
Número a não perder e a guardar (para mais tarde recordar) para não permitir que os mais novos alguma vez ignorem o que poderiam estar a viver.
É que contra argumentos como os que integram a canção:
e para mais ao ritmo que os “Xutos” lhe imprimem, a luta vai ser duríssima.
O futuro próximo dirá se uma simples canção poderá ou não alcançar aquilo que manifestamente os sucessivos líderes da oposição (Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite) nunca conseguiram e assim provar que já nos idos de 1975 José Mário Branco tinha inteira razão quando cantava que:
e que este SEM EIRA NEM BEIRA venha a enfileirar entre as muitas canções que marcaram épocas de luta, como, VAMPIROS, VEJAM BEM e TRAGAM MAIS CINCO, de Zeca Afonso, a TROVA DO VENTO QUE PASSA, letra de Manuel Alegre cantada por Adriano Correia de Oliveira e LIVRE, letra de Manuel de Oliveira cantada por Manuel Freire.
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[1] As declarações do músico foram recolhidas aqui.
[2] A entrevista pode ser lida aqui.
as quais deverão ter sido recebidas com enorme alegria lá pelas terras do Tio Sam, ou não se desse o caso de os EUA (e o vizinho Canadá) apresentarem melhores perspectivas que as dos restantes países ocidentais, mesmo quando todas as previsões foram revistas em baixa relativamente a Janeiro deste ano.
Aqueles números até poderão vir a revelar-se acertados, mas olhando para o historial e para o papel que o FMI tem desempenhado na disseminação da globalização e na fragilização de muitas das economias que aceitaram a aplicação (ou a isso forçadas) do Consenso de Washington, dificilmente se poderão aceitar estas previsões sem fundadas dúvidas, tanto mais que uma observação um pouco mais atenta dos mesmos revela o seguinte padrão:
que parece demasiado favorável aos interesses norte-americanos.
Concretamente para o caso português e para a UE (tal como as apresentou o JORNAL DE NEGÓCIOS), são as seguintes as previsões:
que confirmam que o início da retoma não deverá ocorrer antes de 2011 e que já começaram a ser usadas pela oposição e pelo Governo para trocarem críticas e outros jogos florais, pois quanto a propostas bem fundamentadas e orientadas para o cerne da questão, continuamos a esperar…
E se Portugal até nem aparece muito afastado dos valores médios previstos para a Zona Euro, importa não esquecer que a posição da economia portuguesa se situa na cauda daquele grupo, pelo que o aparente bom desempenho não significa qualquer convergência com os padrões médios do grupo e que tão alardeada vantagem do equilíbrio orçamental – argumento de que o governo de José Sócrates usa e abusa para contradizer as críticas – apenas serve para esconder o facto das dificuldades da economia nacional ultrapassarem a mera conjuntura recessiva mundial, pois remontam a questões de natureza estrutural, como sejam o atraso na modernização do tecido produtivo nacional e a ausência de um modelo coerente de desenvolvimento nacional.
Em termos práticos, o Presidente da República teceu algumas críticas, que muita gente entende válidas, enquanto o Primeiro-ministro lembrou que o “homem do leme” agora é ele… Por outras palavras, Cavaco Silva parece estar a ficar cada vez mais preocupado com o “desaparecimento” político dos seus correligionários (agora capitaneados por Manuela Ferreira Leite) e com os preocupantes sinais do fortalecimento do PCP e do BE. Que ninguém duvide que a principal preocupação em Belém é o fortalecimento de comunistas e bloquistas, muito mais que uma vitória do PS (por mais esmagadora que esta possa ser) e um ainda provável desaire do PSD.
Com o seu discurso Cavaco Silva terá lançado às urtigas a”cooperação institucional” (que no princípio deste ano substituiu a tão propalada “cooperação estratégica”) para dar início a uma nova fase nas relações entre Belém e São Bento, ou tudo isto não passa de mais uma farsa para iludir os mais incautos, na qual Cavaco quer surgir como o bastião da direita e Sócrates procura “convencer” alguma esquerda que é capaz de lhe fazer frente?
