quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

OLHO POR OLHO

Enquanto prossegue a ofensiva israelita sobre a Faixa de Gaza e embora os meios de comunicação ocidental sejam impedidos de verificar “in loco” a situação, nem por isso a generalidade deixa de publicar todo o tipo de declarações e argumentações defendendo o princípio do direito de defesa de Israel.

Entre as que reivindicam a aplicação do princípio bíblico do «olho por olho», mesmo quando este é absurdamente desproporcionado...

destaquem-se as declarações do novo embaixador judaico em Lisboa, Ehud Gol, que declarou ao PUBLICO que «crítica a Israel sobre uso desproporcionado da força é "argumento estúpido e cínico"», comentário em que até poderia ter razão se o que estivesse em causa fosse o confronto entre dois exércitos regulares de dois estados independentes e não o confronto entre um dos mais sofisticados e bem equipados exércitos mundiais e um grupo de guerrilheiros que pouco mais dispõe que de armamento ligeiro.

Aliás o entendimento do embaixador é ainda mais claro numa notícia da LUSA a quem declarou: “Vivemos numa vizinhança dura, numa região dura, com inimigos, com países e organizações terroristas que nos querem destruir e enquanto eles tiverem esse objectivo de destruir o Estado judeu, de não nos deixarem viver uma vida normal, nós temos de continuar a defender-nos”. Se dúvidas houvessem sobre a opinião do diplomata – Israel continua a ser um estado perseguido e que penas reconhece inimigos entre os vizinhos – as declarações com que abriu o seu trabalho em Portugal são suficientemente elucidativas da perspectiva do governo que representa e da mentalidade de parte muito significativa da população judaica.

Se não bastarem os exemplos da história recente da Palestina, onde têm abundado os massacres e as perseguições às populações árabes, pode-se ainda referir o tratamento que actualmente continua a ser reservado aos palestinianos que ao longo dos últimos sessenta anos têm procurado resistir à ocupação das suas terras e casas. Representando cerca de um milhão e meio de pessoas, vivem sem direitos políticos[1] nem identidade nacional nos territórios que Israel viu atribuídos por decisão da ONU e nos que ocupou militarmente na sequência das guerras que se foram registando.

Abrangidos por uma «lei dos bens dos ausentes»[2] que lhes retira todo o tipo de direitos (incluindo os de propriedade dos seus próprios bens) foram ainda recentemente objecto de mais uma clara manifestação de racismo nas declarações de Tzipi Livni, a actual ministra dos negócios estrangeiros e grande candidata à sucessão de Ehud Olmert na chefia do próximo governo israelita, que numa reunião com alunos do liceu disse que «a minha solução para preservar o carácter judaico e democrático de Israel consiste em criar duas entidades nacionais distintas...» e acrescentou que criado o estado palestiniano «...poderemos dizer aos cidadãos palestinianos de Israel, aqueles que designamos árabes de Israel, que a solução para as suas aspirações nacionais se encontra noutro lugar».

Que um dos possíveis líderes do próximo governo de Israel defenda de forma tão clara a deportação de cerca de 20% da população do território que poderá vir a governar diz bem do carácter profundamente racista e do ódio que se vive num estado que se diz democrático.

Esta característica, que actuais e antigos governantes de Israel atribuem aos palestinianos, é seguramente reflexo do sentimento de boa parte da população e os constantes apelos dos seus dirigentes à solidariedade internacional no combate que dizem travar contra o terrorismo e o extremismo islâmico não pode escamotear a dura realidade do extremismo judaico. Não só daquele que, nos anos 40 do século passado, fomentou movimentos terroristas como o Irgun[3], que perpetraram um sem número de atentados à bomba contra os palestinianos e as forças britânicas sediadas na Palestina, mas também do extremismo que ainda hoje existe e continua a difundir uma doutrina de ódio e de extermínio contra os palestinianos.

O bíblico princípio do «olho por olho», criticável e condenável desde tempos imemoriais por nada mais lograr que perpetuar as razões para um ódio absurdo e tantas vezes descontextualizado, não pode continuar a servir de “leit motiv” para quem pretende dirigir aquele que se intitula como o único estado democrático do Médio Oriente.

A opinião pública mundial não pode continuar a deixar-se manipular pela propaganda judaica – a que usa e abusa da calamidade que foi o holocausto judaico durante a II Guerra Mundial para agora justificar, escamotear e condenar as vozes que contra si se erguem e tudo rotular de anti-semitismo – e tomar como verdadeiro o axioma de que os judeus são vítimas inocentes dos árabes radicais.

