Mesmo que para a generalidade dos líderes mundiais presentes a reunião se tenha saldado por um grande sucesso e que jornais e televisões não tenham desperdiçado a oportunidade para louvar os líderes dos respectivos países, para a opinião pública mundial o que realmente pode ter ocorrido de positivo ter-se-á limitado aos encontros bilaterais entre Barack Obama e os líderes chinês, Hu Jintao, e russo, Dmitri Medvedev e mesmo isso limitado a questões de natureza geo-estratégica.
Enquanto a informação sobre as agendas das duas reuniões e as respectivas conclusões ainda permanecer envolta em algum sigilo, todas as especulações são possíveis, mas quase certo é que ambas se tenham centrado longe do tema de fundo da cimeira. Junto de chineses e russos Obama deverá, sobretudo, ter-se preocupado com outras questões[1]; neste capítulo, a gravíssima crise económica que os EUA atravessam terá funcionado como óbvia mola impulsionadora da súbita preocupação de Washington com a necessidade de redução dos arsenais nucleares – não fora a evidente necessidade de reduzir o orçamento militar e de certo que ninguém no Pentágono apoiaria a ideia (mesmo assim, vamos lá ver…) – o que fez aumentar ainda mais a importância do apoio chinês na condução de uma política de contenção e de negociação com a Coreia do Norte[2] e do entendimento com Moscovo sobre questões como o programa nuclear iraniano e o futuro da NATO.
Se há matérias em que o interesse dos três grandes – EUA, China e Rússia – é tendencialmente conflituante é precisamente o do futuro papel da NATO.
Quando aquela aliança militar celebra o seu sexagésimo aniversário e não parecem existir mais razões para a sua manutenção, mesmo os sinais de vitalidade que poderão ser encontrados no recente regresso da França àquele organismo têm que ser analisados com as devidas cautelas, quanto mais os preocupantes relatórios que continuam a chegar de Kabul.
Pese embora toda a boa vontade e capacidade de diálogo de que a nova administração norte-americana possa fazer uso, a situação numa região que continua a representar um importante ponto estratégico mundial parece não parar de se agravar, tornando cada vez mais evidente o recrudescimento da influência e da acção dos “talibans”, mas também a fragilidade, inconsistência e incoerência da liderança do pró-ocidental Hamid Karzai.
A eficácia da ideia norte-americana de reforçar a presença militar da NATO naquele território, apoiada de forma mais ou menos rápida pelos seus aliados, ficará para ser comprovada no terreno; num terreno que, recorde-se já assistiu ao fracasso de duas grandes potências militares (a Inglaterra que suportou de forma mais ou menos contínua um estado de guerra desde meados do século XVIII até ao final da I Guerra Mundial e a União Soviética que, na sequência da substituição de Mohamad Taraki por Hafizullah Amin, invadiu e ocupou o território entre 1979 e 1988) e que agora se vê novamente assediado por uma potência estrangeira que se apresenta longe do seu auge.
Talvez este sentimento de fragilidade (os analistas políticos referir-se-lhe-ão como um manifesto sentido de pragmatismo) que grassa na elite norte-americana esteja na génese dos apelos ao diálogo e ao desarmamento que Barack Obama inclui no seu discurso em Praga e na postura muito “soft” que apresentou a seguir na Turquia, onde fez questão de salientar que os EUA não estão em guerra com o Islão e que vêem com muito bons olhos a possível adesão daquele país à UE.
Certo é que do lado europeu ambos os discursos terão sido recebidos com sentimentos mistos. Se às populações terá sido agradável ouvir falar em desarmamento e em reduções de arsenais nucleares, no que tal comporta de desanuviamento de tensões e de reduções de gastos, já a governos como o francês (e o inglês)[3] a ideia de desnuclearização é pouco atractiva na medida em que isso poderá acarretar maiores entraves à sua própria estratégia político-militar. Também no que respeita ao afirmado apoio americano à pretensão turca de integração na UEE, o mesmo apenas pode ser apreciado da Europa como uma óbvia ingerência e um dupla manobra de fomentar a divisão europeia e agradar aos países árabes mais moderados.
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[1] Isto não significa que questões mais específicas de natureza económica e financeira – como a premente necessidade de fundos oriundos da China e a dúvida que fontes norte-americanas não param de alimentar quanto à situação de pré-falência das economias das pequenas repúblicas fronteiras à Rússia e que resultaram da implosão da União Soviética – não possam ter sido abordadas nos contactos com Hu Jintao e Medvedev; porém e avaliar por reacções ao lançamento do míssil/satélite norte coreano, como a japonesa que apesar do anúncio da intenção de proceder ao abate do projéctil não terá feito qualquer tentativa nesse sentido, não podem ficar dúvidas que a “resposta” americana e ocidental foi concertada com chineses e russos.
[2] No dia 5 de Abril, quatro dias depois daqueles encontros, a Coreia do Norte procedeu ao que classificou de lançamento de um satélite, mas que na realidade não terá passado de um simples ensaio de um míssil balístico intercontinental do tipo Taepodong-2. Embora seja possível a confusão entre os dois tipos de engenhos (um lançador espacial e um míssil balístico), tudo não terá passado de uma mera manobra de diversão uma vez que, ao abrigo dos convénios em vigor, a comunidade internacional não se poderia opor ao lançamento de um satélite de comunicações. De qualquer das formas o verdadeiro objectivo do gesto de Pyongyang terá sido o de pressionar os EUA a subir a parada das contrapartidas, nomeadamente no capítulo económico, para o abandono do seu programa nuclear.
[3] Para documentar a posição francesa veja-se a notícia «Is Sarkozy’s relationship with Obama as friendly as it looks?», publicada na página do DIGITAL JOURNAL; a posição inglesa, que sugiro, não parte de nenhuma notícia concreta mas de mera suposição a partir da posição francesa e da óbvia necessidade da Grã-Bretanha necessitar de uma posição político-militar sempre que queira contrariar o chamado eixo Paris-Berlim.
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