Cotejando as fontes disponíveis (os “sites” da Presidência da República e do Fórum Novas Fronteiras e algumas referências da imprensa[1]) não ficam dúvidas sobre o teor de uma e outra intervenção; a do Presidente da República – incluída no discurso proferido na Sessão de Abertura do 4º Congresso da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) – pautou-se por uma crítica às estratégias escolhidas para o combate à crise e pela referência à necessidade de uma gestão criteriosa e rigorosa dos fundos disponíveis, enquanto a do Primeiro-ministro foi integrada numa iniciativa partidária (a apresentação da lista do PS concorrente às eleições europeias e quedou-se por uma referência – “o que o país não precisa é da política do recado, do remoque, do pessimismo, do bota-abaixismo, da crítica fácil” – em oposição às qualidades do seu candidato.
Até a simples escolha das oportunidades para a intervenção me parece bem elucidativa dos fins das respectivas mensagens. Aos empresários cristãos o Presidente da República foi recordar que são precisos valores éticos nos negócios (que diabo, não deveriam ser estes os que menos necessitariam de tal remoque?) e que os verdadeiros empresários são os que não procuram a protecção do Estado (ao ouvir isto a sala deveria ter ficado vazia); já o Primeiro-ministro (na oportunidade na pele de líder partidário) respondeu à crítica de governar para os números e para as estatísticas, da forma que lhe cada vez mais habitual: apodando os críticos de derrotistas e bota-abaixistas…
Ideias, conceitos… não se ouviram de um lado ou do outro! Cavaco continua a falar do passado como se nunca tivesse ocupado o lugar de Primeiro-ministro e como se o seu consulado de dez anos (1985-1995) não tivesse correspondido ao período em que maiores volumes e fundos estruturais foram desperdiçados em obras de fachada ou obras públicas que mais tarde vieram a ser entregues à gestão privada (a tal de superior qualidade, rigor e objectividade); até quando se refere a questões de âmbito menos político – por exemplo, quando afirma que «…na génese da crise financeira e económica que o mundo enfrenta, muito pesaram a violação de normas éticas e a adopção de comportamentos de risco cujo impacto sobre o sistema financeiro e o bem-estar das populações não foi devidamente ponderado» – fá-lo de forma que até parece que nem ele nem nenhuma das duas famílias políticas que têm governado este país nos últimos trinta anos tiveram alguma vez qualquer coisa ver com isso.
Isto não é apenas inconsciência, é a justa imagem do valor e da índole dos políticos que nos têm governado…
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[1] A página na Internet da Presidência da República disponibiliza o discurso aqui, enquanto a página do Fórum Novas Fronteiras apresenta um resumo da réplica do Primeiro-ministro sob o título «PS escolhe os melhores candidatos para a Europa»; entre as notícias de imprensa que fizeram eco do sucedido saliento esta do PUBLICO: «Cavaco duro como nunca para Governo e empresários».
Porém, a questão é muito mais vasta que a aparentada pelos simples actos de pirataria e deve ser analisada numa dupla perspectiva: a da instabilidade e insegurança que se vive na Somália (e um pouco por todo o Corno de África) e a da extrema pobreza que grassa na região (seja ela, ou não, consequência do clima de guerra civil que se arrasta), para a qual os habitantes não vislumbram a mínima alternativa.
A Somália (e o conjunto do Corno de África) é apenas mais um exemplo do que pode resultar quando as populações são reduzidas a situações extremas de falta de recursos e de ausência de perspectivas de futuro.
Isso mesmo foi deixado bem claro por Roger Middleton[2], um membro “think-tank” Chatham House, que recentemente publicou o artigo «PIRACY SYMPTOM OF BIGGER PROBLEM» na BBC NEWS, quando diz que a «...crónica instabilidade da maior parte dos países (do Corno de África) e as ameaças diárias à vida humana levam a que os riscos associados à pirataria sejam avaliados como inferiores aos diariamente incorridos».