Além de veracidade muito duvidosa, aquela afirmação ainda costuma ser acompanhada de uma orquestrada campanha de intimidação que, sem pejo ou rebuço, apelida todo e qualquer arremedo de crítica de anti-semitismo.

Mesmo correndo esse risco, sempre recordo aqui que a retórica tão cara aos dirigentes israelitas que consiste em apelidar de radicalismo islâmico, ou de anti-semitismo, tudo o que possa pôr minimamente em questão a sua visão unilateral do Médio Oriente, é especialmente branda ou mesmo omissa quando se trata de analisar a sua realidade religiosa interna, onde abundam os grupos ultra-ortodoxos (ou “haredi”) e ortodoxos, que ao longo do tempo se têm revelado tanto ou mais fanáticos que os seus homólogos islâmicos, para o que basta recordar o assassinato de Yitzhak Rabin pelo extremista “haredi” Yigal Amir, em 1995, mais recentemente os confrontos entre os colonos ortodoxos e a polícia encarregue de os desalojar da Faixa de Gaza e os regulares confrontos que provocam com as populações palestinianas vizinhas dos colonatos que persistem em manter na Cisjordânia.

Por último, e fazendo fé nesta notícia do jornal LE TEMPS, refira-se que os próprios dirigentes israelitas não parecem de consciência muito tranquila quanto à natureza e à justificação das suas próprias acções[4], ou pelo menos revelam muito pouca confiança na justiça e/ou na protecção divina, no que respeita a muita prováveis acusações de novos crimes de guerra.
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[1] Hoje mesmo o correspondente em Tel-Aviv do jornal suíço LE TEMPS referia a decisão da comissão eleitoral de Israel de proibir a participação dos partidos políticos árabes nas eleições gerais que terão lugar no próximo dia 10 de Fevereiro, alegando que estes são responsáveis de incitação e apoio ao terrorismo.
[2] A «lei dos bens dos ausentes» (também conhecida como a lei dos bens ausentes) data de 1950 e decreta ausentes as pessoas que mesmo possuindo bens, se tenha encontrado num dado momento entre 29 de Novembro de 1947 e 1 de Setembro de 1948 seja no território da Palestina fora do controlo do estado de Israel (quer dizer, na Cisjordânia ou na faixa de Gaza), seja no território de outro estado árabe; esta lei determina que os bens de um “ausente” serão transferidos para a Apotropos (entidade que gere os bens abandonados pelos palestinianos) sem direito a apelo ou indemnização. Assim, mesmo que o “ausente” se encontre agora presente em Israel perde todos os direitos sobre os seus bens. Esta lei foi mais tarde complementada por outra que restringe a sua aplicação aos palestinianos, permitindo que os habitantes judeus de Jerusalém-Este (parte da cidade só ocupada por Israel em 1967) não sejam apanhados nesta armadilha legal.
[3] Organização criada em 1931 em resultado de uma cisão no Haganah (organização paramilitar cujo nome significa “Defesa” e tinha por objectivo proteger os colonatos judaicos de acções bélicas árabes), fomentou a imigração clandestina de judeus na Palestina, realizou operações de represália e atentados contra civis árabes e lutou contra a presença britânica na região, tendo sido classificada pelas autoridades britânicas como uma organização terrorista; o seu último líder foi Menahem Begin, que mais tarde seria o primeiro-ministro israelita responsável pela assinatura do Acordo de Paz de Camp David (com o egípcio Anwar Al Sadat) e galardoado com o Prémio Nobel da Paz.
O Irgun, cujos membros seriam integrados no IDF (Forças de Defesa de Israel) após a proclamação da independência em 1948, foi responsável pela realização de vários atentados em cafés, mercados, autocarros, hoteis e até em embaixadas no estrangeiro (Itália) e alguns dos seus membros mais destacados (entre os quais se contavam o já citado Begin e os pais da actual ministra dos negócios estrangeiros Tzipi Livni) viriam a ser os fundadores do partido Herut (Liberdade) que mais tarde originaria o actual Likud (Consolidação), partido responsável por vários governos israelitas desde 1977.
[4] No essencial a notícia refere a preocupação dos dirigentes de Tel-Aviv sobre a possibilidade dos seus altos quadros militares virem a ser alvo, no estrangeiro, de processos relativos a crimes de guerra.

1 comentário:

Anónimo disse...

Já foste a Israel?