao abrigo da legislação que estes mesmos deputados aprovaram, que ele vos dá…

quarta-feira, 12 de abril de 2006

TRISTE FIGURA!

Durão Barroso, ex-líder do PSD e ex-primeiro-ministro português, que abandonou o cargo para ocupar o de presidente da Comissão Europeia, não pára de realizar delicados números de equilibrismo.

Após ter declarado há uns dias a um jornal francês que errou ao decidir apoiar a invasão americana do Iraque, baseado nas falsas informações fornecidas pelos seus amigos Bush, Blair e Aznar, eis que ontem perante a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e em resposta a uma questão directa sobre o apoio da UE às eleições palestinianas de Janeiro e a posterior decisão de cortar a ajuda financeira aos territórios palestinianos, reconheceu que as eleições palestinianas foram livres e justas, mas subscreveu a decisão de suspender o apoio financeiro àqueles territórios, como mecanismo de pressão sobre a nova Autoridade Palestiniana.

Com esta resposta, digna de qualquer manual de estratégia política «made in USA» elaborado por qualquer dos relevantes “pensadores” neoconservadores, e perfeitamente concordante com os mais avançados conceitos do “politicamente correcto”, Durão Barroso não terá apenas melhorado a sua cotação na pandilha dos «unconditional USA friends» mas terá igualmente assegurado um lugar no coração de qualquer governo israelita.

Que nós já estávamos habituados a este tipo de “habilidades” de alguém que após uma empenhada militância num agrupamento de extrema-esquerda como o MRPP acabou como presidente de um partido liberal, dito social democrata, é uma realidade, mas haveria necessidade de vermos actuar na Europa “artistas” deste calibre?

Será que já ninguém se lembra da polémica provocada pela inclusão de Rocco Butiglione (designado por Silvio Berlusconi, outra inefável figura da lisura e ética política e convicto apoiante da política americana) na equipa de comissários que apresentou ao Parlamento Europeu?

Que a personalidade em questão é capaz de proferir, com a maior desfaçatez, qualquer tipo de diatribe, nunca tive dúvidas, mas ainda admiti que à assumida mudança de nome (de Durão Barroso para José Manuel Barroso) estivesse associada uma mudança de comportamento e de postura ética. Puro engano, nada mudou para nosso mal e do conjunto da Europa que nos vemos representados na cena mundial por tão triste figura!

terça-feira, 11 de abril de 2006

VERGOGNA!!!!

Anos volvidos sobre o escândalo das eleições presidenciais americanas de 2001, que perante a incapacidade de apuramento de um vencedor foi deixado ao arbítrio de um tribunal a escolha do presidente (por acaso o tribunal era constituído por juízes escolhidos pelo pai do candidato nomeado), eis que numa democracia ocidental se volta a registar uma situação em que ninguém quer assumir a derrota. Estou, obviamente, a referir-me às eleições italianas que ontem deviam ter apurado a coligação que formaria o governo do próximo quinquénio, porém, 24 horas decorridas, a coligação derrotada recusa-se a assumir o resultado e o seu cabeça de lista e primeiro-ministro em exercício, Silvio Berlusconi, apresenta-se perante as câmaras da televisão dizendo que com o resultado anunciado a Itália é ingovernável.

Para entendermos melhor todo este imbróglio vejamos como decorreu o acto eleitoral e o período do apuramento dos resultados, sem esquecer a particularidade do parlamento italiano ser composto por duas câmaras: a de deputados e de senadores. Perante um processo eleitoral muito participado (a taxa de abstenção foi de 16,4%) e fortemente disputado, perfeito reflexo de uma sociedade dividida entre duas grandes coligações, a Casa das Liberdades do primeiro-ministro Silvio Berlusconi e a União de Esquerda do ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia Romano Prodi, a incerteza no resultado final arrastou-se noite dentro e só ficaria cabalmente resolvido ao final da manhã de hoje. Durante todo este tempo foram-se alternando os “vencedores” em função dos resultados das projecções, facto que conduziu à formulação de cenários alternativos. Assim quando ao princípio do dia era dada como segura a vitória da União de Esquerda na câmara de deputados e da Casa das Liberdades no senado (155 lugares contra 154), começou a formular-se a hipótese de realização de novo acto eleitoral face à situação de ingovernabilidade resultante de maiorias diferentes nas duas câmaras. Porém, a contagem dos votos dos emigrantes acabou por alterar este cenário dando à União de Esquerda também uma maioria no senado (158 lugares contra 156).