Bem podem as potências ocidentais alardear o seu vasto poderio naval e recorrer mesmo ao uso dessa força desproporcionada, que dificilmente resolverão o problema da segurança.
O uso da força poderá até originar a reacção inversa à desejada – a redução da disponibilidade para a prática dos assaltos – e, em caso algum contribuirá para a melhoria das condições de vida das populações, único factor que poderá com sucesso reduzir o número de disponíveis para os actos de pirataria.
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[1] Refiro-me em concreto ao “post” ” «PIRATAS A BORDO», texto no qual procurei abordar a questão numa perspectiva mais vasta que a da mera “pirataria”. Do mesmo modo, voltei alguns meses depois ao tema, no “post” «PIRATAS SOMALIS E NÃO SÓ...», abordando-o na perspectiva das relações norte-sul e na exploração que as nações mais desenvolvidas têm feito ao continente africano, nomeadamente através da prática da exportação das actividades mais poluentes para aquele continente.
[2] Roger Middleton além professor de História de Economia Política, na Universidade de Bristol, é especialista em questões políticas do Corno de África, nas relações África-UEE e em questões de paz e segurança e um dos consultores e investigadores que colaboram no Africa Programme do Chatham House.
Quando a norma, nacional e internacional, passou a ser o cinzentismo ideológico (para não falar num completo vazio de ideias) não é de estranhar que campeiem, até pelos principais areópagos da política, inefáveis figurões[1] como Durão Barroso ou Silvio Berlusconi, que a par dos retirados George W Bush e Tony Blair, apenas poderão ter encontrado justificação enquanto títeres manobrados por inconfessáveis interesses – tão inconfessáveis que nem das luzes da ribalta se deverão aproximar -, como esperar que a nível nacional pontifiquem melhores figuras que os Sócrates, os Cavacos, as Manuelas, os Santanas e os Portas?
Dificilmente se poderá esperar grandes feitos de figuras de reduzida competência política e duvidosa qualidade ética e políticas adequadas à condução dos povos no sentido da melhoria das respectivas condições de vida, tanto mais que as posições de destaque de que gozam (ou gozaram) são meramente circunstanciais e sobejamente peadas pelas eminências pardas que a elas os conduziram.
Como poderemos então esperar desta geração de líderes alguma capacidade para conduzirem o confronto aos conturbados tempos que correm? Pior, como salienta Mário Soares no artigo «CRISE, JUSTIÇA, DEMOCRACIA», a sua incapacidade política é cada vez mais evidente na recusa de uma estratégia – a abertura e o diálogo entre as estruturas políticas e sociais – que dinamize as forças necessárias para encontrar soluções para a crise económica.
O vazio de ideias revela-se na inconsistência e no mimetismo das estratégias gizadas para o combate à crise e no autismo com que recusam ouvir as vozes que em seu redor apresentam soluções alternativas e o medo atávico de perder as benesses do poder não pode ser o fio condutor de decisões, como os grandes investimentos públicos em obras de duvidosa ou nula necessidade, que irão acarretar pesados encargos futuros e de reduzido efeito estrutural na superação da crise.
O ciclo eleitoral que se aproxima poderia ser uma excelente oportunidade para que as populações fizessem ouvir a sua voz (e as suas razões) e que por acréscimo de convicção se afastassem os mais dramáticos cenários de descontentamento e de revolta que se generaliza na sociedade, mas a avaliar pelas candidaturas que já chegaram ao domínio público tudo isto não deverá passar de mera ficção.
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[1] A lista de meritórios candidatos a citação é vasta, tão vasta, que as personagens referidas não alcançam sequer a dimensão de ponta visível do iceberg.
