sábado, 3 de janeiro de 2009

A PALESTINA E A POLÍTICA DA AVESTRUZ

O ano que agora se iniciou vai continuar a ser marcado pela crise económica global que a elite financeira mundial conseguiu ampliar a um ponto cuja verdadeira amplitude ainda desconhecemos, mas tal como aconteceu no início do ano passado, no “post” «ANO NOVO, PROBLEMAS VELHOS», também este ano o primeiro tema que vou abordar será o da situação de povos sem Estado, como é o caso dos palestinianos.

Quando decorre uma acção militar contra parte do território palestiniano – a Faixa de Gaza que desde meados de 2007 se encontra sob controlo do Hamas – e se assiste ao habitual coro de protestos das populações árabes, enquanto os líderes mundiais se desdobram em apelos em consonância com o seu maior ou menor grau de aproximação às teses e às políticas israelitas os seus congéneres árabes revelam-se tanto ou mais divididos que aqueles ou os próprios palestinianos, embora a sua maioria continue a privilegiar a política da avestruz.

Desde os primórdios da questão palestiniana que os Estados árabes vizinhos oscilaram nas políticas a adoptar, quer relativamente aos milhares de refugiados originados pela expansão militar judaica, quer relativamente ao relacionamento com o belicismo israelita fortemente apoiado pelos EUA.

Os vizinhos Egipto, Jordânia e Líbano que numa primeira fase acolheram a maioria daqueles refugiados não tardaram a defrontar-se com uma variedade de problemas – desde os mais básicos e prosaicos ligados com a instalação dos recém-chegados, até aos mais delicados e fomentados do exterior – que chegaram a incluir acções militares, de dimensão interna como aconteceu na Jordânia[1] ou verdadeiras agressões externas como foi o caso do Líbano[2] – que por si só não podem servir para explicar a ambivalência das suas posições.

A política egípcia do governo de Hosni Mubarak é neste momento um dos excelentes espelhos da absoluta ineficiência de qualquer estratégia árabe para lidar com o problema palestiniano e o Estado de Israel. Dividido entre as pressões americanas para uma normalização de relações com Israel (o Egipto foi o primeiro país árabe a reconhecer o estado judaico na sequência dos Acordos de Camp David, em 1979), dependente dos mercados ocidentais para a colocação das suas poucas exportações e das remessas dos emigrantes (mais de três milhões trabalham na Arábia Saudita, Emiratos Árabes e Europa), tem que se confrontar com o sentimento pró-palestiniano da sua população e com uma forte oposição de um partido islâmico (Irmãos Muçulmanos) que tem sabido capitalizar o descontentamento de uma população particularmente afectada por uma ineficiente política de redistribuição da riqueza.

Outro importante estado da região, a Arábia Saudita, até pela importância do seu papel como país exportador de petróleo, revela-se tanto ou mais ineficaz que o Egipto já que a sua total dependência das grandes empresas petrolíferas coloca-a mais numa posição de “cavalo de Tróia”, seja no seio da OPEP seja na Liga Árabe, dos interesses ocidentais e judaicos que como possível condutor de uma política pró-árabe.

Com o Iraque reduzido ao estado de país militarmente ocupado e a Síria limitada a pouco mais que ao papel de vizinho pacato, resta na cena política regional o Irão como candidato à liderança; mas este facto longe de introduzir estabilidade na esfera árabe é usado pelo ocidente como argumento para defender as suas posições de apoio a Israel e para fomentar a divisão entre árabes sunitas e xiitas, apresentando estes como radicais e os primeiros como moderados.

Fruto de todas as contradições que a minam, a Liga Árabe na sua última reunião pouco mais conseguiu produzir que um apelo à união entre as facções palestinianas[3] e um outro discurso mais inflamado.

A culminar estas divisões (naturais e fomentadas) há ainda que adicionar a absurda situação das facções palestinianas da Fatah e do Hamas (que em Agosto do ano passado me levou a referi-la no “post” «VISÕES INCONCILIÁVEIS») enquanto a situação do povo palestiniano não pára de degradar-se. Às quase cinco centenas de mortos palestinianos já registados mais se somarão, agora que o Exército de Israel invade a faixa de Gaza e mesmo que fique por confirmar o solene aviso do Hamas de que Gaza será um cemitério para Israel, continuarão a ser as populações palestinianas as mais afectadas e cada vez mais longínqua a solução «dois povos-dois estados» que agora parece tanto do agrado dos países ocidentais e de Israel.

Inegável é que quer esta nova operação militar de Israel, que além de contar com o beneplácito do “amigo americano” ainda recebe deste e da presidência checa da UE o epíteto de acção militar defensiva, se traduza ou não numa nova ocupação das escassas três centenas e meia de quilómetros quadrados constitui mais uma evidência da impraticabilidade daquela solução e que o conflito israelo-palestiniano só conhecerá um fim duradouro quando a comunidade internacional aceitar mediar negociações que efectivamente introduzam propostas de solução aos problemas que a implantação de um estado artificial e segregacionista originou na região.

A curto prazo e após alcançado um novo cessar-fogo, o governo israelita e o Hamas clamarão a sua vitória; de concreto ficarão os mortos e os feridos, o acirrar dos ódios e, naturalmente, a melhoria da imagem do Kadima nas sondagens eleitorais israelitas a par com a continuação do lançamento de “rockets” palestinianos sobre território de Israel, porque à semelhança das ocasiões anteriores, nada de substancial terá mudado, pois se Israel lograr destruir os arsenais do Hamas rapidamente estes os voltarão a encher.

Mais do que nunca, numa época de profunda crise económica que necessita dos líderes das principais economias a tomada de decisões que estão para além dos meros fenómenos económicos (a crise como se tem visto também é em boa medida uma crise de valores e de ética), talvez esta possa ser uma boa oportunidade para que no seu rescaldo a ONU, os EUA, a UEE, os países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) e a Liga Árabe acordem na aplicação de novas regras nas negociações da paz para a região e satisfazendo direitos básicos dos palestinianos, como o direito ao retorno, assegurem aos judeus as condições de tranquilidade que tornem exequível a única solução que poderá trazer uma nova era de paz à Palestina, sob o princípio duas Nações um Estado.

Talvez seja esperar demasiado – ver o fim de um conflito que se arrasta há mais de duas gerações e que tanto ódio tem criado de parte a parte – mas enquanto tal não ocorrer creio que dificilmente veremos outras imagens do Médio Oriente além das de destruição.
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[1] Referência ao episódio que ficou conhecido como o Setembro Negro, quando em 1970 o exército jordano usou a força para expulsar do seu território os guerrilheiros da OLP.
[2] Referência à invasão israelita de 1982 que ficou tristemente assinalada pelos massacres dos campo de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila, que embora perpetrados por falangistas libaneses beneficiaram do claro apoio do exército israelita, cujo ministro na época era Ariel Sharon. Em 1983 o Supremo Tribunal de Israel responsabilizou Ariel Sharon por não ter assegurado a protecção dos civis (algo perfeitamente enquadrado no que fora a sua linha de actuação enquanto comandante da Unidade 101, de forças especiais, que já em 1953 se vira envolvido no massacre de Qybia) e forçou a sua demissão do ministério.
[3] Isso mesmo pode ser lido nestas notícias do EXPRESSO e do PUBLICO.

1 comentário:

Luciano disse...

Para ser solidário aos árabes nada melhor do que rejeitar o consumo de tudo que produzido por judeus a partir do início do século XIX, incluindo aí Das Kapital e ideologia comunista.