Estes resultados não espelham o facto da coligação vencedora ter registado apenas mais 0,1% dos votos expressos pelos cerca de 47 milhões de eleitores, fruto do peculiar sistema eleitoral italiano que após as alterações introduzidas há cerca de seis meses pelo governo de Berlusconi atribui uma maioria automática de deputados (340 em 630 possíveis) ao partido mais votado, mas sim uma profunda distinção entre duas poderosas coligações, que apresentaram ao eleitorado dois cabeças de lista completamente distintos: um Berlusconi truculento e senhorial contra um Prodi ponderado e credível e com objectivos igualmente diferentes. Enquanto Prodi procurou alcançar uma vitória que permitisse o lançamento de uma política europeísta e orientada para o crescimento da economia, Berlusconi estaria seguramente mais interessado numa vitória que o protegesse dos inquéritos judiciais de que tem sido alvo (viu-se envolvido em nove casos de fraude fiscal, contabilidade falsa e corrupção de magistrados, tendo sido absolvido em todos eles fruto de prescrições ou de uma polémica despenalização do crime de falsificação de contas que o próprio fez aprovar em 2002).

Assim, o discurso de Berlusconi que poderia ter feito sentido no período em que pairava a dúvida sobre a forte probabilidade da vitória da sua coligação na câmara alta, ganha foros de autentico escândalo e revela à saciedade a natureza e o carácter do homem que dirigiu a Itália nos últimos 5 anos, que nem mesmo o apelo à recontagem dos votos nulos (cerca de meio milhão) consegue escamotear.

O triste espectáculo da falta de humildade e de dignidade de Berlusconi relegou para segundo plano o resultado das eleições em Itália e a questão da manutenção ou alteração da política interna naquele país. O que deveria ter sido a notícia do dia, mesmo com o aproximar da eleição presidencial italiana, daqui a cerca de um mês, que adiará a entrada em funções do novo governo (e presume-se) de uma nova política, acabou esquecido perante a actuação da coligação derrotada, ficando ainda para apurar as consequências da manutenção em funções de um governo chefiado por um Silvio Berlusconi que persiste em não admitir a derrota, apegando-se a um poder que, tudo o indica, lhe foi recusado nas urnas.

segunda-feira, 10 de abril de 2006

A RUA AINDA TEM PODER

Foi anunciado esta manhã que o governo francês desistia do polémico artigo 8º da nova lei de igualdade de oportunidades, que consagrava a possibilidade de despedimento sem justificação durante os primeiros 24 meses de trabalho dos jovens até aos 26 anos.

Foi o próprio primeiro-ministro, Dominique de Villepin, que fez o anúncio formal da decisão tomada conjuntamente com o presidente da república, Jacques Chirac, a qual inclui a substituição do referido artigo por outro prevendo um mecanismo de inserção no mercado de trabalho adequado aos jovens.

Não tardaram as reacções, que naturalmente vão desde o clamor pelo “atentado ao estado de direito”, subscrito pelo ultra-direitista Jean Marie Le Pen, até à satisfação das organizações estudantis e sindicais que mesmo assim mantiveram o apelo à manutenção da mobilização, tanto mais que o teor da alteração apresentada ainda é desconhecido.

Mesmo ignorando-se o teor concreto da nova proposta, parece um dado adquirido que os opositores ao CPE lograram uma vitória e, mais importante que isso, mantiveram a tradição e a importância das acções populares em França. Independentemente das muitas reacções críticas à proposta de Villepin, foi sem sombra de dúvidas a capacidade de mobilização e resistência das organizações estudantis que asseguraram, após 10 semanas de encerramento das escolas e de constantes manifestações de rua, o recuo do governo. Sem esquecer o papel das associações sindicais, que numa segunda fase também contribuíram com greves e avolumaram as manifestações, não há dívida que esta foi mais uma vitória dos estudantes franceses.

Não se trata aqui de estabelecer qualquer paralelo com o célebre Maio de 1968, nem reavivar “velhas glórias” ou saudosismos serôdios, mas tão só vincar que apesar das muitas limitações que a pouco e pouco têm vindo a ser criadas para desincentivar as movimentações populares, estas ainda podem conseguir fazer ouvir a sua “voz” e impor a sua vontade à dos governos.

Resta agora aguardar para ver como se efectuará o realinhamento de posições no interior do governo de Villepin e do UMP (partido da coligação governamental liderado pelo ministro do interior, Nicolas Sarkozy), qual o teor concreto da nova proposta e das consequências para as sociedades francesa e europeia, sabendo-se que noutros países da UE os respectivos governos acompanhavam com indisfarçado interesse os desenvolvimentos em torno do polémico CPE, enquanto as estruturas estudantis parecem determinadas a manter o encerramento das escolas e as manifestações agendadas até completo esclarecimento das intenções governamentais.