Quando toda a gente parece concordar que terá sido encontrada a solução para a saída da crise, o próprio autor salienta que «[p]ara lá de debates de pormenor, a grande maioria dos economistas tem estado de acordo quanto à estratégia a seguir», fácil se torna entender porque é que aquela reunião de alto nível foi tão parca de polémicas e ainda mais de anúncios sobre as profundas alterações no modelo de funcionamento dos mercados e do sector financeiro, que alguns especialistas indicam como indispensáveis.
Será que tudo se deve, como pretende César das Neves, à síntese há muito realizada entre keynesianos e monetaristas (que conveniente para um convicto monetarista não se ver confrontado com a necessidade de explicar como uma saudável teoria nos conduziu a esta situação comatosa) ou, pelo contrário, estes estão apenas a tentar bloquear a evidência que é o fracasso das duas teorias?
É que apesar das grandes diferenças entre as duas escolas defensoras do primado do mercado – os keynesianos reconhecem a necessidade da intervenção e regulação do Estado enquanto os monetaristas vêem em qualquer intervenção deste o primeiro de todos os males – ambas se revelam profundamente comprometidas na manutenção do “status quo” económico-financeiro e totalmente avessas às mudanças que poderiam contribuir efectivamente para a minoração dos efeitos da actual crise.
A tão aplaudida decisão do G20 de reforçar a capacidade financeira do FMI – ou seja, de um dos principais organismos responsáveis pela difusão do chamado Consenso de Washington[1] e pelo modelo de globalização financeira[2] – para que este apoie as economias em maiores dificuldades e os respectivo sectores financeiros não é mais que a generalização à escala global das políticas que as administrações Bush e Obama têm vindo a aplicar e que em pouca palavras se resume a injectar fundos públicos nas empresas financeiras na expectativa que estas ultrapassem a crise de confiança que geraram e que os mecanismos de financiamento bancário normalizem e as economias voltem a crescer baseadas num modelo de permanente endividamento bancário. Uma simples análise dos acontecimentos nas últimas décadas deveria desaconselhar a repetição do erro e originar o lançamento de uma nova política orientada para a utilização do crédito enquanto bem público e para a redução do monopólio da criação de moeda que o sector financeiro detém em exclusivo.
O problema não está na pretensão de que o desenvolvimento económico capitalista se faça sem avanços e recuos (alternância entre períodos de crescimento e outros de crise), mas sim na pretensão que o progresso da Humanidade seja um processo em que a generalidade obtenha benefícios e não, como se verifica actualmente, em que uma minoria de privilegiados se apropria de uma riqueza que a todos pertence. Por isso mesmo a escolha do economista do momento não se poderá resumir às correntes de pensamento (keynesianos e monetaristas), mais ou menos dominantes no hemisfério ocidental, por mais que estas persistam em reivindicar a sua eficácia na luta contra a pobreza, nem reduzir o contributo de Karl Marx para a ciência económica ao atributo de génio, como o fez César das Neves; a própria ideia de uma escolha é por si só redutora – como se o progresso da Humanidade alguma vez tivesse resultado de um golpe de génio – quando a gravidade da situação urge a necessidade de novas abordagens e quiçá de paradigmas bem diversos.
Recomendar, como faz César das Neves, o uso dos instrumentos de inovação financeira – “subprime”, titularização, dispersão do risco, etc. – que reputa de «...mais eficazes na luta contra a miséria que o microcrédito, ele mesmo uma inovação financeira...» mas com as «...cautelas que desta vez se esqueceram», parece-me ultrapassar a mera convicção ideológica e revestir já a forma de um dogma, tanto mais útil quanto possa desviar as atenções de soluções verdadeiramente alternativas como sejam: o retorno do poder de criação de moeda à esfera pública e a aplicação de regulamentação rigorosa sobre os mercados financeiros (eliminando os “offshores” e limitando a montantes realistas os mercados de produtos derivados).
Como o Prof. César das Neves tanto gosta de repetir, “não há almoços grátis”, mas também não deveria acontecer que fossem sempre os escorraçados da mesa a ter que pagar...
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[1] Sobre o Consenso de Washington e outras questões abordadas neste “post”, ver outros anteriormente publicados: POLÍTICA FISCAL OU POLÍTICA DA AVESTRUZ – O PÂNICO DA NORMALIDADE – A CIMEIRA DE WASHINGTON.
[2] O outro é o Banco Mundial.
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