segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O PÂNICO DA NORMALIDADE

Depois de longas semanas alheado das questões económicas – o seu território por eleição ou não tivesse ele sido o dilecto conselheiro para os assuntos económicos durante a passagem de Cavaco Silva pela chefia do governo – eis que hoje João César das Neves voltou àquele tipo de temas nas suas crónicas semanais no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, com «A NORMALIDADE DO PÂNICO».

E em boa hora o fez, pois era indispensável já se ter ouvido o seu comentário sobre a actual conjuntura económica; não tanto pelo que poderia constituir de novidade (há muito são conhecidas as suas profundas e arreigas ligações às teses monetaristas de Milton Friedman e da Escola de Chicago) mas pela sua enorme capacidade para explicar o óbvio.

Tal como seria de esperar o ilustre professor não desiludiu. Sobre a crise financeira que grassa em Wall Street, César das Neves explica que «...uma dúvida forte constitui vírus fatal para qualquer sistema financeiro» e que esta «...é a razão das catástrofes que de tempos a tempos devastam a paisagem económica...», daqui a concluir-se que tudo não passará de uma tempestade num copo de água é um apenas um passo. Assim pensando, é natural que sobre a debilidade do tecido económico norte-americano, devastado por uma desastrosa política de deslocalizações, ou sobre a fragilidade de uma divisa enfraquecida por sucessivas intervenções militares (e pelo agravamento do deficit externo que aquelas acções militares implicam) e desacreditada por uma política externa irracional, não tenha escrito uma única palavra.

Sinceramente duvido que este silêncio resulte apenas das convicções monetaristas do autor, pois é do mais elementar senso comum que as “crises de confiança” não têm apenas origem nos movimentos bolsistas, mas antes reflectem, por mais absurdos que eles sejam, outros factores.

O discurso de César das Neves vem aliás, na linha de outros que continuam a afirmar que a Grande Depressão resultou do “crash” bolsista de 29 de Outubro de 1929 e não do estado geral da economia norte-americana que apresentava já evidentes sinais de estagnação e mesmo quando aparenta ter alguma razão na argumentação – as crises «...nascem sempre de erros, imprudências, tolices» – de pronto comete o erro de confundir a árvore com a floresta quando assevera que «...é inevitável que por vezes tais deslizes aconteçam», esquecendo, ou querendo que os seus leitores esqueçam, que grande parte da dimensão da actual crise financeira resulta do uso e abuso de elaborados produtos financeiros que mais não procuram que aumentar a “parada do jogo” em que se transformaram os mercados de capitais a nível mundial.

Não será pois de espantar que, contrariamente ao que pretende o autor, a apreciação popular seja particularmente severa com o sector financeiro; é que a tantas vezes vituperada sabedoria popular sabe o que os grandes banqueiros parecem ter há muito esquecido: as árvores não crescem até ao céu!

Assim, mesmo que tenha razão quando diz que esta crise não difere muito de tantas outras, ninguém deverá estar muito receptivo ao ponto de vista optimista de que «...a situação até é benigna, comparada, por exemplo, com os desastres no Leste da Europa há 20 anos», porque, como César das Neves bem sabe a origem das duas crises é totalmente distinta. A crise que viveram os territórios da antiga União Soviética, como tão bem o demonstrou Joseph Stiglitz[1], foi fruto das inadequadas políticas financeiras e de privatização indiscriminada e apressada do tecido económico, determinadas pelo FMI (na linha da escola de pensamento que César das Neves segue) e pelos financeiros de Wall Street e não, como agora sucede, em consequência da degradação da economia norte-americana e do culminar de um período de desenfreada especulação.

Por isso é que, por melhor intencionadas que sejam as intenções de César das Neves, se torna cada vez mais difícil esperar que os cidadãos contribuintes aceitem de bom grado que é do seu interesse «...evitar que dúvidas sobre bancos particulares passem para a moeda que todos usamos» o que implica «...traçar uma linha controversa entre as instituições que podem falir e as que, por criarem contágio global, são consideradas grandes demais para morrer», como pretende. È que mesmo salvaguardando o princípio de que «...os gestores e accionistas envolvidos devem perder» não avança qualquer argumento para explicar a defesa da manutenção do funcionamento do mercado nos moldes actuais, salvo um implícito pânico da normalidade que seria uma salutar redução do peso da esfera financeira, face à dimensão das reais necessidades de financiamento do crescimento económico.

Mas isso, seria pedir o Céu na Terra que é algo de abominável para os mais crentes.
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[1] A confirmação desta afirmação pode ser encontra no livro de Joseph Stiglitz «GLOBALIZAÇÃO – A GRANDE DESILUSÃO» onde o ex-conselheiro económico de Bill Clinton, ex-vice-presidente do Banco Mundial e Prémio Nobel de Economia em 2001 e professor de economia na Universidade de Columbia, analisa os efeitos das políticas do Consenso de Washington (conjunto de medidas acordadas entre o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que passou a constituir a solução-tipo usada pelo FMI para promover a estabilidade macroeconómica dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades e que, entre outras, impunham regras de disciplina fiscal, de redução dos gastos públicos, de reforma tributária, de controlo das taxas de juro e de câmbios, de abertura dos mercados e ao investimento estrangeiro, a privatização das empresas públicas e a desregulamentação dos mercados de capitais).

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