Enquanto a informação sobre as agendas das duas reuniões e as respectivas conclusões ainda permanecer envolta em algum sigilo, todas as especulações são possíveis, mas quase certo é que ambas se tenham centrado longe do tema de fundo da cimeira. Junto de chineses e russos Obama deverá, sobretudo, ter-se preocupado com outras questões[1]; neste capítulo, a gravíssima crise económica que os EUA atravessam terá funcionado como óbvia mola impulsionadora da súbita preocupação de Washington com a necessidade de redução dos arsenais nucleares – não fora a evidente necessidade de reduzir o orçamento militar e de certo que ninguém no Pentágono apoiaria a ideia (mesmo assim, vamos lá ver…) – o que fez aumentar ainda mais a importância do apoio chinês na condução de uma política de contenção e de negociação com a Coreia do Norte[2] e do entendimento com Moscovo sobre questões como o programa nuclear iraniano e o futuro da NATO.
Se há matérias em que o interesse dos três grandes – EUA, China e Rússia – é tendencialmente conflituante é precisamente o do futuro papel da NATO.
Quando aquela aliança militar celebra o seu sexagésimo aniversário e não parecem existir mais razões para a sua manutenção, mesmo os sinais de vitalidade que poderão ser encontrados no recente regresso da França àquele organismo têm que ser analisados com as devidas cautelas, quanto mais os preocupantes relatórios que continuam a chegar de Kabul.
Pese embora toda a boa vontade e capacidade de diálogo de que a nova administração norte-americana possa fazer uso, a situação numa região que continua a representar um importante ponto estratégico mundial parece não parar de se agravar, tornando cada vez mais evidente o recrudescimento da influência e da acção dos “talibans”, mas também a fragilidade, inconsistência e incoerência da liderança do pró-ocidental Hamid Karzai.
A eficácia da ideia norte-americana de reforçar a presença militar da NATO naquele território, apoiada de forma mais ou menos rápida pelos seus aliados, ficará para ser comprovada no terreno; num terreno que, recorde-se já assistiu ao fracasso de duas grandes potências militares (a Inglaterra que suportou de forma mais ou menos contínua um estado de guerra desde meados do século XVIII até ao final da I Guerra Mundial e a União Soviética que, na sequência da substituição de Mohamad Taraki por Hafizullah Amin, invadiu e ocupou o território entre 1979 e 1988) e que agora se vê novamente assediado por uma potência estrangeira que se apresenta longe do seu auge.
Talvez este sentimento de fragilidade (os analistas políticos referir-se-lhe-ão como um manifesto sentido de pragmatismo) que grassa na elite norte-americana esteja na génese dos apelos ao diálogo e ao desarmamento que Barack Obama inclui no seu discurso em Praga e na postura muito “soft” que apresentou a seguir na Turquia, onde fez questão de salientar que os EUA não estão em guerra com o Islão e que vêem com muito bons olhos a possível adesão daquele país à UE.
Certo é que do lado europeu ambos os discursos terão sido recebidos com sentimentos mistos. Se às populações terá sido agradável ouvir falar em desarmamento e em reduções de arsenais nucleares, no que tal comporta de desanuviamento de tensões e de reduções de gastos, já a governos como o francês (e o inglês)[3] a ideia de desnuclearização é pouco atractiva na medida em que isso poderá acarretar maiores entraves à sua própria estratégia político-militar. Também no que respeita ao afirmado apoio americano à pretensão turca de integração na UEE, o mesmo apenas pode ser apreciado da Europa como uma óbvia ingerência e um dupla manobra de fomentar a divisão europeia e agradar aos países árabes mais moderados.
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[1] Isto não significa que questões mais específicas de natureza económica e financeira – como a premente necessidade de fundos oriundos da China e a dúvida que fontes norte-americanas não param de alimentar quanto à situação de pré-falência das economias das pequenas repúblicas fronteiras à Rússia e que resultaram da implosão da União Soviética – não possam ter sido abordadas nos contactos com Hu Jintao e Medvedev; porém e avaliar por reacções ao lançamento do míssil/satélite norte coreano, como a japonesa que apesar do anúncio da intenção de proceder ao abate do projéctil não terá feito qualquer tentativa nesse sentido, não podem ficar dúvidas que a “resposta” americana e ocidental foi concertada com chineses e russos.
