quarta-feira, 1 de abril de 2009

QUE ESPERAR DA CIMEIRA DO G20

Será expectável que a cimeira que hoje iniciada venha a merecer um lugar de destaque no Grande Livro da História?

Entre os que isso deseja encontra-se certamente Gordon Brown (o primeiro-ministro britânico e o homem que mais terá investido numa iniciativa cujo sucesso poderá representar importantes apoios internos e alimentar esperanças numa próxima vitória eleitoral) e talvez Barack Obama, o presidente da economia geradora desta crise e a que até agora mais tem sido afectada por ela.

Sucede porém que os principais actores daquela encenação se encontram profundamente divididos, seja por via dos seus interesses pessoais seja pelo dogmatismo que inevitavelmente estará associado a matérias tão delicadas. Isto mesmo escreveu Timothy Garton Ash[1] num artigo (The G20 summit in London will be missing one great power. Europe) publicado no GUARDIAN onde disseca as razões pelas quais entende que a Europa já perdeu a grande oportunidade de ombrear com as EUA e China na definição do modelo pós-crise, e que resume na falta de concertação e de união entre os europeus (com especial e natural destaque para a Alemanha, França e Reino Unido) que parecem mais interessados em resolver os seus problemas internos que os problemas globais da crise.

Assim enquanto americanos e ingleses querem ver reconhecido, aumentado e generalizado o princípio do recurso aos planos de apoio às empresas, seja por via dos estímulos económicos, da redução fiscal ou do aumento da despesa pública, a França e a Alemanha (sustentados na relativa estabilidade do euro e no pragmatismo que aconselha prudência nos aumentos dos gastos) preferem soluções que passem pela revisão da regulamentação dos mercados financeiros[2] e os restantes parceiros, os chamados países emergentes com a China à cabeça, (preocupados com a tendência de decrescimento das suas exportações e de estagnação do crescimento das suas economias) querem ver estabilizados os mercados internacionais para que as trocas comerciais continuem a realizar-se.

De acordo com vários órgãos de informação[3] até já existirá um documento previamente acordado para ser ratificado no final da cimeira e que prevê um conjunto de duas dúzias de pontos dos quais se destacam:

  1. intenção de montar um sistema de detecção das bolhas especulativas ;
  2. criação de ferramentas que possibilitam o esvaziamento das bolhas antes que se tornem demasiado grandes;
  3. aumentar o capital dos bancos, logo que termine a crise, para reduzir os riscos de falência e de intervenção pública;
  4. o desejo de que o sector bancário melhore os mecanismos de gestão do risco e assuma a necessidade de alterar as práticas remuneratórias por forma a que os gestores abandonem as estratégias de maior risco;

e que se deixam entender uma atenção especial no capítulo da regulamentação e do controlo bancário, não passam de meras recomendações e não assumem qualquer efeito normativo.

Entre discursos carregados de ideias e grandes intenções em que os principais intervenientes se têm desdobrado nos últimos dias, os chamados grandes líderes mundiais vão reunir-se para mais uma sessão da qual pouco mais sairão que novos discursos, doutos princípios e sãs intenções, mas poucos ou nenhuns resultados práticos.

Além das já evidentes divisões, caso o debate se aprofunde efectivamente, outras rapidamente surgirão, pois ninguém duvide que as intenções dos políticos americanos e europeus estão longe, muito longe, das verdadeiras questões técnicas que poderão permitir a estabilização dos sistemas financeiro e económico mundiais. Embora por razões ligeiramente diferentes também os líderes dos BRIC estarão mais preocupados em assegurar condições mínimas para o crescimento das respectivas economias e com pouca ou nenhuma vontade (à semelhança dos seus congéneres ocidentais) de afrontar a alta finança mundial[4].

É que em última análise poucos (ou nenhuns) políticos quererão enfrentar os banqueiros que se alcandoraram ao estatuto de “donos do mundo” e dos quais dependem para o financiamento das respectivas economias, quando não das próprias campanhas eleitorais que os conduziram ao “poder”.

Quando se quiser construir qualquer coisa de estruturado e de semelhante (no impacto prático) ao que foi a Cimeira de Bretton Woods para as economias do pós-guerra, terá que se entregar o trabalho aos especialistas e limitar a intervenção dos políticos à cerimónia protocolar de assinatura dos convénios.

Pese embora a evidência de sinais[5] que deveriam pressionar os líderes mundiais a actuarem no sentido de uma clara mudança do paradigma económico-social vigente, receio bem que até lá ainda seja necessário assistirmos ao aprofundar da crise, com o cortejo de desemprego, miséria e inevitável agitação social, para que as elites que se têm perpetuado no poder se vejam compelidas a fazer algo mais que participar em “espectáculos” mais ou menos mediáticos como o que iremos assistir a partir de Londres.
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[1]Professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, director do centro de estudos europeus do St. Antony’s College é ainda autor de várias obras sobre a moderna história europeia, a mais conhecida das quais será «FREE WORLD» (com edição portuguesa da Aletheia Editores) e colunista regular em publicações como a New York Review of Books, o New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal e o Guardian
[2] Como deixou bem claro a ministra da economia e finanças francesa num artigo de opinião, ontem publicado pelo JORNAL DE NEGÓCIOS e muito oportunamente intitulado «Novas regras para o sistema financeiro».
[3] Um dos primeiros a fazer referência a tal acordo foi o LE MONDE, num artigo intitulado «Les pays du G20 vont mettre au pas le monde de la finance».
[4] Exemplo disto mesmo é esta notícia da BBC que dá conta de uma reunião de um grupo de banqueiros com o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, durante a qual terão alertado aquele governante para a necessidade de «não serem impostas medidas de curto prazo que perturbem a recuperação económica nem os objectivos de reformas a médio prazo»; por outras palavras, nada que os banqueiros considerem prejudicial sob pena destes desestabilizarem ainda mais a situação.
[5] Entre alguns alertas de personalidades e organizações nacionais e estrangeira, destaque-se um Relatório da ONU sobre a situação na Região Ásia-Pacífico (que pode ser lido aqui) que aponta para os riscos resultantes dos aumentos da energia e dos bens alimentares.

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