[2] No dia 5 de Abril, quatro dias depois daqueles encontros, a Coreia do Norte procedeu ao que classificou de lançamento de um satélite, mas que na realidade não terá passado de um simples ensaio de um míssil balístico intercontinental do tipo Taepodong-2. Embora seja possível a confusão entre os dois tipos de engenhos (um lançador espacial e um míssil balístico), tudo não terá passado de uma mera manobra de diversão uma vez que, ao abrigo dos convénios em vigor, a comunidade internacional não se poderia opor ao lançamento de um satélite de comunicações. De qualquer das formas o verdadeiro objectivo do gesto de Pyongyang terá sido o de pressionar os EUA a subir a parada das contrapartidas, nomeadamente no capítulo económico, para o abandono do seu programa nuclear.
[3] Para documentar a posição francesa veja-se a notícia «Is Sarkozy’s relationship with Obama as friendly as it looks?», publicada na página do DIGITAL JOURNAL; a posição inglesa, que sugiro, não parte de nenhuma notícia concreta mas de mera suposição a partir da posição francesa e da óbvia necessidade da Grã-Bretanha necessitar de uma posição político-militar sempre que queira contrariar o chamado eixo Paris-Berlim.
Recomendar, como faz César das Neves, o uso dos instrumentos de inovação financeira – “subprime”, titularização, dispersão do risco, etc. – que reputa de «...mais eficazes na luta contra a miséria que o microcrédito, ele mesmo uma inovação financeira...» mas com as «...cautelas que desta vez se esqueceram», parece-me ultrapassar a mera convicção ideológica e revestir já a forma de um dogma, tanto mais útil quanto possa desviar as atenções de soluções verdadeiramente alternativas como sejam: o retorno do poder de criação de moeda à esfera pública e a aplicação de regulamentação rigorosa sobre os mercados financeiros (eliminando os “offshores” e limitando a montantes realistas os mercados de produtos derivados).
Como o Prof. César das Neves tanto gosta de repetir, “não há almoços grátis”, mas também não deveria acontecer que fossem sempre os escorraçados da mesa a ter que pagar...
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[1] Sobre o Consenso de Washington e outras questões abordadas neste “post”, ver outros anteriormente publicados: POLÍTICA FISCAL OU POLÍTICA DA AVESTRUZ – O PÂNICO DA NORMALIDADE – A CIMEIRA DE WASHINGTON.
[2] O outro é o Banco Mundial.
Conhecidas as conclusões da última reunião do G20 e a piedosa intenção manifestada pelos líderes das maiores economias mundiais de[1]:
de pronto fica no ar a questão de saber o que de concreto poderemos esperar daquela cimeira e se após ela terão, ou não acabado todos os problemas.
O essencial do debate deverá ter-se centrado, como o anteviu o humorista Chappatte,
na discussão entre a necessidade de mais Estado ou de muito mais Estado, com as conclusões a enunciarem mais um compromisso.
Se lembrarmos que de concreto e enquanto acção de intervenção imediata, apenas foi aprovado o reforço de capital ao FMI, para que este organismo veja aumentada a sua capacidade de intervenção, mas que foi em grande parte graças à actuação do FMI e do Banco Mundial, nomeadamente na aplicação dogmática dos conceitos do Consenso de Washington, que se reuniram as condições para o eclodir da crise, e que as restantes medidas não passam de boas intenções proteladas para depois da crise, poder-se-à continuara a anunciar o sucesso da cimeira?
Mesmo que se aceite como boa a afirmação atribuída a Barack Obama (e citada pelo EXPRESSO) de que a «cimeira foi ponto de viragem’» importa entender em que é que ela marca alguma ruptura com o passado. Além do “pacote financeiro” (que podemos perfeitamente classificar como mais do mesmo) que outras importantes novidades trouxe a reunião de Londres?
Com as respectivas economias afundadas numa crise profunda, os jornais ingleses e americanos preferiram dar relevo aos poucos resultados e ao papel conciliador que Barack Obama terá desempenhado no processo, algo perfeitamente natural dada a gravíssima situação da economia norte-americana mas de grande relevo face ao perfil jactante e sobranceiro do seu predecessor, ainda que, revelando um sentido mais pragmático da crise, os correspondentes do LE MONDE prefiram falar em «quatro orientações para tentar salvar a economia mundial», ainda que o editorial classifique a reunião como um «G20 fundador» e rejubile com o nascimento de «...um novo mundo [...] um mundo menos anglo-saxónico e menos liberal. Vinte anos depois d aqueda do Muro de Berlim, dez anos depois do fracasso da Conferência de Seattle para a liberalização do comércio, parece desenhar-se um novo equilíbrio, quer no plano político quer no plano económico, agora ligados como nunca».
Além do já referido reforço de capital para o FMI – um pacote de 1,1 biliões de dólares a gerir por aquele fundo até 2010 – os líderes das grandes economias devem ter recordado os conselhos atempadamente prodigalizados pelos grandes banqueiros (que o mesmo Chappatte não hesitou em apresentar numa manifestação à entrada da reunião) e, pudicamente, ficaram-se por umas referências a umas medidas para depois da crise.
Esta medida deverá ainda ser reforçada por um apoio ao comércio internacional, no montante de 250 mil milhões de dólares, e pela promoção de políticas anti-proteccionistas, mesmo quando no dia-a-dia continuam a surgir notícias que contrariam aquele princípio.
Referidas as medidas concretas e de aplicação imediata, apenas falta mencionar o conjunto de intenções que deverão alvo de novas reuniões e negociações, tais como o tal reforço da regulação do sistema financeiro, a limitação dos rendimentos dos executivos e a publicação de uma lista negra de “offshores”, face á quais não será de estranhar que aumente o descontentamento e a contestação pública.
Esta contestação será tanto mais heterogénea quanto ficaram por abordar (e ainda mais por resolver) questões tão importantes quanto o futuro da regulamentação e o respectivo modelo e supervisão, o papel futuro do dólar – continuará esta moeda a poder ser aceite como termo geral de troca internacional e de meio de reserva financeira, como até agora tem sido – e a necessidade de mudanças nos mecanismos de fixação das taxas de câmbio.
Por estranho que possa parecer, em meu entender os principais pontos positivos da reunião de Londres não tiveram qualquer relação com a crise económica nem com a forma como as grandes economias pensam combatê-la, mas sim nos encontros bilaterais que Obama manteve com líderes como o chinês Hu Jintao ou o russo Medvdev. Mas isso será para outra análise...
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[1] Tal como são enunciadas pelo ECONÓMICO.
É óbvio que muitos dos que escrevem sobre o assunto integram um de dois grupos de analistas: os que estão mais preocupados em apresentar justificações ou em escamotear realidades e os que entendem que a grande questão é encontrar a “chave” para a saída, e por isso, nem uns nem outros, nunca poderão responder àquela questão. É matéria que se lhes afigura irrelevante ou que entendem que os desviará da magna tarefa de salvarem a economia...
Porém, a resposta é, dentro da enorme complexidade do problema, de uma relativa simplicidade e de uma enorme utilidade para se entender a forma de combater o desastre.
O aparente paradoxo que constitui o súbito desaparecimento da enorme riqueza que se dizia existir é facilmente explicado pelo facto de parte muito significativa desse dinheiro (riqueza ou valor, como lhe queiram chamar) nunca ter existido.
Absurdo? Passe de mágica? Nada disso, o que sucede é que os milhões de biliões de dólares[1] que se dizia existirem e que eram regularmente noticiados nas capitalizações bolsistas alcançadas pelos activos financeiros nas principais praças mundiais, nos lucros dos bancos e das grandes empresas, apenas existiam numa versão contabilística, ou seja, eram puro resultado do ciclo de especulação desenfreada que foi despoletado pela conjugação de factores como as baixas taxas de juros e a expansão do crédito bancário, a desregulamentação dos mercados financeiros e uma insaciável necessidade de crescimentos que justificassem os elevados rendimentos dos gestores daquelas empresas.
Com uma parte significativa do crescimento económico sustentado em crédito bancário e sabendo que a “moeda” assim criada é automaticamente destruída quando se procede à liquidação da linha de crédito[2] que a originou, começará a ganhar forma a razão pela qual disse atrás que aquele dinheiro nunca existiu, sem que isso signifique que não tenha havido quem obtivesse ganhos a partir daquele valor praticamente inexistente.
Curiosamente, ou não, enquanto preparava este “post” o jornal britânico GUARDIAN publicou um interessante artigo da jornalista Aida Edemariam, intitulado «The incredible shrinking economy» no qual esta cita alguns especialistas e as suas apreciações sobre a situação da economia mundial mas deixa por responder a questão fundamental – porque é que as economias estão a “encolher”? – porque a maioria dos seus interlocutores, sendo parte integrante do meio financeiro, nunca coloca o dedo na ferida. Isso mesmo se constata quando a páginas tantas a jornalista questiona se não seria simplesmente melhor deitar aquele valor imaginário num qualquer caixote do lixo imaginário e um dos seus interlocutores, Thomas Kirchmaier professor convidado da prestigiada London School of Economics, lhe responde: «[s]omos uma sociedade de capital intensivo e isso torna-nos mais produtivos e mais ricos. Acabar com tal tipo de sociedade significaria regressarmos à Idade da Pedra. Assistimos a momentos na História em que houve Estados que tentaram renegociar as suas dívidas e recomeçar de novo. A Alemanha, após a I Guerra Mundial, foi um desses exemplos e actualmente o Zimbabwe, mas nenhum se pode considerar um caso de sucesso».
Embora a própria jornalista, em comentário à margem àquelas declarações, recorde que vivemos numa sociedade dependente do crédito, ninguém arrisca o passo final e aponta o dedo a um sistema que assegura o seu próprio enriquecimento à custa do empobrecimento geral.
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[1] Refiro o dólar por facilidade e por representar (ainda) a moeda mais usual na contabilização das trocas internacionais, mas o raciocínio aplica-se a toda e qualquer moeda.
[2] Importa aqui acrescentar que aquela destruição não incide apenas sobre o capital emprestado mas também sobre os juros pagos, pelo que o crédito não só aumenta do valor do credor (banco) mas constitui um importante mecanismo de empobrecimento do devedor e de regular redução da liquidez no mercado.
Sucede porém que os principais actores daquela encenação se encontram profundamente divididos, seja por via dos seus interesses pessoais seja pelo dogmatismo que inevitavelmente estará associado a matérias tão delicadas. Isto mesmo escreveu Timothy Garton Ash[1] num artigo (The G20 summit in London will be missing one great power. Europe) publicado no GUARDIAN onde disseca as razões pelas quais entende que a Europa já perdeu a grande oportunidade de ombrear com as EUA e China na definição do modelo pós-crise, e que resume na falta de concertação e de união entre os europeus (com especial e natural destaque para a Alemanha, França e Reino Unido) que parecem mais interessados em resolver os seus problemas internos que os problemas globais da crise.
Assim enquanto americanos e ingleses querem ver reconhecido, aumentado e generalizado o princípio do recurso aos planos de apoio às empresas, seja por via dos estímulos económicos, da redução fiscal ou do aumento da despesa pública, a França e a Alemanha (sustentados na relativa estabilidade do euro e no pragmatismo que aconselha prudência nos aumentos dos gastos) preferem soluções que passem pela revisão da regulamentação dos mercados financeiros[2] e os restantes parceiros, os chamados países emergentes com a China à cabeça, (preocupados com a tendência de decrescimento das suas exportações e de estagnação do crescimento das suas economias) querem ver estabilizados os mercados internacionais para que as trocas comerciais continuem a realizar-se.
De acordo com vários órgãos de informação[3] até já existirá um documento previamente acordado para ser ratificado no final da cimeira e que prevê um conjunto de duas dúzias de pontos dos quais se destacam:
e que se deixam entender uma atenção especial no capítulo da regulamentação e do controlo bancário, não passam de meras recomendações e não assumem qualquer efeito normativo.
Entre discursos carregados de ideias e grandes intenções em que os principais intervenientes se têm desdobrado nos últimos dias, os chamados grandes líderes mundiais vão reunir-se para mais uma sessão da qual pouco mais sairão que novos discursos, doutos princípios e sãs intenções, mas poucos ou nenhuns resultados práticos.
Além das já evidentes divisões, caso o debate se aprofunde efectivamente, outras rapidamente surgirão, pois ninguém duvide que as intenções dos políticos americanos e europeus estão longe, muito longe, das verdadeiras questões técnicas que poderão permitir a estabilização dos sistemas financeiro e económico mundiais. Embora por razões ligeiramente diferentes também os líderes dos BRIC estarão mais preocupados em assegurar condições mínimas para o crescimento das respectivas economias e com pouca ou nenhuma vontade (à semelhança dos seus congéneres ocidentais) de afrontar a alta finança mundial[4].
É que em última análise poucos (ou nenhuns) políticos quererão enfrentar os banqueiros que se alcandoraram ao estatuto de “donos do mundo” e dos quais dependem para o financiamento das respectivas economias, quando não das próprias campanhas eleitorais que os conduziram ao “poder”.
Quando se quiser construir qualquer coisa de estruturado e de semelhante (no impacto prático) ao que foi a Cimeira de Bretton Woods para as economias do pós-guerra, terá que se entregar o trabalho aos especialistas e limitar a intervenção dos políticos à cerimónia protocolar de assinatura dos convénios.
Pese embora a evidência de sinais[5] que deveriam pressionar os líderes mundiais a actuarem no sentido de uma clara mudança do paradigma económico-social vigente, receio bem que até lá ainda seja necessário assistirmos ao aprofundar da crise, com o cortejo de desemprego, miséria e inevitável agitação social, para que as elites que se têm perpetuado no poder se vejam compelidas a fazer algo mais que participar em “espectáculos” mais ou menos mediáticos como o que iremos assistir a partir de Londres.
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[1]Professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, director do centro de estudos europeus do St. Antony’s College é ainda autor de várias obras sobre a moderna história europeia, a mais conhecida das quais será «FREE WORLD» (com edição portuguesa da Aletheia Editores) e colunista regular em publicações como a New York Review of Books, o New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal e o Guardian
[2] Como deixou bem claro a ministra da economia e finanças francesa num artigo de opinião, ontem publicado pelo JORNAL DE NEGÓCIOS e muito oportunamente intitulado «Novas regras para o sistema financeiro».
[3] Um dos primeiros a fazer referência a tal acordo foi o LE MONDE, num artigo intitulado «Les pays du G20 vont mettre au pas le monde de la finance».
[4] Exemplo disto mesmo é esta notícia da BBC que dá conta de uma reunião de um grupo de banqueiros com o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, durante a qual terão alertado aquele governante para a necessidade de «não serem impostas medidas de curto prazo que perturbem a recuperação económica nem os objectivos de reformas a médio prazo»; por outras palavras, nada que os banqueiros considerem prejudicial sob pena destes desestabilizarem ainda mais a situação.
[5] Entre alguns alertas de personalidades e organizações nacionais e estrangeira, destaque-se um Relatório da ONU sobre a situação na Região Ásia-Pacífico (que pode ser lido aqui) que aponta para os riscos resultantes dos aumentos da energia e dos bens alimentares.